Mais uma moção, mais uma rejeição

Mais uma moção, mais uma rejeição


Votar-se-á hoje pela 35.ª vez uma moção de censura, desta vez apresentada pelo Chega, e o desfecho está anunciado. Nos últimos 50 anos apenas uma moção de censura foi aprovada no Parlamento.


O Parlamento vota hoje uma moção de censura ao Governo a pedido do Chega. É a 35.ª moção de censura apresentada ao longo dos 50 anos de regime democrático e, tal como nas últimas 33 vezes, será chumbada, já que não conta com o apoio do Partido Socialista.


Na origem do procedimento está a notícia avançada pelo Correio da Manhã, que refere que a mulher e filhos do primeiro-ministro teriam uma empresa de compra e venda de imóveis – de que Luís Montenegro foi fundador, mas já não é sócio – e que poderá beneficiar com a alteração à lei dos solos aprovada pelo Governo.


Em resposta ao jornal, o primeiro-ministro defendeu que não existe qualquer conflito de interesses e afirmou que já não é sócio da empresa desde 30 de Junho de 2022. Acrescentou ainda que «nunca foi, não é e não será objecto da actividade da empresa qualquer negócio imobiliário ligado à alteração legislativa» da Lei dos Solos.


Não tendo ainda falado do assunto publicamente, Montenegro remeteu os esclarecimentos para o debate da moção de censura, que acontece hoje às 15h no Parlamento.

Chumbo à vista
Apesar de o chumbo ser quase certo, André Ventura fez questão de avançar com o voto censório ao executivo de Montenegro. O líder do Chega diz considerar «aviltante que um primeiro-ministro possa ter em sua casa a sede de uma empresa que poderá ter feito negócios com o Estado». E acrescenta: «Não se sabe quem são os clientes dessa empresa, que facturou quase 700 mil euros em dois anos». «Podemos suspeitar que são entidades públicas ou que receberam apoios de entidades públicas».


Para que a moção seja aprovada é preciso o voto favorável do PS, mas Pedro Nuno Santos já recusou dar «para o peditório» do Chega e acusou o partido de querer «desviar as atenções dos seus problemas internos». Recorde-se que o partido de André Ventura tem estado envolvido em diversas polémicas nas últimas semanas, desde os insultos a uma deputada invisual do PS por parte da sua bancada, aos deputados do Chega suspeitos de crimes de prostituição e violação de menores, roubo de malas e condução sob taxa-crime.


O Bloco de Esquerda também já anunciou que votará contra a moção de censura e, do lado do PCP, Paulo Raimundo recordou que o Chega votou contra a revogação da lei dos solos e que pode agora fazer «os pinotes e as manobras» que entender, mas tem «as mãos manchadas».


Esta é a terceira vez que o Chega apresenta uma moção de censura. O partido tem feito das moções um veículo para afirmar o seu papel como principal força de oposição. A moção mais recente apresentada pelo Chega foi em 2023, contra o Gode António Costa. Na altura, Ventura argumentava que era preciso derrubar «o pior Governo de sempre», apontando falhas na saúde, habitação, justiça ou na gestão da TAP. Mas o desfecho acabou por ser o mesmo da moção de censura apresentada pelo partido no ano anterior: rejeitada.

Comunistas são os ‘campeões’ das moções
Prevista no artigo 194.º da Constituição da República Portuguesa, a moção de censura exige maioria absoluta (116 votos) para ser aprovada, mas a sua utilidade prática é questionada. Para vários politólogos, a maioria das moções parece servir mais para marcar posição política do que para alterar governos, como comprova o histórico dos últimos 50 anos de democracia.
Desde a implementação do regime democrático, em 1976, a Assembleia da República apreciou 34 moções. Dessas, apenas uma foi aprovada: a apresentada pelo Partido Renovador Democrático (PRD) em 1987, que levou à queda do X Governo Constitucional de Aníbal Cavaco Silva e a eleições antecipadas.


Os comunistas são os ‘campeões’ das moções de censura, com um total de dez moções apresentadas e apreciadas. A maioria dessas moções ocorreu durante os anos 80 e 90, especialmente durante os governos de Cavaco Silva e de outros governos de centro-direita.


Em segundo lugar estão os centristas, com sete moções de censura, tendo a maioria ocorrido durante os anos 80, 90 e 2000, com especial foco em governos do PS. Uma das mais recentes foi em 2017, na sequência dos trágicos incêndios florestais, que resultaram em mais de 100 mortos e 500 mil hectares de área ardida. Na altura, o partido liderado por Assunção Cristas censurou o Executivo pela alegada ineficácia no combate aos fogos que assolaram o país. «Esta censura dá voz à indignação de muitos portugueses que se sentem abandonados e perderam a confiança no Governo, o primeiro responsável pela condução do Estado», disse o então líder parlamentar centrista, Nuno Magalhães.


A moção foi rejeitada com os votos a favor do PSD e CDS-PP e os votos contra do PS, BE, PCP, PEV e PAN. Apesar da rejeição, a moção reforçou a pressão sobre o governo, que acabou por fazer alterações na estrutura da Proteção Civil.


No ranking das moções de censura, tanto o Bloco de Esquerda, como o Partido Socialista apresentaram 5 moções de censura cada um. Ambos tomaram a iniciativa principalmente contra governos do PSD e coligações PSD/CDS-PP.


Já o Chega totaliza 3 moções de censura, com a moção apreciada hoje; seguindo-se depois o Partido Ecologista Os Verdes, com 2; e, no final, a IL, o PRD e PSD, com apenas uma moção cada.

Primeiros-ministros mais cencurados
Passos Coelho sobreviveu a seis moções de censura apresentadas durante o XIX Governo Constitucional, que acabaram rejeitadas. Três foram iniciativa do PCP e as três restantes foram apresentadas por BE, PS e PEV. Foi só com a moção de rejeição do programa do Governo, da iniciativa do PS, em 10 de novembro de 2015, que o governo de Passos acabaria. A aprovação da moção apenas 11 dias após a tomada de posse, tornou este governo o mais curto da história democrática de Portugal. Essa rejeição abriu caminho para a gerigonça, liderada por António Costa.


Outro dos primeiros-ministros mais censurados foi José Sócrates, que também acumulou seis moções de censura. Ao longo dos seis anos de governação Sócrates, Bloco de Esquerda, Partido Comunista e CDS censuraram o governo, cada um, duas vezes. Todas com o mesmo desfecho: chumbo.


Hoje, pela trigésima quinta vez, um elenco governamental senta-se na bancada parlamentar para ouvir a censura dos deputados. Desta vez, como em quase todas as outras, à exceção de uma, o país político não abana com a votação que terá lugar em São Bento. Afinal, tudo não passará de mais uma ocasião para André Ventura se fazer ouvir.