O alerta do Tribunal de Contas sobre o risco em torno da sustentabilidade da Segurança Social fez soar alarmes. A ministra Maria do Rosário Ramalho já foi chamada ao Parlamento e esta semana já anunciou a criação de um grupo de trabalho para analisar o dossiê. Um cenário que não cria unanimidade junto dos economistas ouvidos pelo Nascer do SOL. Para João César das Neves, estes alertas «são verdadeiros, não tanto pela Segurança Social – embora também -, mas por causa da Caixa Geral de Aposentações, que não tem financiamento semelhante e que o Tribunal considera em conjunto, como deve».
Opinião contrária tem Eugénio Rosa que aponta o dedo ao relatório do Tribunal de Contas ao considerar que «comete um grave erro técnico, já que ‘mete no mesmo saco’ a Segurança Social e a CGA, considerando como fossem uma entidade única, apesar de serem dois sistemas completamente diferentes, com abrangências, problemas e responsabilidade de financiamento distintas».
Em causa está uma fatura de 254 mil milhões de euros contraída pelo Estado com a Caixa Geral de Aposentações (CGA). Uma operação que recebe cartão vermelho por parte do economista. «Durante muito tempo fomos enganados porque se olhava apenas para as contas da Segurança Social, que ainda são positivas, e deduzia-se que as pensões ainda eram sustentáveis, esquecendo as da CGA», diz César das Neves.
Eugénio Rosa recorda que, até 2005, a Caixa Geral de Aposentações apresentava um sistema de financiamento muito diferente do da Segurança Social. «O Estado com o poder que tinha de legislar em ‘beneficio próprio’ estabeleceu um sistema que lhe permitia ficar com uma parcela significativa das receitas que utilizava para pagar outras despesas», acrescentando que, «o empregador público, ou seja, o Estado só transferia para CGA anualmente o necessário que, somado às quotizações dos trabalhadores, fosse suficiente para pagar as pensões aos trabalhadores aposentados». E recorda que este sistema de financiamento determinou que na primeira fase, em que o número de trabalhadores no ativo era elevado, mas o de aposentados reduzido, que as transferências fossem pequenas, o que levou, no seu entender, a que o Estado «se tenha apropriado de muitos milhares de milhões de euros dos trabalhadores durante mais de 70 anos».
Eugénio Rosa recorda que este cenário terminou em 2005, quando o Governo transformou a CGA «num regime fechado», ou seja, afastando a hipótese de mais nenhum trabalhador se poder inscrever na CGA, transferindo para a Segurança Social o pagamento das pensões, correspondentes ao período posterior a 2005. «Como a CGA deixou de ter essas receitas, as transferências que o Orçamento do Estado faz para CGA todos os anos é para pagar o que se apropriou durante mais de 70 anos e para pagar os buracos nos fundos de pensões de empresas privatizadas que foram transferidos para a CGA». Mas deixa um alerta: «Não podem ser as receitas dos trabalhadores para a Segurança Social – que se destinam ao pagamento das pensões – a pagar a dívida do Estado à CGA como parece que o Tribunal de Contas defende no seu relatório», salienta ao nosso jornal.
O que esperar
Para já, a ministra do Trabalho e da Segurança Social vai criar um grupo de trabalho para analisar e propor medidas que garantam a sustentabilidade da Segurança Social a longo prazo, centralizado na modernização e equidade do sistema. De acordo com o despacho, o grupo de trabalho iniciou funções esta quinta-feira e deverá apresentar um relatório final com as propostas e recomendações no início de 2026. No entanto, Rosário Palma Ramalho refere que o grupo de trabalho deve apresentar um relatório a 30 de julho e, em função «do progresso dos trabalhos», poderão ser revistos alguns pontos do despacho.
Uma medida que causou alarme junto do PS e do PCP ao considerarem que a longo prazo poderá representar um passo para a privatização. Um alerta afastado por César das Neves ao defender que «criar um grupo de trabalho é muito diferente de privatizar». E vai mais longe: «A privatização da Segurança Social é politicamente impossível em Portugal. Seria o fim de quem o propusesse. Por isso é que se abana tanto esse espantalho na chicana partidária».
Já Eugénio Rosa não poupa críticas ao Tribunal de Contas, afirmando que o seu relatório «é enganador» e, ao mesmo tempo, «cria uma grande instabilidade aos atuais e futuros pensionistas da Segurança Social», considerando que «a falta de rigor na linguagem não era também de esperar por parte do TdC». Uma situação que, segundo o mesmo, «representou uma ajuda importante aos que atacam a Segurança Social e procuram desacreditá-la para assim poder expandir o mercado de fundos de pensões privado». E lamenta que esta ideia de instabilidade tenha sido aproveitada pela ministra para criar um grupo de trabalho. «Com o objetivo de propor medidas, nomeadamente, ‘desenvolver mecanismos complementares’, ou seja, fundos de pensões privados. E nomeou como presidente um homem – Jorge Bravo – que tem conflitos de interesses com a Segurança Social, pois é um consultor da Associação dos Fundos de Pensões Privados (APFIPP) e afirma, contradizendo os factos, que a Segurança Social está falida. Isto é, colocou deliberadamente ‘a raposa no galinheiro’, uma vez que já sabemos de antemão quais serão as conclusões deste (mais um) grupo de trabalho», refere.
De acordo com o economista, os números não enganam: «O sistema previdencial da Segurança Social tem excedentes de 25.747 milhões, ou seja, tem mais do que necessita para pagar as pensões, enquanto Caixa Geral de Aposentações apresenta um enorme défice de 253.914 milhões, o que significa que o sistema não tem receitas suficientes para cobrir as pensões futuras, faltam 253,9 mil milhões de euros). A insustentabilidade não é da Segurança Social, mas sim da CGA. Portanto, ‘meter tudo no mesmo saco’ e considerar como fosse uma entidade única, além de ser sobre o ponto de vista técnico profundamente incorreto representa uma clara operação de desinformação e engano dos atuais e futuros pensionistas».
Reforma assegurada?
César das Neves afasta a ideia de não não haver no futuro dinheiro para pagar as pensões, recordando que «os pensionistas são um dos grupos de pressão maiores e mais ativos e poderosos do país». E defende que «todos os partidos estão continuamente a prestar vassalagem aos pensionistas», acreditando que «no futuro vai faltar dinheiro para muitas coisas, mas vai sempre haver para as pensões».
É certo que os dados da Comissão Europeia não são animadores. Segundo os cálculos dos analistas do organismo internacional, a pensão média dos portugueses deverá passar de um valor equivalente a 69,4% do último salário em 2022 para um valor médio equivalente a 38,5% do último ordenado em 2050, caso não se promova qualquer reforma do Sistema da Segurança Social.
Os mesmos dados dizem ainda que o rácio de dependência de idosos irá aumentar de forma acentuada nos próximos 26 anos. Este rácio, que era de 40 idosos por cada 100 pessoas em idade ativa em 2022, espera-se que cresça 68% até 2050, quando deverá haver 69 idosos por cada 100 pessoas em idade ativa, antes de estabilizar ligeiramente nos 68 idosos por cada 100 ativos em 2070.