O desafio de ser mulher em saúde


As mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, trabalham mais horas, principalmente nas tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família, estão menos representadas no Parlamento, na administração de grandes empresas e ocupam menos cargos dirigentes.


Pensar o que significa ser mulher na área da saúde faz-me percorrer alguns momentos da minha vida profissional, todos eles ligados – independentemente dos cargos – à minha formação enquanto nutricionista.

Licenciei-me na Universidade do Porto e comecei a trabalhar com 24 anos, no hospital de Amarante, terra que me viu crescer e onde vivi a minha infância e adolescência. 

À época, a conjuntura nacional assistia a uma grande transformação das infraestruturas e da economia, em muito decorrente da recente adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, que traria mais valias de modernização e crescimento. Nesta altura, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) contava pouco mais de uma década, a dar passos na concretização do direito à proteção e defesa da saúde dos cidadãos.

No hospital de Amarante fui a primeira nutricionista a exercer funções e, por isso mesmo, tinha a consciência de que a minha intervenção teórica e prática seria fundamental para o reconhecimento da profissão nesta estrutura de saúde tendo, por isso, criado e implementado uma série de normas e procedimentos que tinham como ação primordial assegurar cuidados nutricionais à população.

Desde essa altura, e até aos dias de hoje, sempre trabalhei em Instituições do SNS, um setor há muito marcado pela feminilização da força de trabalho. Nos primeiros anos, a exercer funções na área da nutrição clínica e, progressivamente, na nutrição comunitária e saúde pública, área que acabei por me especializar.

Atualmente, mais de três em cada quatro profissionais na saúde são mulheres. A demografia de género no setor da saúde tem-se acentuado e, claramente, acima da proporção de mulheres na população ativa total em Portugal. Este cenário sublinhará a angústia das profissionais de saúde que desejam ser mães e o papel das que o são, muitas vezes, ainda julgadas por quererem conciliar o papel de mãe com o crescimento profissional.

Bem sabemos que, atualmente, as mulheres retardam a idade de ter filhos. Fui mãe pela primeira vez aos 26 anos e pela segunda aos 30 anos, com os partos em hospitais do SNS. As mulheres portuguesas têm vindo a optar por serem mães pela primeira vez numa idade mais tardia, com mais de 30 anos. Portugal é o 6º país da UE27 onde as mulheres têm o 1º filho mais tarde.

Importante seria fazermos esta análise, também, relativamente às mulheres que trabalham em contexto de saúde. Neste domínio, este setor tem ainda muitos desafios a superar, em especial no que toca às políticas para conciliação da vida profissional com a vida familiar.

Se, desde o 25 de abril de 1974, muitas promessas foram feitas para a verdadeira igualdade de género, sabemos que ainda há caminho a ser trilhado para a plenitude dos princípios de igualdade e não discriminação com base no género.

Se a igualdade se estabeleceu como um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, a paridade ainda é uma realidade distante. Factos são factos: as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, trabalham mais horas, principalmente nas tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família, estão menos representadas no Parlamento, na administração de grandes empresas e ocupam menos cargos dirigentes.

Sem nunca ter tido um cargo dirigente no SNS, tive sempre cargos de liderança, como a responsabilidade do Serviço de Nutrição ou, atualmente, a coordenação do Departamento de Alimentação e Nutrição no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Dediquei, também, um quarto de século em liderança no associativismo profissional na saúde, 13 anos enquanto Presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas e 12 anos como Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, o que me permitiu acompanhar transformações sociais e culturais da liderança no feminino.

Ao longo da minha vida profissional somei formação académica à formação inicial percorrendo pós-graduações, mestrado e doutoramento, numa tentativa de atualização contante, mas também de procura de ferramentas para gerir e liderar. E não foi por investir em mim que desinvesti nos outros papéis da minha vida, bem pelo contrário.

Como eu, apenas 38% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, apesar de representarmos 75% da força de trabalho na saúde. Mas, quando se olha para os cargos de presidência de Conselhos de Administração hospitalar só 25% são ocupados por mulheres. E tenho dúvidas se, esta última percentagem, não advém do facto de, desde 2019, ter-se tornado obrigatório o regime da representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública.

Mesmo assim, a presença feminina em cargos de liderança ainda é significativamente inferior à dos homens. Embora tenha havido avanços, as mulheres continuam a representar apenas uma pequena fatia dessas posições.

Ao longo das últimas décadas, verificou-se uma melhoria em importantes indicadores de saúde, pelo que sempre que destacamos ganhos em saúde é fundamental reconhecer a importância das mulheres. Além de fornecerem cuidados assistenciais de alta qualidade, as mulheres estão na vanguarda da promoção da saúde, da prevenção de doenças e na investigação científica liderando o caminho para um futuro mais saudável.

Num mundo onde a saúde deve ser priorizada o papel das mulheres é inegável e crucial.

Ex-Bastonária da Ordem dos Nutricionistas

O desafio de ser mulher em saúde


As mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, trabalham mais horas, principalmente nas tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família, estão menos representadas no Parlamento, na administração de grandes empresas e ocupam menos cargos dirigentes.


