Armagedão. Uma grande bola de fogo que anuncia o fim dos tempos

Armagedão. Uma grande bola de fogo que anuncia o fim dos tempos


‘Deveremos cometer suicídio?’, questionava Winston Churchill há 101 anos. Mas foi depois da II Guerra Mundial que a perspetiva de extermínio do ser humano pelas armas por ele criadas ganhou força e verosimilhança. Hoje, uma só bomba termonuclear tem a potência de mil bombas de Hiroxima.


Em 1942, o exército norte-americano iniciava perto de Edgemont, Dakota do Sul, a construção de um complexo de 575 bunkers de betão e ferro. A II Guerra Mundial estava a atingir a sua potência máxima, e as preocupações com o estabelecimento de zonas seguras eram mais do que justificadas. Nas florestas da Polónia ocupada, Hitler, que haveria ele próprio de morrer num bunker, dirigia a formidável máquina de guerra nazi a partir da Toca do Lobo, que tinha paredes com oito metros de espessura – tão maciças, na verdade, que depois da guerra nem com recurso a toneladas de dinamite as conseguiram demolir. Mas também em Berlim, Londres e Moscovo se iam preparando quilómetros e quilómetros de abrigos subterrâneos para fazer face aos bombardeamentos.

Inicialmente batizado Fort Igloo, o complexo no Dakota do Sul acabaria desativado em 1967, sendo posteriormente adquirido por uma empresa privada. Longe de cidades e de alvos militares, e com capacidade para cerca de 5000 pessoas, hoje é considerado uma das zonas mais seguras da América do Norte, e não por acaso a venda dos abrigos disparou durante a pandemia de covid-19. Agora, com o espectro de uma guerra nuclear a pairar sobre o planeta – o Relógio do Juízo Final, da responsabilidade dos cientistas atómicos da Universidade de Chicago, encontra-se no ponto mais próximo da meia-noite, que simboliza o apocalipse da humanidade –, nunca a perspetiva de viver numa espécie de cápsula de betão enfiada na terra, sem luz natural e hermeticamente isolada do exterior, terá parecido tão agradável.

O Grau Zero da Civilização

A cerca de mil milhas (aproximadamente 1600 km) a sudoeste, no estado do Nevada, há outra área salpicada de buracos – mas estes não são abrigos, são crateras provocadas por testes com bombas atómicas. Entre 1951 e 1992, tiveram ali lugar 928 testes, que deixaram cicatrizes profundas na terra. A superfície faz lembrar a da Lua – e é quase igualmente estéril. Depois de quase mil detonações, nunca poderia haver ali grandes vestígios de vida.

Essa é, de resto, uma das principais questões que se colocam quando se fala na hipótese de uma guerra nuclear. Quem, ou o quê, seria capaz de sobreviver a um tal cataclismo? “Não sei com quem armas será travada a Terceira Guerra Mundial, mas sei quais serão as da Quarta Guerra Mundial: paus e pedras”, terá vaticinado o grande físico alemão. Que é como quem diz, a humanidade recuaria ao grau zero da civilização. Depois de um tal acontecimento, em vez de aviões a jacto, tanques, mísseis… e bombas atómicas, os homens teriam à sua disposição apenas paus e pedras.

Mas haveria realmente alguém para manejar esses paus e pedras? A humanidade sobreviveria sequer a uma tal guerra? No ensaio ‘Shall we commit suicide?’ (‘Deveremos cometer suicídio?’), de 1924, Winston Churchill descrevia com algum pessimismo a história da humanidade como uma guerra quase ininterrupta. “Excetuando breves e precários interlúdios, nunca houve paz no mundo; e antes de a história começar, a competição mortal era universal e infindável”. O futuro primeiro-ministro britânico notava que, até àquele momento, “os meios de destruição ao dispor do homem não acompanharam a sua ferocidade”. Mas isso estava prestes a mudar. “Só na alvorada do século XX da era cristã a guerra entrou no seu reinado como potencial destruidora da espécie humana”. E, num texto de 1932, concluía em tom sombrio:_“Há pesadelos no futuro dos quais uma feliz colisão com uma estrela errante, reduzindo a Terra a gás incandescente, poderia ser uma libertação misericordiosa”.

Outro britânico ilustre, Eric Arthur Blair, mais conhecido por George Orwell, escrevia em outubro de 1945: “Tendo em conta a forte possibilidade de, nos próximos cinco anos, uma explosão nos reduzir a cacos, a bomba atómica não tem sido objeto de discussão tanto quanto seria de prever” (Ensaios, trad. de Jacinta Maria Matos). E continuava mais adiante:_“Há 40 ou 50 anos que H.G. Wells, entre outros, nos vem avisando do perigo de o ser humano se autodestruir com as armas que constrói, deixando o mundo à mercê das formigas ou de outros animais gregários”. Talvez Orwell se referisse às baratas, com a sua proverbial capacidade de resistência. A possibilidade não se concretizou. Mas até quando?

