Desenvolvimento. Como Israel se tornou um país tão poderoso

Desenvolvimento. Como Israel se tornou um país tão poderoso


Como conseguiu um país tão pequeno, formado por um povo profundamente marcado por episódios nefastos, tornar-se numa potência regional com grande relevância no tabuleiro internacional?


Como conseguiu um Estado com um passado atribulado – marcado por triunfos, fé e sofrimento –, de tão pequena dimensão tanto geográfica quanto demográfica, desenvolver-se ao ponto de se conseguir tornar um dos países mais desenvolvidos e poderosos da região e da comunidade internacional?

É uma pergunta para a qual não existe uma resposta simples. Porém, observando vários aspetos da história e da cultura israelita, podemos ficar mais perto de uma explicação definitiva. Terá sido o espírito de identidade nacional e religiosa, a sua presença no sistema bancário, a rede de ligações que possui em várias geografias, o investimento em educação ou a mentalidade orientada para a investigação e desenvolvimento? Pode bem ser uma engrenagem que combina todos estes elementos.

A identidade nacional

O povo judeu partilha de uma identidade bem vincada, num espírito de comunidade que vem de séculos passados, independentemente de várias diferenças internas. No decurso da história, foram por várias vezes considerados como párias da sociedade, desde o Renascimento em Itália – onde eram confinados a guetos em virtude da sua atividade como agiotas – até ao que se assistiu na Alemanha há pouco mais de oitenta anos. Este passado conjunto de luta e de sacrifício de um povo que foi vítima de uma tentativa de eliminação total há relativamente pouco tempo, conduz a um sentido de defesa comum superior, ao ponto de este último ser considerado, em última instância, a razão de ser do Estado, bem como da sua política externa. Neste sentido, Israel não é um caso isolado. Veja-se o caso do Ruanda, por exemplo.

Este objetivo superior ficou bem patente em 2023. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está a braços com a Justiça e tenta retirar poder do judicial e concedê-lo ao Executivo, numa chamada “reforma judicial”. As ruas de Israel encheram-se de manifestantes e o país esteve mesmo à beira de uma guerra civil. As tensões internas continuaram, mas no dia 7 de outubro tudo mudou. O ataque terrorista perpetrado pelo Hamas em território israelita afetou o povo judeu e fê-lo lembrar-se de episódios passados. Assim, e segundo o testemunho de Luís Nabeiro ao i, português que reside em Israel e que estava presente no território aquando dos ataques, “deixou de se falar de política”. “O povo israelita uniu-se num objetivo comum, que é o da defesa do Estado contra os inimigos que o pretendem destruir. A capacidade de mobilização, como tem sido mostrado ao longo dos seus quase oitenta anos de história, é uma das grandes valências de Israel”.

O sistema financeiro

Os judeus e a atividade financeira parecem uma ligação óbvia. Tem sido assim há séculos, desde os tempos do Renascimento. Um dos clássicos da literatura, O Mercador de Veneza, de William Shakespeare, retrata precisamente esta correlação, personificada pela personagem Shylock, que empresta dinheiro sob a garantia de uma libra de carne de António, a personagem que recebe o empréstimo, em caso de incumprimento. Esta descrição de Shakespeare, em 1600, “conferiu um tom sinistro de ganância e exploração aos negócios financeiros dos judeus, que seria invocado para justificar medidas antijudaicas durante séculos”, pode ler-se no website do Myjewishlearning, um centro de aprendizagem nova-iorquino. “Embora a noção de que os judeus controlam a economia mundial ou o sistema bancário seja um absurdo óbvio”, lê-se na mesma página, “é verdade que os judeus há muito que estão bem representados nos domínios das finanças e dos negócios. Esta situação é geralmente atribuída ao facto de, durante séculos, os judeus terem sido excluídos das corporações profissionais e lhes ter sido negado o direito à propriedade de terras, o que os obrigou a trabalhar como comerciantes e financeiros. No entanto, alguns académicos afirmam que as provas históricas não apoiam esta tese e que o sucesso financeiro dos judeus se deve, pelo contrário, às elevadas taxas de literacia da comunidade”.

A literacia e a educação

Quanto à questão da literacia e da educação, “o país prepara-se muito bem desde cedo”, diz Luís Nabeiro. “Aqui, o sistema de ensino é bastante orientado para a diferenciação. Qualquer criança que tenha uma capacidade intelectual superior faz mais exames durante a escolaridade e são aconselhadas certas escolas onde podem iniciar os estudos na área da robótica, da matemática e da física avançada, para que, quanto atingirem a idade de ingressar no exército, já existam crianças que têm especializações nestas áreas há quatro, cinco, seis anos, o que lhes permite entrar em departamentos de inteligência ou engenharia”. “Quando chegam à idade pós-exército”, continua, “muitos estudaram mais três ou quatro anos no exército e trabalharam em áreas muito avançadas lá dentro. São jovens adultos com capacidades muito desenvolvidas, estando assim um passo à frente do que acontece nos outros países”.

“A nível de investigação e desenvolvimento os israelitas são dos melhores”, diz Luís Nabeiro. “Grande parte das receitas do país vem dessas áreas. As remunerações são elevadas, atraindo os mais qualificados. Existe também uma ponte estreita com os Estados Unidos, o que facilita o desenvolvimento dessas áreas”.

Assim, fica claro que este foco no ensino especializado desde tenra idade ajuda o país a estar na vanguarda em vários setores decisivos para a prosperidade de um país. A Mossad, uma das agências de serviços secretos mais fortes do mundo – também um fator de disseminação de influência israelita no estrangeiro – é prova disso.

A ligação a Washington

As relações de amizade com os Estados Unidos, desde o primeiro momento, são também uma pedra angular do desenvolvimento israelita. Tanto a nível do soft, quanto do hard power.

É importante notar que Israel é a única democracia de estilo ocidental na região, o que faz com que esteja numa rampa de lançamento muito mais favorável rumo ao desenvolvimento. Como bem explicam os vencedores do Prémio Nobel da Economia de 2024 no seu livro Porque Falham as Nações, as instituições são fundamentais para o progresso e desenvolvimento de um país.

Mas não é apenas a influência democrática que torna o elo de ligação Washington-Telavive tão importante. Os americanos prestaram sempre auxílio aos israelitas nos conflitos que foram travando ao longo da segunda metade do século XX, bem como nos mais recentes já neste século. Além do apoio militar, os Estados Unidos têm investimentos diretos no país que rondam os 50 mil milhões de dólares, uma quantia substancial para um país da dimensão de Israel.

Do ensino à capacidade militar, da investigação e desenvolvimento à amizade com os EUA e das fortes redes de influência – proporcionadas tanto pela Mossad quanto pela enorme diáspora espalhada um pouco por toda a parte – às instituições, estes são os principais motivos pelos quais Israel, um país de menos de 10 milhões de habitantes, se tornou numa potência regional com um elevado significado estratégico a nível internacional.