Elevar o nível da discussão política, evitar erosão da autoridade moral e política da democracia


 Em vez de uma dialética fundada em projetos diferentes de sociedade, a luta política atual acaba por centrar-se no desgastante – e por vezes mesquinho – escrutínio dos comportamentos suspeitos e erros marginais dos responsáveis políticos.


  • A controvérsia em torno da conduta do Primeiro Ministro (PM) no que respeita à sua participação numa sociedade e no facto de este ter, ou não, declarado, de modo correto, às entidades competentes a posição que nela tinha e, bem assim, os eventuais benefícios que dela se diz que auferia parece, em si mesma, esgotada.

Os erros formais em tal tipo de declarações são frequentes e, mesmo que se constate existirem objetivas ilegalidades, não se provando que tais “erros” foram especificamente pensados e dirigidos a iludir a lei, parece estranho que possam provocar o abalo político como o que, no caso, ocorreu.

Mais do que tal tipo de erros e confusões, o que, verdadeiramente, devia preocupar os cidadãos é, assim, o delas possa objetivamente resultar de promiscuidade entre o fim que norteia a atividade do Estado na prossecução das suas tarefas e os interesses que guiam as entidades privadas, quando concorrem para a sua execução.

Claro está que, no presente caso, não é de considerar que o Estado deva ter interesse em explorar, diretamente, a atividade que a empresa que, alegadamente, pagou uma avença à sociedade de que o PM era sócio, desenvolve normalmente.

Há, em geral, na sociedade, uma opinião muito negativa sobre os casinos e os jogos de fortuna e azar que eles exploram.

Por sua causa, desenvolvem-se dramas sociais, familiares e pessoais que, nem mesmo a distribuição de parte das receitas que o jogo gera para fins altruístas, desculpam.

  • A questão que, verdadeiramente, sobressai da polémica gerada em torno do comportamento de PM é, assim, de outra natureza: ela situa-se na confusão de interesses que, inevitavelmente, sucede quando o Estado, em vez de exercer por si mesmo uma determinada atividade, contrata com os privados a sua execução.

A polémica situação detetada deveria, assim, ter levado a Assembleia da República – como, de algum modo, se sugeriu na última moção de censura – a refletir e evidenciar os perigos de um modelo político-económico que cuida mal do choque de perspetivas que, inevitavelmente, comandam os fins prosseguidos por um e outro setor: o setor público e o privado.

Creio, todavia, que, mais cedo do que tarde, o momento chegará em que tal discussão terá, com coragem e clareza, de ser travada por todos.

Por ora, bastará – e já não parece pouco -, questionar a efetividade dos regimes legais que regulam as relações entre as entidades a quem compete realizar o interesse público e aquelas que, movidas por outro desígnio, contratam com as primeiras a execução das tarefas para o realizar.

O Estado e as entidades em que este se desdobra e a quem compete realizar o interesse público não têm, nem devem ter, em qualquer circunstância, como fim da sua atividade o lucro.

Enquanto isso, as entidades privadas que vão executar as obras necessárias à realização daquelas funções públicas só existem para, precisamente, alcançarem a sua realização: para realizarem lucros.

O Estado e as entidades a quem compete efetivar o interesse público não podem prescindir de realizar certas tarefas que não são rentáveis, pois é a Constituição e a lei que, justificando a sua existência, lhes impõem efetivá-las em prol do país e dos cidadãos.

Não é assim com as entidades do setor privado.

As entidades privadas que o Estado contrata para a realização da obra destinada a executar o bem comum, além de não estarem obrigadas a colocar em primeiro lugar esse objetivo – elas, afinal, existem apenas para gerar lucro – tudo tentarão, naturalmente, para, de tais trabalhos, obterem o maior número de vantagens para si e seus associados.

As tensões e enfrentamentos que, deste modo, se geram neste modelo económico-social são, pois, inevitáveis.

  • A preocupante “corrupção” a que o Estado português e a União Europeia e as suas agências, hoje-em-dia, tanta importância dão revela, apenas, o retrato nervoso, e mesmo esquizofrénico, de uma situação moralmente crítica e em constante movimento e evolução, que afinal poucos querem questionar.

É precisamente por tal motivo – a quase impossível gestão das contradições geradas no seio deste modelo económico e social – que qualquer alusão a um comportamento menos exigente por parte de um governante, de um deputado, de um magistrado, de um alto funcionário público se transforma, rapidamente, numa insinuação de um seu menor escrúpulo no desempenho de funções.

