Elvas: cidade episcopal, Alentejo, distrito de Portalegre, Badajoz à vista, como dizia a canção, nascida no século XV, conquistada aos mouros na avalanche criada por Afonso Henriques em direção ao sul, no ano de 1166. Tão bonita Elvas. Tão incoercivelmente pacífica. Saudades dos tempos em que para lá caminhava como redactor de A Bola que não existe mais em busca das histórias, das crónicas e das reportagens que não cabem agora nas páginas dos jornais e fazem de nós, tornados velhos, dinossauros provavelmente pouco excelentíssimos porque vivemos de uma saudade imarcescível.
15 de Agosto de 1947: liberdade à meia-noite – a Índia tomava conta do seu destino e Lord Mountbatten entregava o poder ao pandita Nehru. Em Lisboa havia excesso de peixe, como se isso fosse razão de queixa, anunciavam-se para o Campo Pequeno Corridas Patrióticas, no Paraguai os insurrectos que combatiam o general Morínigo sitiavam a capital Assunção e o primeiro-ministro britânico, Clement Attlee viajava para os Estados Unidos de mão estendida pedindo auxílio económico para um império que se desmantelava. O mundo, na verdade, não prestava grande atenção à crise de dois pequenos clubes, o Sport Lisboa e Elvas e o Sporting Clube Elvense, respetivamente filiais de Benfica e Sporting na cidade. Mas de Lisboa não chegavam novas. Nem mandados. Definhavam os emblemas da águia e do leão nos confins do Alentejo e ninguém queria saber do que por lá se passava. Sozinhos no desespero, os dois rivais juntaram-se contra o degredo: fundiram-se n’O Elvas Clube Alentejano de Desportos. O grande O Elvas!
O Elvas na I divisão
É provável que só os antigos saibam, mas na época de 1947-48, O Elvas cumpria a sua primeira época na I Divisão. A história do clube é tão rica que poderia desenvolvê-la em fascículos. Mas fico-me por esse ano e meio mágico. Marcado por uma vitória tonitruante e por um jogador ímpar na história do futebol português. A vitória deu-se no dia 9 de Maio de 1948, no Campo Grande, em Lisboa: Benfica, 1 – O Elvas, 2. Os alentejanos entraram em campo com estes onze magníficos: Callejas; Galinho e Oliveira; Rebelo, Neves e Sousa; Patalino, Raça e Casimiro. Vivia-se o auge do WM e do grande Sporting de Cândido de Oliveira. O Benfica tinha gente como Francisco Ferreira, Rogério Pipi, Corona e Arsénio. Não lhe serviu de nada. Ao intervalo já O Elvas vencia por 2-0. Golos de Patalino, como não podia deixar de ser, no espaço de 30 minutos. Na segunda parte Rogério Pipi fez um golo insuficiente. Na semana seguinte outro resultado de assustar ornitorrincos: 12-1 à Académica! Quatro golos de Patalino. Os alentejanos terminariam em oitavos na classificação.
Domingos Carrilho Demétrio
O jogador de quem queria falar chamava-se Domingos Carrilho Demétrio, o Patalino. Homem da terra, nascido em 1922, que representou primeiro o Sport Lisboa e Elvas do qual já falei.
Numa entrevista à famosa revista Stadium, já na altura adiantadíssima para a época, Patalino confessou a sua alma encarnada. Que sim, que tinha uma paixão pelo Benfica, que o Benfica seria o único clube que o faria deixar o seu Alentejo natal, mas que não conseguia, que as saudades eram mais fortes, que nada o arrastava para fora da sua zona raiana por mais convites que tivesse. E teve. Imensos! O Sporting pensou nele para jogar ao lado de Peyroteo e poder um dia substituir o homem de Humpata. Patalino não foi. Houve o Bordéus, até o Real Madrid… E Domingos Carrilho Demétrio aferrado ao seu rincão, preso ao Alentejo, às suas paisagens melancólicas, à sua gente pacífica.
Mas Patalino?, perguntarão os meus estimadíssimos leitores e com toda a razão… Sim, Patalino de alcunha. O seu pai tinha fama de ser grande campeão do jogo da pata, um jogo tradicional disputado com dois paus, e daí Domingos Carrilho Demétrio ter ido dar em… Patalino.
Antes do Sport Lisboa e Elvas (e a seguir O Elvas), jogou n’Os Elvenses e no Lanifícios de Portalegre. Rápido, eficaz, com uma capacidade física impressionante, foi émulo de Peyroteo, embora à distância, e foi chamado à Selecção Nacional lado a lado com o mesmíssimo Peyroteo, com Rogério Pipi, Bentes, Jesus Correia, Araújo, Travassos e todos os grandes da sua geração.
Em 1947 recusa 150 mil pesetas e um ordenado de 2500 pesetas para jogar no Atlético de Madrid. «Para abandonar a minha querida terra só o faria pelo Benfica». Nunca veio para Lisboa. E saiu de Elvas pouco tempo depois de O Elvas ter baixado de divisão. Não foi para longe. Assinou pelo Lusitano de Évora e voltou a jogar na I Divisão e a defrontar o seu Benfica. Em 1956 estava no Serpa. Depois veio o Luso do Barreiro e o Arrentela onde ainda se cruzou com aquele que viria a ser por muitos anos dono da baliza do Benfica: José Henrique.
No futebol, como no firmamento, as estrelas têm por hábito cruzar-se. E deixar atrás de si o rastro brilhante das lendas… Patalino foi lenda em Elvas e agora dá nome ao antigo Municipal, logo ali ao lado da Rua do Rossio do Meio. No Alentejo os nomes são encantadores.