Tudo depende das mãos em que caia a arma

Einstein dizia que a única coisa de que realmente se arrependia na vida era de ter assinado a carta a Roosevelt em que recomendava que a América adquirisse a bomba atómica. Mas talvez esse arrependimento nem tivesse grande razão de ser. Na altura parecia apenas uma questão de em que mãos essa terrível arma iria cair. Caso a Alemanha nazi a obtivesse antes dos Aliados – e os cientistas nazis estavam a trabalhar a todo o gás para isso –, as perspetivas teriam sido sem dúvida terríveis para uma boa parte da população mundial.

Nas mãos dos americanos, a bomba atómica forçou a rendição do Japão, provocando um número de vítimas que deverá ter rondado as 250 mil e um grau de devastação nunca visto. Posteriormente, quando as duas superpotências dominantes (americanos e soviéticos) tinham esta arma, o mundo viveu aterrorizado com a perspetiva de um conflito, e houve dias de angustiante suspense em outubro de 1962, na chamada Crise dos Mísseis de Cuba. Mas o facto é que a Guerra Fria nunca ‘esquentou’, e a bomba atómica até pode ter servido como dissuasor de um conflito mais sério.

Qual é o nível da ameaça?

Num dos livros de não ficção mais perturbadores e absorventes dos últimos anos, a jornalista de investigação norte-americana Annie Jacobsen descreve o que seria um ataque com uma bomba termonuclear na capital americana, Washington DC. “Cem milhões de graus Celsius é uma temperatura quatro ou cinco vezes mais alta do que a temperatura do núcleo do Sol”, lê-se em Guerra nuclear – Um cenário (ed. D. Quixote). “Na primeira fração do milésimo de segundo após esta bomba termonuclear atingir o Pentágono, nas imediações de Washington, produz-se luz. Uma luz suave de raios X com uma frequência muito curta. A luz sobreaquece o ar circundante a milhões de graus, criando uma bola de fogo gigantesca, que se expande a milhões de quilómetros por hora. No espaço de poucos segundos, essa bola de fogo aumenta até um diâmetro de pouco menos de dois quilómetros (cerca de 1.700 metros), de uma luz e um calor tão intensos que as superfícies de cimento explodem, os objetos metálicos se derretem ou se evaporam, a pedra se despedaça, os seres humanos se convertem instantaneamente em carbono em combustão.”

Mas isto ainda é apenas uma amostra do que está para vir. “À medida que a bola de fogo nuclear cresce, esta frente de choque provoca uma destruição catastrófica, avançando como uma escavadora e adiantando-se mais uns cinco quilómetros. O ar por trás da onda da explosão acelera, criando ventos de várias centenas de quilómetros por hora […]. Esta onda da explosão nuclear em Washington destrói todas as estruturas que encontra no seu caminho, alterando instantaneamente a configuração física de estruturas de engenharia, incluindo edifícios de escritórios, prédios de habitação, monumentos, museus, parques de estacionamento, que se desintegram e se fazem em pó. O que não é arrasado pelo estampido é despedaçado pelas chicotadas do vento. Os edifícios abatem, as pontes caem, os guindastes tombam. Objetos tão pequenos como computadores e blocos de cimento e tão grandes como camiões TIR ou autocarros de turismo de dois pisos, voam como bolas de ténis. […] Mais de um milhão de pessoas estão mortas ou moribundas e ainda não passaram dois minutos desde a detonação. O inferno começa agora. É diferente da bola de fogo inicial; é um megaincêndio desmedido. As condutas de gás explodem umas atrás das outras, agindo como maçaricos ou lança-chamas, cuspindo rios de fogo constantes. Rebentam tanques cheios de materiais inflamáveis. Explodem fabricas de produtos químicos As chamas-piloto de chaleiras e caldeiras funcionam como isqueiros, ateando tudo o que ainda não está a arder. Os prédios colapsados assemelham-se a fornos gigantes”.

Sem desrespeito pelas vítimas de Hiroxima e Nagasáqui, o que aconteceu em 1945 não tem comparação com o que se perfila oito décadas depois. Por uma razão simples: uma bomba termonuclear tem uma potência “quase equivalente a mil bombas de Hiroxima rebentadas ao mesmo tempo”, explica Jacobs.

Estima-se que existam atualmente cerca de 13 mil ogivas nucleares no mundo, o que é razão suficiente para dizer que vivemos sobre um autêntico barril de pólvora. Os pirómanos que não saibam disto, porque no caso de uma tal catástrofe talvez nem as baratas sobreviveriam.