É a evidência das debilidades daí resultantes para o modelo económico e social que comanda a vida do país que, necessariamente, mina não só a autoridade de quem o governa, como, também, a dos restantes membros doa órgãos coletivos ou dos serviços que ele dirige ou em que se insere.

O resultado, esse é a constante suspeição sobre o verdadeiro motivo das decisões tomadas e sobre quem, afinal, as elegeu e por elas se responsabilizou.

Manter, assim, a respeitabilidade dos que, nos diferentes patamares de responsabilidade, participam nas decisões negociadas entre os representantes de um e outro setor surge, sempre, como um problema que é de difícil resolução.

  • Só, portanto, através de um debate político que vá ao fundo da ideia do que é o bem comum e de como ele melhor se concretiza em cada momento, se pode evitar uma permanente discussão – quase sempre irrelevante, mas moralmente desgastante – em torno dos episódios que, aparentemente, resultam de leituras individuais diferentes da lei e dos deveres pessoais que ela impõe.

Em vez de uma dialética fundada em projetos diferentes de sociedade, a luta política atual acaba, assim, por centrar-se no corrosivo- e por vezes mesquinho – escrutínio dos erros marginais (ou não) dos responsáveis políticos que integram e dirigem tais forças.

O resultado é a crescente erosão da autoridade moral e política destes e, igualmente, o da dúvida permanente sobre a retidão de propósitos dos organismos públicos e das forças políticas que estão no poder e os orientam.

  • Mas, talvez ainda mais grave, começa a ser a atitude punitiva que muitos eleitores, desencantados com a falta de efetividade do modelo de sociedade existente, são tentados a adotar, sem se importarem com as perigosas consequências que daí podem advir, sobretudo para eles.

Abandonando o apoio às extenuadas e moralmente desautorizadas forças políticas maioritárias, não se reconhecem já, também, no discurso didático, algo abstrato e demasiado intemporal das forças que lutaram, e lutam, por uma Democracia avançada e mais coerente no plano político, social e económico.

Muitos eleitores acabam, pois, desorientados, e sem perspetivas de um futuro próximo melhor, por votar em forças declaradamente antidemocráticas.

Julgam, assim – mais do que apoiar os discursos e desígnios maléficos destas – conseguir punir os que, há muito no poder, deles e do país se aproveitaram, tendo conduzido as suas vidas a um beco sem saída: a um lugar sem esperança para eles e, menos ainda, para os seus filhos.

Elevar o nível da discussão política, evitar erosão da autoridade moral e política da democracia


 Em vez de uma dialética fundada em projetos diferentes de sociedade, a luta política atual acaba por centrar-se no desgastante - e por vezes mesquinho - escrutínio dos comportamentos suspeitos e erros marginais dos responsáveis políticos.


  • A controvérsia em torno da conduta do Primeiro Ministro (PM) no que respeita à sua participação numa sociedade e no facto de este ter, ou não, declarado, de modo correto, às entidades competentes a posição que nela tinha e, bem assim, os eventuais benefícios que dela se diz que auferia parece, em si mesma, esgotada.

Os erros formais em tal tipo de declarações são frequentes e, mesmo que se constate existirem objetivas ilegalidades, não se provando que tais “erros” foram especificamente pensados e dirigidos a iludir a lei, parece estranho que possam provocar o abalo político como o que, no caso, ocorreu.

Mais do que tal tipo de erros e confusões, o que, verdadeiramente, devia preocupar os cidadãos é, assim, o delas possa objetivamente resultar de promiscuidade entre o fim que norteia a atividade do Estado na prossecução das suas tarefas e os interesses que guiam as entidades privadas, quando concorrem para a sua execução.

Claro está que, no presente caso, não é de considerar que o Estado deva ter interesse em explorar, diretamente, a atividade que a empresa que, alegadamente, pagou uma avença à sociedade de que o PM era sócio, desenvolve normalmente.

Há, em geral, na sociedade, uma opinião muito negativa sobre os casinos e os jogos de fortuna e azar que eles exploram.

Por sua causa, desenvolvem-se dramas sociais, familiares e pessoais que, nem mesmo a distribuição de parte das receitas que o jogo gera para fins altruístas, desculpam.

  • A questão que, verdadeiramente, sobressai da polémica gerada em torno do comportamento de PM é, assim, de outra natureza: ela situa-se na confusão de interesses que, inevitavelmente, sucede quando o Estado, em vez de exercer por si mesmo uma determinada atividade, contrata com os privados a sua execução.

A polémica situação detetada deveria, assim, ter levado a Assembleia da República – como, de algum modo, se sugeriu na última moção de censura – a refletir e evidenciar os perigos de um modelo político-económico que cuida mal do choque de perspetivas que, inevitavelmente, comandam os fins prosseguidos por um e outro setor: o setor público e o privado.

