Guerra e Paz, os seus discursos e os jogos dos espelhos


«No final da inútil chacina, um tratado separou vencedores e vencidos. Porém, entre os vencidos a gente pobre passava fome / entre os vencedores também passava fome a gente pobre.» – B. Brecht citado pelo Papa Francisco na sua Autobiografia.


Os comentadores encartados, que nos explicam nas TVs, todos os dias e a todas as horas, como é que a vida do mundo vai decorrer, andam manifestamente desorientados.

De tanto nos terem repetido a lição que lhes ensinaram, começaram a acreditar mesmo no que lhes disseram para nos transmitir.

Por isso, olham, hoje, alarmados, para uma vida que se lhes apresenta destapada e totalmente diferente daquela que se habituaram a ver e comentar, como se fosse real.

Uma versão da vida que, nunca tendo sido autêntica, era, além disso, capaz de escamotear, também, as motivações dos principais responsáveis pelo atual estado de coisas.

Hoje, pelo contrário, a vida mostra-se crua e como é, e os que realmente mandam no mundo e determinam os seus destinos não sentem mais necessidade de a embrulhar e embelezar em quilos de palavras generosas, exultando a defesa dos Direitos Humanos.

Para se fazerem entender, prescindem, agora, das fábulas contadas pelos explicadores e propagandistas, que antes haviam contratado.

Dizem, agora, de viva voz, ao que vêm e que interesses querem, na verdade, realizar ou preservar.

Querem, por exemplo, a Gronelândia para garantir a sua segurança e por ser do seu interesse económico e militar. Ponto final.

Querem as terras raras de um e de outro país, pelo mesmo motivo. Ponto final.

Querem o aumento da despesa com a defesa, pois serão eles a fabricar e vender as novas e mais eficientes armas para matar. Ponto final.

Não querem já, porém, tudo o que antes diziam querer.

Por exemplo, não querem, por ora, o alargamento da NATO.

Tal alargamento e as suas previsíveis e imediatas consequências – constatam agora – só iriam atrasar, ou impedir mesmo, a exploração das riquezas de que pretendem apossar-se.

Não querem, igualmente, a continuação da guerra, pois concluíram que, com a sua manutenção, não podem, tão depressa como pretendem, fazer-se pagar pelas armas e munições com que equiparam os exércitos dos que, hoje, ainda lutam e morrem na defesa dos seus interesses.

Por tal razão, a paz que hoje querem, e que será a que resultar dos acordos entre os que realmente mandam, pouco terá a ver com o que os comentadores nos disseram, ao longo de anos, sobre ela.

É certo que, em cada curva das sentenças ditadas pelos que realmente decidem, alguns comentadores encartados ou fardados tentam vislumbrar, ainda, uma réstia dos ensinamentos que, debalde, lhes ensinaram nas academias civis e militares que frequentaram.

Encharcados, todavia, pelo duche de água fria que, neste inverno morno, os que, verdadeiramente mandam no mundo os obrigaram a tomar, tais ensinamentos soam, agora, demasiado a pura ingenuidade. 

Mais deslocados da realidade, só mesmo os discursos de alguns dos responsáveis das grandes instituições europeias e transatlânticas que, apesar do ar empertigado de quem ainda os profere, já não convencem ninguém: nem a eles próprios, nem a quem neles manda.

A única verdade verdadeira a que, sem filtro, assistiremos de novo é a da vergonhosa debandada geral de todo o tipo de instrutores e especialistas, mercenários e aventureiros que, na frente da batalha, manipulavam as armas mais complexas dos que mandavam na guerra.

Isso aconteceu já, por exemplo, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria.

Por outro lado, ao exigirem contraditoriamente aos seus propagandistas que, a partir de agora, transmitam a mensagem de que se deve gastar mais e mais na guerra que há-de vir, os que em tudo mandam acabam, na verdade, por acalentar os populistas que, no seu próprio país, colaboram descaradamente com os alegados inimigos externos.

Serão estes populistas, portanto, que, depois, irão surgir como pregadores da paz e defensores dos direitos sociais.

Direitos esses que, se cumprida maior despesa orçamental com guerra, tenderão, inevitavelmente, com mais ou menos velocidade, a minguar ou, mesmo, a desaparecer.

Os discursos forçados das tradicionais forças centristas sobre a fatalidade da guerra e, bem assim, sobre a necessidade do aumento das despesas com ela, conduzirão, pois, inevitavelmente, ao poder os que hoje acusam a democracia e os democratas de empobrecerem os cidadãos.

Uma coisa é certa: neste jogo de espelhos, perderão sempre os que, num lado e no outro, são mandados fazer a guerra: os que são carne para canhão.

Citando Bertolt Brecht – oh heresia! – escreveu, a este propósito, o Papa Francisco, na sua Autobiografia:

«No final da inútil chacina, um tratado separou vencedores e vencidos. Porém, entre os vencidos a gente pobre passava fome / entre os vencedores também passava fome a gente pobre.»

De tanto clamarem que vem aí a guerra, os referidos comentadores e os seus inspiradores correm o risco de ainda lhes acontecer, como na estória do Pedro e do Lobo: quando – e se – ela vier, ninguém nela e neles acreditará.

PS: Perdão, não devia ter dado este exemplo, pois baseia-se numa obra de um compositor russo e não sei se ainda tenho liberdade para o citar.     

