A degradação generalizada de mínimos de conduta, de urbanidade, de previsibilidade, do que nos une no país e no mundo e do foco no essencial determinam a morte da realidade como a entendíamos ou percecionávamos. O mundo mudou mesmo e para pior, porque sem sintonia com o acervo de valores que sempre tivemos, as regras que julgávamos consolidadas e os funcionamentos que estavam consensualizados para prosseguir os fins. É certo que nem sempre a prossecução dos fins esteve afinada para a afirmação das instituições, a resposta concreta às necessidades e expectativas das pessoas e para a antecipação de tendências para a consagração de visões estratégicas que acomodassem os desafios, entre as vivências do presente e a preparação do futuro.
Este é o tempo do triunfo do vale tudo, que no passado já tinha tido consagrações esporádicas, dentro e fora de portas, mas que agora se consolida como a mãe de todas as referências individuais e coletivas de demasiados protagonistas políticos. No fundo, temos a colheita das pequenas sementeiras que fomos permitindo, por ação ou por omissão, com particulares responsabilidades de quem podendo decidir para atalhar caminho não o fez, em Portugal, na Europa e no Mundo. A obsessão com a circunstância individual, a sobrevivência política e um crescente exercício político assente em mínimos de visão estratégica, sem resposta às pessoas, aos povos e às dinâmicas em curso, só poderia traduzir-se neste desastre de degradação dos valores, do bem comum e da previsibilidade conferida pelo acervo de regras de funcionamento das instituições e das relações globais.
Quando vemos a crescente degradação do exercício político contaminado pelo Chega, florescido à sombra de uma estratégia de confronto político totalmente errada, porque sem ataque às causas da adubação eleitoral (dos escândalos às injustiças, da falta de resposta aos problemas das pessoas à indiferença perante os sinais de desagregação das comunidades locais), questionamos como é que os democratas de serviço não conseguem mais de contenção da evidente espiral implosão de mínimos em curso, num momento de efervescência de casos graves com protagonistas políticos angariados no refugo das realidades contestadas. Agora, com fugas para a frente, em modo de cortina de fumo, com a ameaça de uma mais que previsível moção de censura antes das eleições autárquicas para mostrar a tradicional “marialvice” de musculada liderança da agenda política da contestação ao poder, como se o voo de Ícaro de André Ventura na órbita do Sol do Poder, sem o exercício de funções executivas, já tivesse sido mostra que baste da consistência do seu universo de comparsas.
Quando vemos a exposição de misérias do vice-presidente dos Estados Unidos, das suas e das nossas como partes de uma União Europeia incapaz de agir de forma consequente aos ritmos da atualidade e aos desafios do essencial do futuro, não podemos deixar de questionar se não é o momento de conjugar os valores europeus com o pragmatismo exigido pelas circunstâncias para agilizar respostas que salvaguardem o essencial em linha com as lições da história, as dinâmicas atuais e a linguagem emergente de um ex-aliado, agora mais alinhado com a confrontação negocial e as vocações da Federação Russa e da China. Sem comando, sem unidade e sem capacidade de gerar músculo para negociar com os Estados Unidos, por exemplo, ratificando o acordo do Mercosul ou estabelecendo parcerias com outros países e blocos emergentes, continuaremos a ser pouco mais do que o rodapé ou o ruído de fundo da nova ordem. O problema é que a União Europeia, por falta de liderança e de capacidade de ação, se transformou num projeto onde cada um vai buscar apenas o que lhe interessa, suprindo o restante através de estratégias alternativas, alimentadas por crescentes assédios de países autocráticos e relações bilaterais. Se não fosse assim, seria fácil descartar o histórico e comunicar aos Estados Unidos que perante o novo registo de hostilidade, a Europa iria fazer outras opções de parceria, até com a China. É que se os Estados Unidos se retiram ou impõem unilateralmente a sua vontade, ou há vazio ou há submissão. Nem um, nem outro são solução de futuro para um universo que mais faz lembrar os aristocratas falidos.
É tempo de dizer basta a tanta insanidade e às derivas de implosão, das partidárias em torno das presidenciais aos exercícios de degradação da democracia, da esquizofrenia do espaço público mediático às disfunções das instituições em Portugal, na Europa e no mundo. Por agora, o que é sinalizado para os cidadãos, além da imprevisibilidade, é a certeza de um quadro de vivência em comunidade quase sem regras, sem instituições que funcionem como deveriam. Não é futuro, a menos que queiramos a selva.
NOTAS FINAIS
CHATEIA-ME O PORTUGAL PEQUENINO. Sucedem-se as menorizações do país, às vezes, por iniciativa própria, outras não. Não vamos estar presentes nas conversas europeias de Macron sobre a Ucrânia e os humores norte-americanos. Passou quase despercebido que Portugal jogou o Mundial de Andebol, em que ficou em 4º lugar, com menos um jogador, o Miguel Martins, porque foi suspenso um ano depois de uma colheita negativa numa primeira instância, na véspera de uma grande competição. Este um ano a competir no Aalborg, da Dinamarca, e na seleção, e alguém o removeu na véspera do primeiro jogo do Mundial. O jogador foi agora ilibado, depois da prova, e não há memória de nada similar. E não se passa nada?
BOÇAL QB. Uma anónima deputada, diva da degradação do exercício político do Chega e de uma bancada cada vez mais com os pés de barro, verberou no parlamento insultos à deputada Ana Sofia Antunes pela sua condição de pessoa com deficiência. Quando a boçalidade não tem limites, a paciência tem de ter.
MORREU PINTO DA COSTA. Não gostava de Pinto da Costa. Foi líder de um clube rival, levou-o a grandes conquistas, perdurou no tempo com um registo tão vitorioso quanto disfuncional, no recurso a determinados meios orientados para os fins. É incontornável, para o bem e para o mal. Na morte, não há variações de estados de alma, é cumprir o essencial, o individual para os portistas e o institucional. Não vejo que urbanidade das condolências macule o que quer que seja a indivíduos ou grandes instituições. As minhas condolências aos portistas.