Nota prévia: Neste dia 2 de abril deve iniciar-se a efetiva guerra das tarifas que Trump trava contra países como o Canadá, o México e, genericamente, contra a União Europeia. A data até tem nome: Dia da Libertação! E pretende-se que passe a ser feriado, a partir do ano que vem. O ímpeto do caricato Presidente parece, porém, estar agora menos assanhado contra a China, dado o ascendente mundial de Pequim em termos de produção industrial e de meios financeiros e militares. A nova política americana é perigosa para o equilíbrio e a paz mundiais, ao afastar-se do restante Ocidente e aproximar-se da Rússia, tentando retirá-la da órbita chinesa, em troca da entrega da Ucrânia. Simultaneamente, cresce a ameaça de anexação militar da Gronelândia. Apesar deste quadro, a maioria da sociedade americana mantém-se relativamente apática e conformada face às investidas internas e externas de Trump. É provável que os americanos só reajam coletivamente se houver um efeito “boomerang” que afete o bem-estar. Mais do que noutra qualquer parte do mundo, o dinheiro é que mexe com quase tudo nos Estados Unidos. E como se isso não bastasse, a oposição ideológica e ética da primeira linha democrata está em debandada, excetuando o veterano Bernie Sanders. Dos Obama, Biden, Kamala e Clinton não há nota pública de resistência firme. Isto enquanto os grandes e riquíssimos empresários estão conformados. Vergam-se sucessivamente ao novo poder, precavendo interesses. A resistência aos atropelos trumpistas verifica-se sobretudo em alguns juízes e certos media. A América é uma democracia antiga, complexa e costuma ser resiliente. Mas não há memória de ter sido tão atacada a partir do seu principal símbolo, a Casa Branca, o que torna o futuro mundial imprevisível.
1. A prova evidente da incapacidade e imaturidade da nossa classe política reside na circunstância de os principais investimentos estratégicos nacionais serem sistematicamente repensados. Os casos do TGV e do novo aeroporto internacional são os mais flagrantes, mas não são únicos. Qualquer decisão tomada é logo posta em causa. E uma mudança de governo nacional resulta sempre numa revisão de projetos. É tempo de acabar com isso. Veja-se o ridículo da nossa situação e a nossa pequenez mesquinha. Desde 1992, a Espanha construiu 4 mil quilómetros de linha de TGV (a maior da Europa) e fez ligações a França, enquanto nós nem um metro de via fizemos. Quem quiser ir para Madrid de comboio leva doze horas, se tudo correr bem, o que é raro. Desde Cavaco Silva e do seu sucessor Guterres que quase tudo o que tem dimensão e é anunciado fica pelo caminho. Atualmente, temos a certeza de que muitos dos milhões do PRR não estão aproveitados. Além de que muito do que se construiu e constrói apresenta depressa problemas de qualidade, o que só pode dizer uma de duas coisas: ou há incompetência na conceção e construção ou se rouba de facto muito. Faz impressão ver como edificações com menos de 50 anos estão deterioradas, enquanto muitas das que foram feitas no Estado Novo se mantêm impecáveis. Vem tudo isto a propósito de, na sexta-feira, o governo ter convocado dezoito autarcas dos municípios de Lisboa, Oeiras, Loures, Almada, Barreiro, Seixal, Montijo e Benavente para anunciar um projeto de regeneração urbana de 4.500 hectares de intervenção urbanística, que prevê a construção de 25 mil casas e duas novas travessias do Tejo suplementares. Isto, além do novo aeroporto internacional, de um túnel entre as duas margens do Tejo e mais uma mega-intervenção numa zona designada por Arco Sul do Tejo. Já não falando do TGV, do novo aeroporto e mais uma mão cheia de equipamentos culturais e científicos. Este plano integrado para várias dezenas de anos foi dado a conhecer a pretexto de que o país não pode parar por haver eleições. E aí é essencial recordar que tudo isto já foi sucessivamente prometido por Guterres, Sócrates e António Costa e nunca avançou, ora por divergências e contingências financeiras, designadamente a proibição pela troica (é a lógica de que se não há dinheiro não há palhaços). No anúncio faraónico de sexta-feira estava muita gente. Todavia, não se viu por lá o líder do PS e candidato a primeiro-ministro. Ora, é fundamental saber se o