Os episódios borrascosos incluem: continuação da recessão económica; perda de competitividade das indústrias tradicionais, muito por culpa do fim do gás natural russo a preço de saldo e pela ausência de inovação (com destaque para a construção automóvel, atingida esta semana pelos direitos alfandegários decididos por Trump); a extrema direita como segundo maior partido, com não menos do que 20% dos votos; muitos mais são os alemães que querem expulsar imigrantes e a esmagadora maioria apoiou o regresso dos controlos fronteiriços (uma decisão do actual Governo, liderado por um chanceler do SPD e violadora, pela duração e pela falta de fundamentação, do acordo de Schengen). O som dos tambores de guerra aproxima-se, com a hipótese de um cessar fogo na Ucrânia: Trump exige um contributo dos europeus como forças de interposição, na fronteira entre o avanço russo e a defesa ucraniana. Em plena campanha eleitoral, Scholz não se comprometeu com o envio de tropas.
Deutschland unter Alles, uma paródia ao hino alemão, foi uma das muitas canções anti-guerra disseminadas pela revolução de Novembro de 1918. A Novemberrevolution derrotou a tentativa de ditadura do proletariado e abriu a porta à República de Weimar. As divisões à esquerda, os absurdos do Tratado de Versailles e a crise económica de 1929 permitiram a ascensão política do cabo Adolfo. A soma de tanta história e de tanto trauma tem mantido a Alemanha como uma potência hegemónica relutante, agindo politicamente com recurso a instrumentos económicos e financeiros, através de soluções institucionais indirectas. Serve de exemplo, na crise das economias periféricas, a Troika, cuja cega brutalidade social e económica teve efeitos semelhantes aos do uso da força armada. Já a Alemanha da Constituição de Bona nunca quis usar as suas forças armadas sem mandatos internacionais claros, quase sempre por via do Conselho de Segurança da ONU. Depois da queda do muro, a degradação das capacidades militares cresceu sem limite e a invasão da Ucrânia esgotou os stocks de armas e munições da Bundeswehr. O discurso sobre a mudança dos tempos (Zeitenwende) proferido por Scholz a 27 de Fevereiro de 2022, no Bunsdestag, está, passados três anos, por concretizar.
Das eleições de dia 23 de Fevereiro sairá, mais uma vez, uma Große Koalition, juntando CDU-CSU (30%, segundo as sondagens) com o SPD (15%) ou os Verdes (13%) ou mesmo os três (coligação Quénia, seguindo as cores da bandeira homónima). A cláusula barreira dos 5% poderá deixar fora do Parlamento os liberais do FDP (4%) e a esquerda nacionalista de Sarah Wagenknecht (BSW, 4%) a não ser que consigam eleger directamente deputados em pelo menos três círculos uninominais (uma prenda recente, dada pelo Tribunal Constitucional, ao liquidar uma solução legislativa limitadora da diversidade partidária). Somados os votos do FDP e do BSW aos 20% da AfD e aos 7% do Die Linke, serão pelo menos 35% os eleitores que se sentirão excluídos da governação e que engrossarão o discurso anti-sistema. O paralelismo com a República de Weimar é tentador, mas não justifica trocar o cordão sanitário por uma “vacina” contra a AfD, submetendo as prometidas facilidades do discurso populista aos rigores do exercício do poder. Friedrich Merz, o futuro Chanceler, tem repetido o não à AfD. Resta saber se, depois de defenestrado Scholz, a nova liderança do SPD conseguirá subscrever e executar um acordo de coligação com a CDU-CSU.
Merz, que se define como o contrário de Merkel, aposta na defesa europeia, no aprofundar do mercado interno, na expulsão de imigrantes ilegais e no diálogo com os EUA. Chega para convencer um terço dos alemães mas está longe de fazer a Alemanha assumir a liderança da Europa.