A ‘guerra’ da Lei dos Solos que põe Montenegro sob pressão

A ‘guerra’ da Lei dos Solos que põe Montenegro sob pressão


As alterações à lei dos Solos está a pôr a nu casos de políticos com ligações a empresas de compra e venda de imóveis. Depois do ex-secretário de Estado é a vez do primeiro-ministro, numa altura, em que surgem cada vez mais críticas aos critérios desiguais em termos de registos dos terrenos


Há concelhos no interior com poucos terrenos classificados como Reserva Agrícola Nacional (RAN) e Reserva Ecológica Nacional (REN) e concelhos do litoral com excesso. Ao Nascer do SOL várias fontes apontam Castro Verde, Olhão e Faro como exemplos, onde os critérios de classificação não são equivalentes, como pode ser visível na Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural ver imagens ao lado). « Esta dualidade de critérios torna a situação catastrófica, uma vez que, cidades como Olhão e Faro não têm oferta de habitação e já praticam preços por metro quadrado acima dos quatro mil euros», acusam. E questionam: «Faz sentido o Baixo Alentejo ter pouca densidade de terrenos classificados como agrícolas e o Algarve estar cheio?».
Uma situação que é reconhecida por Pedro Bingre do Amaral, presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), que assinou a carta aberta promovida por Helena Roseta contra a alteração da lei dos Solos. «As regras para a limitação da RAN e da REN mudaram há cerca de 15 anos e os municípios tinham de as rever, nem todos o fizeram, o que significa que, pode haver dois municípios lado a lado, em que um tem a RAN à moda antiga e outra já tem a rede traçada de acordo com as novas regras. Mas isso são problemas que já aconteciam na rede anterior, e que revelam alguma incoerência», diz ao nosso jornal.
Ainda assim, o também investigador admite que esta alteração à lei não é para corrigir essas falhas. «Neste momento há falhas na RAN e na REN, isso é certo, mas esta lei não é para corrigir é simplesmente para fazer com que ainda mais solos sejam urbanizáveis», afirmando que mais de 70% dos municípios têm solo urbanizável, em que nada está a ser construído «porque estão a reter até à última à espera que os terrenos valorizem». Enquanto os outros 30% reviram o Plano Diretor Municipal (PDM). «Passaram a ter terrenos urbanos, mas a palavra pode enganar porque não estão construídos, são verdadeiros descampados e não põem esses terrenos à venda porque podem especular já que a taxação do património imobiliário não está em linha com a classificação do terreno».
E acrescenta: «O PDM diz que é urbanizável, mas em sede de finanças é solo rústico, então o IMI é de 0,35% sobre o valor patrimonial tributário. Um terreno agrícola que vale mil euros em termos agrícolas na verdade é dado como 100 euros e paga 3,5 euros de IMI, mas como no PDM está como solo urbanizável está à venda numa imobiliária por um milhão de euros, mas continua a pagar imposto como se valesse 100. Então temos um terreno que devia estar a pagar 35 mil euros por ano de imposto? É claro que isto é um convite à especulação».

Abrir caixa de Pandora
Pedro Bingre do Amaral admite que estas alterações podem levar «os autarcas a valorizarem os seus próprios terrenos e dos seus vereadores», referindo que a expansão urbana vai ser feita em loteamentos a avulso, dependentes da malha cadastral agrícola antiga. «A expansão urbana em vez de ser feita sobre critérios estritamente urbanísticos vai andar a reboque de uma malha cadastral agrícola que nada tem de adequado para o desenho urbano» e criando, ao mesmo tempo, algumas polémicas em torno de quem tem responsabilidades políticas.
É certo que têm vindo a público várias polémicas em torno desta questão. Um dos casos mais recentes foi o de Luís Montenegro ao ser revelado que a mulher e os filhos têm uma empresa de compra e venda de imóveis  (Spinumviva), da qual foi fundador, apesar de já não ser sócio. Para já, o primeiro-ministro remete esclarecimentos para o debate da moção de censura, marcado para esta sexta-feira (ver páginas 6-7).
Segundo o relatório entregue no ano passado por Montenegro à Entidade para a Transparência, o primeiro-ministro detinha 54 propriedades imobiliárias, num valor total de 639 mil euros, avançou o Correio da Manhã.
Ao Nascer do SOL, o politólogo José Filipe Pinto estranha o silêncio de Luís Montenegro, no entanto, reconhece que é preciso perceber se as alterações feitas na empresa – a par da titularidade foram também acrescentadas atividades e reduzidas outras – já era primeiro-ministro ou se cedeu a sua parte, ainda que a familiares, antes de tomar posse. «Este silêncio pode ser estratégico. O primeiro-ministro sabia que a moção de censura seria inevitável porque o Chega precisava dela como o pão para a boca e, mesmo que já tivesse dado explicações, sabia que seriam sempre insuficientes. Montenegro como sabe que terá de dar essas explicações no decurso da discussão da moção de censura optou por não ser julgado na praça pública e decidiu dá-las em sede própria, ou seja, na Assembleia da República».
Situação diferente, de acordo com o mesmo, é a do ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Hernâni Dias, que, no final de janeiro, demitiu-se do cargo, depois de ter sido revelado que tinha criado duas empresas imobiliárias já enquanto governante e responsável pelo decreto que altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial.
«À mulher de César não basta ser séria, tem de ser e parecer. O ex-secretário de Estado viu-se obrigado a demitir, apesar de entender que não havia incompatibilidade. Um argumento que se torna difícil de sustentar, já que houve a constituição de sociedades, uma das quais faz parte e a outra é da família, mas que é posterior ao processo da lei dos Solos e sendo ele, na altura, o secretário de Estado com responsabilidades no âmbito desta lei», diz ao Nascer do SOL. E acrescenta: «Isso foi uma nódoa que caiu no Governo, na sua transparência e deu ideia que este secretário de Estado poderia colher benefício próprio e podia ser acusado de estar a fazer a lei de acordo com os seus interesses e não com os interesses do país que são reais».

Cavalgar a onda
Apesar de José Filipe Pinto admitir que «os portugueses provavelmente questionam o demasiado silêncio por parte parte do primeiro-ministro» em torno desta polémica, também entende que «Luís Montenegro sabe que o Chega está numa situação de grande visibilidade negativa. Um está envolvido num ato de pedofilia, outro num ato de roubo de malas no aeroporto e um terceiro num ato de condução sobre uma taxa de álcool tão elevada que consubstancia crime».
O politólogo não hesita: «O Chega tinha de cavalgar esta onda para desviar as atenções porque sabe que o seu eleitorado ficou muito melindrado com todas estas questões, principalmente em relação a uma figura do partido que vai ser acusado ou já foi acusado de pedofilia, quando o Chega se apresenta como o defensor da moralidade e mesmo quando André Ventura afastou as pessoas, dizendo que o partido não se revia nestes comportamentos»,diz ao nosso jornal.