partido socialista está de acordo com tudo e se Pedro Nuno Santos já se conformou com a decisão de Alcochete nos termos atuais, os quais pouco têm a ver com a sua opção enquanto ministro, ao ponto de lhe ter custado o cargo. Não podemos continuar a gastar milhões em estudos de projetos que levarão dezenas de anos a executar, sem ter certezas e consensos. Neste tempo eleitoral, é essencial que PSD/AD e PS estabeleçam um compromisso adulto quanto às obras, independentemente do partido vencedor. No fundo, é criar um plano de regime como fizeram os espanhóis, apesar de terem uma realidade política bem mais complexa do que a nossa. O que se aplica às obras públicas tem de ser extensível à Saúde na sua organização infraestrutural essencial, à Defesa, à política do Mar, às grandes empresas públicas e à Agricultura naquilo em que dependa do Estado, e também às políticas ambientais e energéticas, sejam hidroelétricas, solares ou eólicas. Há um universo de coisas por fazer e resolver se quisermos deixar de ser um país fala-barato. A este propósito cabe dizer que, para além dos líderes políticos partidários executivos, é essencial que os candidatos presidenciais incentivem o estabelecimento de acordos alargados e digam se vão pressionar sempre para que eles se concretizem, contribuindo para evitar alterações e atrasos permanentes. Desde logo porque o próximo Presidente da República, qualquer que ele seja, tira na prática um bilhete para dez anos. Marques Mendes já iniciou diligências de consensualização no campo estritamente político. Fez bem. Mostra lucidez e experiência para evitar a repetição de crises inúteis e gravosas e aproveita da melhor forma este hiato imprevisto na pré-campanha presidencial, a fim de exercer pedagogia. As suas propostas para que PSD e PS se comprometam a viabilizar orçamentos e a não apresentarem moções de censura ou de confiança são bem-vindas e uma base essencial para encontrar uma convergência de propósitos nacionais. Melhor ainda será apelar a um acordo alargado sobre as tais grandes obras e certas reformas inevitáveis. É também para isso que deve servir o próximo inquilino de Belém, a quem se vai exigir, para além de outras características, capacidade concreta de interação com as duas maiores forças políticas. Não é preciso um milagreiro. Basta um político experiente, exigente, pragmático e com cultura democrática.
2. Até os mais liberais entendem que alguma coisa tem de ser feita para travar os lucros pornográficos que a banca acumula por via das comissões exorbitantes cobradas aos clientes. Não se trata de ir aos lucros legítimos resultantes de empréstimos, de negócios bolsistas ou de toda a espécie que os bancos possam fazer. Trata-se apenas e tão só de travar os abusos praticados diariamente junto de singelos depositantes. E também nada tem a ver com o dinheiro fácil que o setor bancário “empocha” pelo simples facto de pagar juros abaixo de 0,7% a prazo quando vai buscar mais duas vezes e meio de rentabilidade junto do Banco Central Europeu. No momento em que os políticos enchem a boca com ética, bem podiam olhar para estas práticas e arranjar maneira de lhes pôr travão, em nome da decência.
3. A Federação Portuguesa de Atletismo quer cobrar uma taxa a quem se inscreva em corridas reconhecidas por aquela entidade, desde que não seja federado. Devem ser milhões, o que dá um balúrdio. A federação é chefiada por um dos irmãos Castro que corriam muito bem e eram também reconhecidos pela sua magnífica capacidade oratória, digna de Fernando Mamede. Lançar taxas e taxinhas (temos ao todo mais de 4 mil) é uma espécie de desporto nacional das autarquias e do Estado. Só que a FPA é uma entidade de utilidade pública, sujeita à tutela do governo do qual nada se ouviu ainda. Os milhões de praticantes portugueses (e eventualmente turistas estrangeiros que já pagam taxas) têm de responder. Talvez seja apropriado para o efeito um certo gesto do nosso Zé Povinho, criado há 150 anos por Bordalo Pinheiro.
4. Houve mais um acidente grave com ciclistas na Marginal de Cascais. O cenário é tristemente recorrente. Importa olhar para a realidade: há vias nas quais ciclistas e automobilistas são incompatíveis. As coisas são como são. E governar é decidir.