Guerra e Paz, os seus discursos e os jogos dos espelhos


«No final da inútil chacina, um tratado separou vencedores e vencidos. Porém, entre os vencidos a gente pobre passava fome / entre os vencedores também passava fome a gente pobre.» - B. Brecht citado pelo Papa Francisco na sua Autobiografia.


Os comentadores encartados, que nos explicam nas TVs, todos os dias e a todas as horas, como é que a vida do mundo vai decorrer, andam manifestamente desorientados.

De tanto nos terem repetido a lição que lhes ensinaram, começaram a acreditar mesmo no que lhes disseram para nos transmitir.

Por isso, olham, hoje, alarmados, para uma vida que se lhes apresenta destapada e totalmente diferente daquela que se habituaram a ver e comentar, como se fosse real.

Uma versão da vida que, nunca tendo sido autêntica, era, além disso, capaz de escamotear, também, as motivações dos principais responsáveis pelo atual estado de coisas.

Hoje, pelo contrário, a vida mostra-se crua e como é, e os que realmente mandam no mundo e determinam os seus destinos não sentem mais necessidade de a embrulhar e embelezar em quilos de palavras generosas, exultando a defesa dos Direitos Humanos.

Para se fazerem entender, prescindem, agora, das fábulas contadas pelos explicadores e propagandistas, que antes haviam contratado.

Dizem, agora, de viva voz, ao que vêm e que interesses querem, na verdade, realizar ou preservar.

Querem, por exemplo, a Gronelândia para garantir a sua segurança e por ser do seu interesse económico e militar. Ponto final.

Querem as terras raras de um e de outro país, pelo mesmo motivo. Ponto final.

Querem o aumento da despesa com a defesa, pois serão eles a fabricar e vender as novas e mais eficientes armas para matar. Ponto final.

Não querem já, porém, tudo o que antes diziam querer.

Por exemplo, não querem, por ora, o alargamento da NATO.

Tal alargamento e as suas previsíveis e imediatas consequências – constatam agora – só iriam atrasar, ou impedir mesmo, a exploração das riquezas de que pretendem apossar-se.

Não querem, igualmente, a continuação da guerra, pois concluíram que, com a sua manutenção, não podem, tão depressa como pretendem, fazer-se pagar pelas armas e munições com que equiparam os exércitos dos que, hoje, ainda lutam e morrem na defesa dos seus interesses.

Por tal razão, a paz que hoje querem, e que será a que resultar dos acordos entre os que realmente mandam, pouco terá a ver com o que os comentadores nos disseram, ao longo de anos, sobre ela.

É certo que, em cada curva das sentenças ditadas pelos que realmente decidem, alguns comentadores encartados ou fardados tentam vislumbrar, ainda, uma réstia dos ensinamentos que, debalde, lhes ensinaram nas academias civis e militares que frequentaram.

Encharcados, todavia, pelo duche de água fria que, neste inverno morno, os que, verdadeiramente mandam no mundo os obrigaram a tomar, tais ensinamentos soam, agora, demasiado a pura ingenuidade. 

Mais deslocados da realidade, só mesmo os discursos de alguns dos responsáveis das grandes instituições europeias e transatlânticas que, apesar do ar empertigado de quem ainda os profere, já não convencem ninguém: nem a eles próprios, nem a quem neles manda.

A única verdade verdadeira a que, sem filtro, assistiremos de novo é a da vergonhosa debandada geral de todo o tipo de instrutores e especialistas, mercenários e aventureiros que, na frente da batalha, manipulavam as armas mais complexas dos que mandavam na guerra.

Isso aconteceu já, por exemplo, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria.

Por outro lado, ao exigirem contraditoriamente aos seus propagandistas que, a partir de agora, transmitam a mensagem de que se deve gastar mais e mais na guerra que há-de vir, os que em tudo mandam acabam, na verdade, por acalentar os populistas que, no seu próprio país, colaboram descaradamente com os alegados inimigos externos.

Serão estes populistas, portanto, que, depois, irão surgir como pregadores da paz e defensores dos direitos sociais.

Direitos esses que, se cumprida maior despesa orçamental com guerra, tenderão, inevitavelmente, com mais ou menos velocidade, a minguar ou, mesmo, a desaparecer.

Os discursos forçados das tradicionais forças centristas sobre a fatalidade da guerra e, bem assim, sobre a necessidade do aumento das despesas com ela, conduzirão, pois, inevitavelmente, ao poder os que hoje acusam a democracia e os democratas de empobrecerem os cidadãos.

Uma coisa é certa: neste jogo de espelhos, perderão sempre os que, num lado e no outro, são mandados fazer a guerra: os que são carne para canhão.

Citando Bertolt Brecht – oh heresia! – escreveu, a este propósito, o Papa Francisco, na sua Autobiografia:

«No final da inútil chacina, um tratado separou vencedores e vencidos. Porém, entre os vencidos a gente pobre passava fome / entre os vencedores também passava fome a gente pobre.»

De tanto clamarem que vem aí a guerra, os referidos comentadores e os seus inspiradores correm o risco de ainda lhes acontecer, como na estória do Pedro e do Lobo: quando – e se – ela vier, ninguém nela e neles acreditará.

PS: Perdão, não devia ter dado este exemplo, pois baseia-se numa obra de um compositor russo e não sei se ainda tenho liberdade para o citar.