Creio, todavia, que, mais cedo do que tarde, o momento chegará em que tal discussão terá, com coragem e clareza, de ser travada por todos.

Por ora, bastará – e já não parece pouco -, questionar a efetividade dos regimes legais que regulam as relações entre as entidades a quem compete realizar o interesse público e aquelas que, movidas por outro desígnio, contratam com as primeiras a execução das tarefas para o realizar.

O Estado e as entidades em que este se desdobra e a quem compete realizar o interesse público não têm, nem devem ter, em qualquer circunstância, como fim da sua atividade o lucro.

Enquanto isso, as entidades privadas que vão executar as obras necessárias à realização daquelas funções públicas só existem para, precisamente, alcançarem a sua realização: para realizarem lucros.

O Estado e as entidades a quem compete efetivar o interesse público não podem prescindir de realizar certas tarefas que não são rentáveis, pois é a Constituição e a lei que, justificando a sua existência, lhes impõem efetivá-las em prol do país e dos cidadãos.

Não é assim com as entidades do setor privado.

As entidades privadas que o Estado contrata para a realização da obra destinada a executar o bem comum, além de não estarem obrigadas a colocar em primeiro lugar esse objetivo – elas, afinal, existem apenas para gerar lucro – tudo tentarão, naturalmente, para, de tais trabalhos, obterem o maior número de vantagens para si e seus associados.

As tensões e enfrentamentos que, deste modo, se geram neste modelo económico-social são, pois, inevitáveis.

  • A preocupante “corrupção” a que o Estado português e a União Europeia e as suas agências, hoje-em-dia, tanta importância dão revela, apenas, o retrato nervoso, e mesmo esquizofrénico, de uma situação moralmente crítica e em constante movimento e evolução, que afinal poucos querem questionar.

É precisamente por tal motivo – a quase impossível gestão das contradições geradas no seio deste modelo económico e social – que qualquer alusão a um comportamento menos exigente por parte de um governante, de um deputado, de um magistrado, de um alto funcionário público se transforma, rapidamente, numa insinuação de um seu menor escrúpulo no desempenho de funções.

É a evidência das debilidades daí resultantes para o modelo económico e social que comanda a vida do país que, necessariamente, mina não só a autoridade de quem o governa, como, também, a dos restantes membros doa órgãos coletivos ou dos serviços que ele dirige ou em que se insere.

O resultado, esse é a constante suspeição sobre o verdadeiro motivo das decisões tomadas e sobre quem, afinal, as elegeu e por elas se responsabilizou.

Manter, assim, a respeitabilidade dos que, nos diferentes patamares de responsabilidade, participam nas decisões negociadas entre os representantes de um e outro setor surge, sempre, como um problema que é de difícil resolução.

  • Só, portanto, através de um debate político que vá ao fundo da ideia do que é o bem comum e de como ele melhor se concretiza em cada momento, se pode evitar uma permanente discussão – quase sempre irrelevante, mas moralmente desgastante – em torno dos episódios que, aparentemente, resultam de leituras individuais diferentes da lei e dos deveres pessoais que ela impõe.

Em vez de uma dialética fundada em projetos diferentes de sociedade, a luta política atual acaba, assim, por centrar-se no corrosivo- e por vezes mesquinho – escrutínio dos erros marginais (ou não) dos responsáveis políticos que integram e dirigem tais forças.

O resultado é a crescente erosão da autoridade moral e política destes e, igualmente, o da dúvida permanente sobre a retidão de propósitos dos organismos públicos e das forças políticas que estão no poder e os orientam.

  • Mas, talvez ainda mais grave, começa a ser a atitude punitiva que muitos eleitores, desencantados com a falta de efetividade do modelo de sociedade existente, são tentados a adotar, sem se importarem com as perigosas consequências que daí podem advir, sobretudo para eles.

Abandonando o apoio às extenuadas e moralmente desautorizadas forças políticas maioritárias, não se reconhecem já, também, no discurso didático, algo abstrato e demasiado intemporal das forças que lutaram, e lutam, por uma Democracia avançada e mais coerente no plano político, social e económico.

Muitos eleitores acabam, pois, desorientados, e sem perspetivas de um futuro próximo melhor, por votar em forças declaradamente antidemocráticas.

Julgam, assim – mais do que apoiar os discursos e desígnios maléficos destas – conseguir punir os que, há muito no poder, deles e do país se aproveitaram, tendo conduzido as suas vidas a um beco sem saída: a um lugar sem esperança para eles e, menos ainda, para os seus filhos.