Pensar o que significa ser mulher na área da saúde faz-me percorrer alguns momentos da minha vida profissional, todos eles ligados – independentemente dos cargos – à minha formação enquanto nutricionista.

Licenciei-me na Universidade do Porto e comecei a trabalhar com 24 anos, no hospital de Amarante, terra que me viu crescer e onde vivi a minha infância e adolescência. 

À época, a conjuntura nacional assistia a uma grande transformação das infraestruturas e da economia, em muito decorrente da recente adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, que traria mais valias de modernização e crescimento. Nesta altura, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) contava pouco mais de uma década, a dar passos na concretização do direito à proteção e defesa da saúde dos cidadãos.

No hospital de Amarante fui a primeira nutricionista a exercer funções e, por isso mesmo, tinha a consciência de que a minha intervenção teórica e prática seria fundamental para o reconhecimento da profissão nesta estrutura de saúde tendo, por isso, criado e implementado uma série de normas e procedimentos que tinham como ação primordial assegurar cuidados nutricionais à população.

Desde essa altura, e até aos dias de hoje, sempre trabalhei em Instituições do SNS, um setor há muito marcado pela feminilização da força de trabalho. Nos primeiros anos, a exercer funções na área da nutrição clínica e, progressivamente, na nutrição comunitária e saúde pública, área que acabei por me especializar.

Atualmente, mais de três em cada quatro profissionais na saúde são mulheres. A demografia de género no setor da saúde tem-se acentuado e, claramente, acima da proporção de mulheres na população ativa total em Portugal. Este cenário sublinhará a angústia das profissionais de saúde que desejam ser mães e o papel das que o são, muitas vezes, ainda julgadas por quererem conciliar o papel de mãe com o crescimento profissional.

Bem sabemos que, atualmente, as mulheres retardam a idade de ter filhos. Fui mãe pela primeira vez aos 26 anos e pela segunda aos 30 anos, com os partos em hospitais do SNS. As mulheres portuguesas têm vindo a optar por serem mães pela primeira vez numa idade mais tardia, com mais de 30 anos. Portugal é o 6º país da UE27 onde as mulheres têm o 1º filho mais tarde.

Importante seria fazermos esta análise, também, relativamente às mulheres que trabalham em contexto de saúde. Neste domínio, este setor tem ainda muitos desafios a superar, em especial no que toca às políticas para conciliação da vida profissional com a vida familiar.

Se, desde o 25 de abril de 1974, muitas promessas foram feitas para a verdadeira igualdade de género, sabemos que ainda há caminho a ser trilhado para a plenitude dos princípios de igualdade e não discriminação com base no género.

Se a igualdade se estabeleceu como um direito fundamental consagrado na Constituição da República Portuguesa, a paridade ainda é uma realidade distante. Factos são factos: as mulheres continuam a ganhar menos do que os homens pelo mesmo trabalho, trabalham mais horas, principalmente nas tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família, estão menos representadas no Parlamento, na administração de grandes empresas e ocupam menos cargos dirigentes.

Sem nunca ter tido um cargo dirigente no SNS, tive sempre cargos de liderança, como a responsabilidade do Serviço de Nutrição ou, atualmente, a coordenação do Departamento de Alimentação e Nutrição no Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Dediquei, também, um quarto de século em liderança no associativismo profissional na saúde, 13 anos enquanto Presidente da Associação Portuguesa dos Nutricionistas e 12 anos como Bastonária da Ordem dos Nutricionistas, o que me permitiu acompanhar transformações sociais e culturais da liderança no feminino.

Ao longo da minha vida profissional somei formação académica à formação inicial percorrendo pós-graduações, mestrado e doutoramento, numa tentativa de atualização contante, mas também de procura de ferramentas para gerir e liderar. E não foi por investir em mim que desinvesti nos outros papéis da minha vida, bem pelo contrário.

Como eu, apenas 38% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, apesar de representarmos 75% da força de trabalho na saúde. Mas, quando se olha para os cargos de presidência de Conselhos de Administração hospitalar só 25% são ocupados por mulheres. E tenho dúvidas se, esta última percentagem, não advém do facto de, desde 2019, ter-se tornado obrigatório o regime da representação equilibrada entre homens e mulheres no pessoal dirigente e nos órgãos da Administração Pública.

Mesmo assim, a presença feminina em cargos de liderança ainda é significativamente inferior à dos homens. Embora tenha havido avanços, as mulheres continuam a representar apenas uma pequena fatia dessas posições.

Ao longo das últimas décadas, verificou-se uma melhoria em importantes indicadores de saúde, pelo que sempre que destacamos ganhos em saúde é fundamental reconhecer a importância das mulheres. Além de fornecerem cuidados assistenciais de alta qualidade, as mulheres estão na vanguarda da promoção da saúde, da prevenção de doenças e na investigação científica liderando o caminho para um futuro mais saudável.

Num mundo onde a saúde deve ser priorizada o papel das mulheres é inegável e crucial.

Ex-Bastonária da Ordem dos Nutricionistas