Feitas as contas, uma botija de gás butano custa cerca de 37 euros e de gás propano o valor vai aos 34 euros. Em apenas três anos, os valores cresceram 28%.
Ainda que pareça que o gás em botija está em desuso, a verdade é que os dados mais recentes mostram que ainda há cerca de cinco milhões de pessoas a usar este tipo de gás.
E quem ainda tem que comprar as tradicionais ‘bilhas’ não acha piada nenhuma a estes valores. «Há 10 anos – e é para não ir mais longe – uma bilha de gás custava 20 euros, se tanto», diz Alberto Sousa que, na casa dos 80 anos, já não tem «paciência» para fazer obras em casa e mudar para o gás natural. Mora com a mulher e, «de vez em quando», uma neta. E faz as contas: «No inverno não chega uma bilha, mas não chegamos às duas. No verão dura mais um bocadinho». A culpa, claro, é dos banhos quentes ou «das comidas mais de aconchego que demoram mais tempo a fazer». «Uma bilha custa 35 euros, já fez a contas?», questiona.
São contas fáceis. Se comprar duas bilhas por mês, Alberto gasta 70 euros. Um valor muito acima do que era praticado há uns anos. «Quem lucra com isto?», faz nova pergunta. E responde ele próprio: «As empresas como a Repsol e a Galp, que estão cheias de lucros».
Ao nosso jornal, a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec) diz que esta subida se deve «principalmente às alterações dos preços das cotações dos mercados internacionais, da variação entre o Euro e o Dólar, e da elevada carga de impostos que se pratica em Portugal neste setor».
O que esperar?
O certo é que não se prevê que os preços das botijas de gás desçam tão rapidamente. Questionada sobre o que esperar daqui para a frente, a Anarec diz que as cotações dos mercados internacionais «vão ter sempre um papel importante sobre o preço da garrafa de gás» mas defende que «este impacto poderia ser minimizado se os impostos fossem reduzidos». E recorda que «há muitos anos» que defende a redução da taxa do IVA no gás de garrafa.
Por isso, deixa acusações: «Estando o Estado tão preocupado com o orçamento das famílias portuguesas e do consumidor final em geral, a aplicação da taxa reduzida de 13% ao gás em garrafa iria permitir uma redução quantitativa no preço pago pelo consumidor», defendendo que «os governantes têm de perceber de uma vez por todas que o gás engarrafado é um bem de primeira necessidade, pelo que o IVA deveria ser reduzido».
Paulo Monteiro Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, explica que este aumento está principalmente relacionado com a «subida das cotações internacionais do Gás de Petróleo Liquefeito (GPL) no mês anterior, com o propano a aumentar 11,6% e o butano 10,4%». Além disso, «fatores como a elevada carga fiscal e a liberalização do mercado em Portugal contribuem para preços mais elevados».
Já Nuno Mello, analista da XTB, diz que este aumento do gás engarrafado pode ser atribuído a vários fatores. E enumera-os: «um dos principais, é a carga fiscal elevada aplicada a este produto, que faz com que os preços finais sejam significativamente mais altos». Outro fator são as cotações internacionais do gás natural, «que influenciam diretamente os preços internos, e variações nessas cotações podem resultar em aumentos para os consumidores». O responsável desta que, no último trimestre do ano passado, por exemplo, «os preços médios de venda do butano engarrafado subiram 10,9% em termos homólogos, refletindo a tendência de aumento nas cotações internacionais».
Consequências: Pobreza energética
Este aumento gritante dos preços traz consequências não só para famílias como para empresas.
Paulo Monteiro Rosa defende que o gás engarrafado e natural «é ainda muito importante para o aquecimento, para cozinhar e aquecimento de águas sanitárias, tornando-se um peso maior no orçamento familiar». Assim sendo, «o impacto será mais visível nos consumidores mais vulneráveis, tal como famílias de baixos rendimentos, podendo levar a um aumento da pobreza energética». Mas não é só. Esta tendência pode também «impulsionar a inflação, pois o aumento do gás pode refletir-se nos preços de bens e serviços, incluindo alimentação e eletricidade, agravando o custo de vida».
