O Furacão de Águeda e as Linhas de Torres

O Furacão de Águeda e as Linhas de Torres


27 de Maio de 1956 – o Torreense tornou-se na primeira grande surpresa a surgir na final da Taça de Portugal


Tudo começou no dia 2 de maio de 1956. A Taça de Portugal jogava-se por inteiro no final do campeonato. No mês de maio, mês dos lírios. Vindo da II Divisão, o Torreense estreara-se bem: sétimo lugar entre catorze, empates em casa, a zero, com FCPorto (campeão) e Sporting, outro empate a dois com o Benfica na Luz. Não se podia exigir muito mais. E ninguém adivinharia que no dia 27 de maio, os homens de Torres Vedras chegariam ao Jamor. Para novo confronto com o FC Porto.
Por falar em FCPorto, a primeira eliminatória da prova, os 1/16 avos-de-final, ficou marcada pela vitória espampanante dos portistas sobre os amigos do Portimonense: 13-1! Mais modesto, como não podia deixar de ser, o Torreense batia em casa o Desportivo de Beja por 2-0. O primeiro passo estava dado.
Sport Clube União Torreense, orgulhosamente com dois E, porque durante duzentos anos as gentes de Torres se designavam assim e não aceitaram a reforma ortográfica de 1945, ao contrário de nós que engolimos sem água a acompanhar uma outra reforma muito própria de enjoar e vomitar as tripas. Clube antigo, de 1 de maio de 1917, hoje a sonhar com o regresso à I Divisão de onde saiu para não voltar em 1991.

Ano de ouro
Voltemos a esse ano de ouro de 1956. O sorteio para os oitavos-de-final ditou que o Torreense defrontaria o Sporting no Estádio Manuel Marques, na Rua Cândido dos Reis, e que saudades tenho eu de ir de longada até lá para fazer as crónicas do jogo para A Bola. «Tarefa muito delicada para os leões», escrevia a imprensa da época. Como se iria provar. Nem Carlos Gomes nem Juca, nem Manuel Vasques nem Albano, os últimos dos Violinos, nem os dois macaenses, Joaquim Pacheco e Augusto Rocha puderam o que fosse contra a raça e o pundonor de António Gama, Joaquim Fernandes, António Manuel, Amílcar da Silva, José da Costa, Carlos Alberto, Américo Belén, Juan Forneris Ocampo, José Gonçalves, Fernando Matos e João Mendonça – isto é, a equipa que alinhou nesse dia 6 de maio.
João Mendonça, angolano, era um dos irmãos Mendonça, trio encabeçado pelo enorme Jorge Alberto de Mendonça Paulino, o Jorge Mendonça que veio de Luanda para o Braga, passou pelo Deportivo da Corunha e se fez lenda noAtlético de Madrid e no Barcelona. O outro irmão, Fernando Manuel de Mendonça Paulino, estava também no Torrense. Jogariam os três em La Coruña, para onde Jorge levou os outros.
Forneris, que fez o único golo da partida, aos 56 minutos, era argentino tal como Belén. O treinador chamava-se Cândido Coelho Tavares, começara na CUF e fora adjunto de Tavares da Silva na seleção nacional.
Se oSporting caía com estrondo, o Benfica seguia-lhe os passos ao perder nas Salésias, frente ao Belenenses. A estrada abria-se para o FCPorto.

Caminhada gloriosa
Sempre a correr: no dia 13, o Torreense recebeu um dos favoritos, o Braga. Um golo de Fernando Mendonça aos dois minutos do segundo tempo deu vantagem aos da casa que não a deixaram fugir. O golpe final foi dado pelo outro Mendonça, o João, oito minutos depois. As Linhas de Torres mantinham-se unidas.
A presença nas meias-finais já era deslumbrante para o pessoal de Torres Vedras. Mas todos ansiavam por mais, mesmo que para o dia 20 estivesse marcada uma ida dificílima à Tapadinha(as meias-finais jogavam-se em terreno neutro, ou neste caso meio-neutro), para dirimir a causa com o Belenenses, terceiro classificado no campeonato, à frente do Sporting, e que tinha gente da categoria de Vicente, Pellejero, Raul Figueiredo, Tito, Di Pace, Angeja e Matateu. Foi precisamente Lucas Sebastião da Fonseca que deu o mote de um jogo ofensivo de parte a parte. E foi ele que apontou o um-a-zero, aos 28 minutos da primeira parte. Se o moçambicano estava imparável, também o angolano João não dava sossego à defesa azul. Faz o empate três minutos depois. A segunda parte é frenética como a primeira: aos 58 minutos Di Pace dá nova vantagem ao Belenenses. Ainda há muito tempo e haverá mais ainda. A dois minutos do apito final, na sequência de um canto, Fernandes volta a empatar tudo. É altura de se jogar o prolongamento. Mas só o derradeiro segundo dessa meia hora será decisivo. José Gonçalves, um avançado de Arroios que vestira a camisola da Cruz de Cristo, com um pontapé em arco, atirou o Torreense para a final do Jamor.
Torres Vedras marchou em grupo para o« EstádioNacional no dia 27 de maio. O FC Porto trazia, para fazer a diferença, malta da pesada como José Maria Pedroto, Arcanjo e Monteiro da Costa, Hernâni e o brasileiro Gastão, Carlos Duarte, Perdigão, e o gigante cor de ébano, Jorge de Sousa Mattos, inesquecivelmente Jaburú.
Hernâni, um dos melhores jogadores portugueses de todos os tempos, o Furacão de Águeda, terra da minha infância, foi demais para o Torreense.Marcou logo aos três minutos e voltou a marcar aos 57 de grande penalidade. Os portistas comemoraram a dobradinha e os torreenses festejaram o momento mais alto da sua equipa. Talvez não adivinhassem que a história jamais se repetiria…