Retomamos hoje o artigo do passado dia 12 de dezembro sobre a audição na Assembleia da República (AR), a propósito da apreciação critica que em sede de consulta pública a SEDES tinha feito ao PNEC 2030.
O PNEC COM O APOIO ATIVO DE 70% DO PARLAMENTO
O PNEC 2030, documento ambicioso e prioritário do nosso processo de descarbonização, foi aprovado no mesmo dia daquela audição “com os votos favoráveis do PSD, PS e Livre, com a abstenção do CHEGA e sem votos contra, tendo estado ausentes os restantes partidos”.
O PNEC 2030 preconiza um aumento da quota de energias renováveis para alcançar a neutralidade climática em 2045, em alinhamento com o previsto na Lei da Bases do Clima e, para o final da corrente década, a meta de 51% para a quota de energias renováveis no consumo final bruto de energia e a de 55% para a redução de emissões de gases com efeito de estufa.
A DESCARBONIZAÇÃO
Nas palavras do Governo, o PNEC 2030 “está estrategicamente posicionado para combater as alterações climáticas, garantir a segurança de abastecimento de energia, atrair investimento e gerar competitividade”. Palavras de retórica política que nos estão a conduzir a um beco sem saída.
Ao longo dos meus artigos no I tenho tentado explicar o meu posicionamento em matéria de energia e sua sustentabilidade:
• As alterações climáticas exigem capacidade de adaptação. A emergência do seu combate é suicidária e uma delapidação irracional de recursos.
• A segurança de abastecimento assegura-se com um mix adequado de fontes de energia, intermitentes e permanentes, sem preconceitos tecnológicos.
• Os projetos energéticos devem ser bem fundamentados e preparados, não especulativos e terem uma partilha de riscos e remuneração financeiramente eficientes.
• Sendo a energia uma commodity, o preço mais baixo é o objetivo político.
Olhemos, pois, os sinais dos tempos…
SINAIS DOS TEMPOS
1. O ACORDO DE PARIS
A falta de urgência generalizada na apresentação dos planos de redução de emissões, aprazada pela ONU para o início da semana passada, aumenta as preocupações sobre o compromisso global de manter o aquecimento abaixo de 2.°C:
• A União Europeia e a China, um importante interveniente na energia verde e o maior emissor do mundo, respetivamente, não cumpriram o prazo da ONU para, no início deste mês, apresentar os planos de redução de emissões, o mesmo acontecendo com sete das dez maiores economias mundiais e com mais de 170 países com a submissão das suas “contribuições nacionalmente determinadas” (NDCs).
• Donald Trump iniciou o processo de retirada dos EUA do Acordo de Paris, tendo os responsáveis da Argentina, Rússia e Nova Zelândia referido que também consideravam essa hipótese.
2. INVESTIMENTO GLOBAL EM ENERGIA LIMPA
Segundo a Bloomberg,
• O investimento global em transição energética atingiu em 2024 os 2080 mil milhões de dólares (63% do investimento global), distribuídos essencialmente pelos seguintes setores: transporte eletrificado (36%), energia renovável (35%), redes elétricas (18%) e armazenamento de energia (3%).
• Apesar destas colossais verbas, este investimento representa apenas 37% dos níveis necessários para o resto desta década se o mundo quiser alcançar as metas de emissões líquidas zero.
3. ENERGIA EÓLICA OFFSHORE
A energia eólica offshore é uma das principais fontes de energia renovável com a qual a Europa conta para descarbonizar a produção de eletricidade, mas nos últimos anos os projetos têm sido prejudicados por custos crescentes, problemas na cadeia de abastecimento, escassez de mão de obra e tensões comerciais.
Em 2030, o custo nivelado de energia (LCOE) para a eólica offshore flutuante é estimado em cerca de 190 euros/MWh, esperando-se que caia para 130 euros/MWh em 2035.
Neste momento há muitos projetos abandonados ou em reflexão.
4. O HIDROGÉNIO (H2) VERDE
Apesar do seu interesse como fonte de energia limpa, a realidade económica não favorece a sua produção, sendo necessário reduções significativas dos custos de produção nomeadamente no da eletricidade, critico fator de competitividade.
Atualmente o GN está nos 42 euros/MWh enquanto o H2 nos 148,4 euros/MWh é cerca de 3,5 vezes mais caro.
Os custos de produção, transporte e armazenamento do H2 são mais altos que o uso de combustíveis fosseis e a posterior remoção de carbono da atmosfera.
5. O 1º LEILÃO DE BIOMETANO E HIDROGÉNIO
Após muitos contratempos e desistências, em 11Fev25 foram divulgados, pela DGEG, os resultados deste leilão. Quer o biometano quer o hidrogénio são para injetar nas redes Nacionais de Gás. Este leilão vem trazer sobrecustos para o subsistema gasista:
• Lote de Biometano. Adjudicação, por 10 anos, de 1.990 MWh/ano ao preço de 62 euros/MWh. Porquê esta valorização se o GN andará por um custo médio de 40 euros/MWh?
• Lote de Hidrogénio Verde. Adjudicação, por 10 anos, de 119.280 MWH/ano ao preço de 127 euros/MWh. O preço de 127 € corresponde a 3,2 euros/ton H2 (produzido com eletricidade de cerca 42 euros/Mwh) e será atualmente um bom preço, mas não se entende o racional de produzir H2 para queimar misturado com o GN pois custa cerca de 3 vezes mais.
Em termos globais, este leilão induzirá, no total dos 10 anos, sobrecustos para o sistema superiores a 100 milhões de euros.
6. A PRODUÇÃO SUBSIDIADA EM PORTUGAL
Recentemente, em 12 de fevereiro de 2025, a ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, afirmou: “Até hoje, os grandes sucessos e feitos que tivemos na transição energética, no aumento das renováveis, ainda não se traduziram em benefícios completos para os consumidores”.
Segundo a ERSE, quer o preço médio quer o volume da produção de eletricidade de remuneração garantida irão diminuir, respetivamente e de hoje até 2030, dos atuais 95,8 para 61,6 euros/MWh e de 18 para 11,5 TWh. Nessa conformidade, os preços grossistas nos próximos anos poderão oscilar entre os 50 e 60 euros/MWh.
Apesar de um PRR mal desenhado e “bazukado”, chegamos a este horizonte de preços graças ao regulador, à sensibilidade e atenção de alguns dos nossos governantes e a ajuda dos desaires de projetos mal justificados e oportunistas.
Em meu entender, a evolução do mercado energético evoluirá para nova revoada de concursos com preços garantidos, nomeadamente CfD. Assim, este horizonte só será realidade se os sobrecustos forem muito controlados e só embarcarmos em tecnologias maduras.
CONCLUSÃO
A abordagem da emergência climática está esgotada, sem soluções económica e socialmente sustentáveis.
O mundo está em mudança caótica, obrigando-nos a uma grande adaptabilidade e convocando a nossa determinação.
A Europa, acossada entre as grandes potências, convoca a nossa ponderação, determinação e defesa das nossas prioridades.
Após 20 anos de excessos na energia é tempo de apertar o cinto e aterrar na senda sustentável da competitividade dos preços, da adaptação climática e segurança.
Ex-administrador da GDP e REN;
ex-Secretário de Estado da Energia; Subscritordo Movimento Por Uma Democracia de Qualidade