Já no que diz respeito às empresas que muito dependem do gás, como os setores alimentar, metalomecânico, cerâmico e químico, «enfrentarão custos operacionais mais altos, podendo repassar esses aumentos aos clientes, o que poderá resultar em preços mais elevados para produtos e serviços».
Além disso, Paulo Monteiro Rosa é da opinião de que «a competitividade das empresas portuguesas diminui face a concorrentes de países com energia mais barata, como Espanha e França». E deixa o alerta: «Pequenos negócios, com margens reduzidas, poderão ter dificuldades em absorver os custos, culminando eventualmente em despedimentos ou até ao encerramento de algumas empresas».
O economista diz que, para mitigar esta situação, o Governo «pode implementar ajudas ou subsídios para aliviar o impacto do aumento do gás em consumidores e empresas».
Consequências com as quais Nuno Mello também concorda. Para as famílias, «pode pressionar os orçamentos domésticos, especialmente para aquelas que utilizam o gás para aquecimento e cozinhar». Já para as empresas, custos operacionais mais altos, particularmente em indústrias que dependem intensivamente do gás natural, «podem levar a aumentos nos preços dos produtos finais, afetando a competitividade e potencialmente resultando em redução de margens de lucro».
O analista da XTB deixa ainda o alerta: «A subida dos preços do gás natural será naturalmente também um fator inflacionista e que irá contribuir para a subida da inflação geral, o que por sua vez afetará indiretamente famílias e empresas».
A diferença enorme para Espanha
E se uma garrafa de gás custa aproximadamente 37 euros em Portugal, no país ao lado, em Espanha, esse valor escorrega para mais ou menos 15 euros.
A Anarec explica que o gás de garrafa é subsidiado pelo governo espanhol, «o que não acontece em Portugal em que o seu custo é integralmente suportado pelo cliente final», acrescentando «em Portugal, ao contrário do que se passa em Espanha, são os consumidores que financiam o Estado Português» e que «a cadeia de valor e o serviço associado à mesma é diferente em Portugal, porquanto que em Portugal o cliente dispõe de um serviço personalizado de entrega ao domicílio ou uma disponibilidade do produto de grande proximidade. Em Espanha o cliente tem de se dirigir aos pontos de venda, que, em muitos casos, ficam distantes das suas casas».
Por sua vez, Paulo Monteiro Rosa adianta que esta diferença entre os dois países é justificada essencialmente por três fatores. «À regulação de preços em Espanha, onde o governo fixa valores máximos, enquanto em Portugal o mercado é liberalizado, permitindo maiores variações». Além disso, «a carga fiscal sobre o gás é mais elevada em Portugal, encarecendo o produto». O economista diz ainda que os custos logísticos e de distribuição também influenciam, «uma vez que Portugal tem um mercado menor e menos competitivo, resultando em preços mais altos para os consumidores».
E também são três os fatores adiantados por Nuno Mello. A carga fiscal é o primeiro. «Portugal aplica uma carga fiscal mais elevada sobre o gás de botija em comparação com Espanha, o que aumenta o preço final para o consumidor português».
Mas há mais. Destaque também para os custos logísticos e de distribuição: «Diferenças nos custos associados ao transporte e distribuição do gás podem influenciar os preços em cada país», diz Nuno Mello.
Por último, o analista da XTB fala em em políticas de mercado. «Espanha pode implementar subsídios ou mecanismos de regulação de preços que não existem em Portugal, resultando em preços mais baixos para os consumidores espanhóis».
Medidas importantes
A Anarec dá ainda conta que em outubro do ano passado reuniu com a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais onde levantou este problema. «Mas até ao momento, nada mudou». A associação alerta que Portugal não é apenas Lisboa e Porto e que «o gás natural não abrange todo o País. Os revendedores de gás levam energia a todos os cantos, mesmo os mais recônditos». Desta forma, acrescenta, «o Governo está a criar clivagens sociais entre os portugueses».
Mas diz que há outras medidas que poderiam ser criadas pelo Governo, como apoios e benefícios para as empresas revendedoras e distribuidoras de GPL engarrafado, «que lhes permitam minimizar o aumento de custos com os combustíveis».
E atira: «É importante desmistificar esta ideia enraizada de que o retalhista está a ganhar muito dinheiro com a revenda de gás, ou de que os revendedores têm margens muito elevadas com a venda deste produto, na medida em que esse pensamento é falacioso, não correspondendo à realidade do mercado. Recordemos que este é um negócio, como qualquer outro. O caminho não passa por tabelar. O mercado é livre».
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O que diz a ERSE?
Questionada pelo Nascer do SOL sobre este aumento de preços, a ERSE relembra que o preço do gás de garrafa é composto por várias componentes como: Cotações internacionais do propano e do butano; custos logísticos primários (armazenamento e transporte de GPL); custos de retalho, que incluem transporte rodoviário das garrafas, custos operacionais dos pontos de venda e margens de comercialização; custos adicionais, como fretes marítimos e obrigações legais e fiscalidade, incluindo ISP, Taxa de Carbono e IVA a 23%, aplicado sobre todas as componentes do preço.
E adianta também que as cotações do propano e do butano nos mercados internacionais – «que representam os custos de produção e importação» – são influenciadas por fatores como o preço do petróleo, que impacta os derivados de refinação; produção e oferta global, incluindo sazonalidade e níveis de stock; taxa de câmbio, uma vez que as transações ocorrem em dólares e produção como subproduto da refinação, «em que os momentos de maior produção de gasóleo e gasolina não coincidem necessariamente com os períodos de maior consumo de GPL, criando pressão sobre os preços no inverno».
A ERSE detalha ainda que «embora as cotações internacionais sejam a principal componente, outros custos contribuem para a formação do preço final do GPL engarrafado», como é o caso do aumento do preço dos combustíveis rodoviários, que segundo a ERSE «tem encarecido o transporte de garrafas, especialmente numa rede de distribuição com grande capilaridade territorial». Mas também os encargos com fretes marítimos cujos custos «registaram aumentos nos últimos anos, influenciados por fatores geopolíticos e instabilidade global nos transportes marítimos».
Juntam-se o aumento dos custos laborais. «O salário mínimo nacional subiu de 580 euros (2018) para 870 euros (2024) (+50%), impactando os custos operacionais de parques de garrafas e redes de distribuição». Ou a fiscalidade porque, segundo a entidade, «embora o ISP tenha permanecido estável, a Taxa de Carbono foi sendo atualizada em alta. Para uma garrafa de 13 kg de butano, a taxa de carbono passou de 0,2584 €/garrafa em 2018 para 2,5430 €/garrafa em 2024».
«O ajuste da Taxa de Carbono, revisto pelo Governo através da Portaria n.º 355-A/2024, foi integrado pela ERSE no cálculo do preço eficiente. Contudo, devido à cadeia de distribuição longa e à rotação lenta de stocks, essa redução pode não ter sido refletida de imediato nos preços ao consumidor, explicando parte dos desvios observados», justifica. E diz que ainda importa notar que, nos termos do Regulamento de Supervisão do SPN, «a análise ao mercado do GPL engarrafo é realizada pela ERSE, de acordo com a monitorização de quatro critérios que procuram avaliar o regular funcionamento do mercado, como seja o grau de concorrência nos mercados grossista e retalhista, a diversidade de ofertas comerciais/preços no mercado e a correlação dos preços de venda ao público com o comportamento das cotações nos mercados internacionais. Assim, os desvios apurados não determinam, por si só, situações de irregularidade, conforme o estabelecido no referido Regulamento».
Além disso, a ERSE diz que monitoriza estes mercados diariamente «e fará propostas de atuação ao Governo sempre que detete irregularidades no funcionamento do mercado dos combustíveis e/ou do GPL engarrafado, nos termos previstos no Regulamento de Supervisão do SPN em vigor», recordando que já em 2022 fez «uma proposta de margens máximas no âmbito de aplicação dessa Lei, por ter detetado irregularidades no funcionamento do mercado do GPL engarrafado, o que veio a traduzir-se numa ação levada a cabo pelo Governo (entre agosto e outubro de 2022), período em que fomos afetados pela COVID’19 e em que se registou uma descida muito acentuada nos preços internacionais do propano e do butano, que não foi acompanhada por uma redução proporcional dos preços finais».