António José Seguro e os mínimos


Portugal precisa de deixar de ser uma sociedade de mínimos ou nem isso, António José Seguro cumpre todos os requisitos para esse desafio.


Entre a ida de Eça de Queirós para o Panteão e a possibilidade de uma candidatura presidencial de António José Seguro gerou-se uma comoção em alguns protagonistas políticos e similares do ramo, que ameaça resgatar para a atualidade personagens da literatura portuguesa, supostamente datados e de época. A soberba, a arrogância intelectual, o inusitado nervosismo, o apego a inconfessáveis interesses parciais e a intolerância em relação à diferença manifesta-se em diversos exercícios públicos articulados de desdém e de abocanhamento, amiúde muito além do aceitável no debate democrático, na vivência partidária e em mínimos de urbanidade de qualquer sociedade. Como diz um amigo, com um papel relevante na sociedade portuguesa, “estamos em tempo de gripe, mas parece que apanharam raiva”.

Augusto Santos Silva é uma espécie de Fernando Mendes da política. É o político que mais tempo esteve em funções públicas em Portugal, por nomeação ou integrado em listas partidárias, que não hesitou em apurar o preço certo das candidaturas presidenciais, depois da sua não vingar, com a mesma consistência com que esteve com Manuel Alegre na candidatura a secretário-geral do PS, em 2004, e apareceu de supetão integrado na liderança de José Sócrates a zurzir quem tinha apoiado.

Diz Santos Silva que Seguro “não cumpre os mínimos”, “só diz banalidades”.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos se entender a falta de conformismo e de defesa do estado a que o país chegou, na saúde, nos serviços públicos, na pobreza, nas desigualdades, na falta de coesão territorial e no deslaço individual e comunitário em relação ao contrato social, devido à degradação do exercício político, com sucessivas opções políticas não inteligíveis, escândalos e inconsistências das estratégias e visões para o país.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos significar a ausência de complacência com a geração do caldo de sintonia popular com os extremismos, resultado de uma indiferença aos sinais existentes há anos no território e do palco parlamentar dado ao Chega.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos entender a não aquiescência com a eliminação dos debates quinzenais do primeiro-ministro no parlamento, o apoio à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, a falta de sentido institucional do exercício de funções políticas e tantas outras expressões que não respeitam as dinâmicas normalizadas dos partidos, das instituições e da democracia portuguesa.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos considerar a intolerância com as confusões entre a política e os negócios que não salvaguardam o interesse geral, não são explicadas às pessoas e assentam em jogos de interesses não escrutinados, concretizados por poderes paralelos e quase invisíveis à vista desarmada.

Terá razão Santos Silva, se por mínimos considerar que Portugal está bem como está, depois do PS desbaratar uma maioria absoluta com recursos para responder às pessoas e aos territórios; de ter deixado serviços públicos fundamentais num estado comatoso por falta de capacidade de antecipação das realidades; de ter pulverizado o espaço público e político com diversos “ismos”, dos populismos aos laxismos; e de ter consagrado na vida política e na sociedade um quadro de vale tudo, em que os fins justificam todos os meios, desfasados do foco essencial: a resposta às necessidades e às expetativas das pessoas e dos territórios nacionais, mas também da diáspora.

Terá ainda razão Santos Silva, se considerar que são banalidades querer decência na política; políticas de compromisso que resolvam os problemas estruturais que 50 anos de democracia não conseguiram responder; governabilidade para construir soluções equilibradas focadas no interesse geral; coerência no exercício políticos ao invés da geometria variáveis dos umbigos ou dos interesses e uma visão de afirmação da presidência da República como parte ativa da dignificação das instituições democráticas, de dinâmicas positivas individuais, comunitárias, económicas e culturais e da geração de melhores condições de vida em todo o território nacional, mesmo no que está longe dos corredores do poder de Lisboa, dos media e do calor da luz dos intelectuais de alegada referência. Mas terá sido banal ter contribuído para a vitória eleitoral de António Guterres em 1995, ter participado no processo legislativo do Tratado de Nice, ter dinamizado a última grande reforma do funcionamento do parlamento, ter sido secretário-geral do PS depois da derrota de 2011 e da chamada da Troika, sem validação partidária, estancando a deriva de perda eleitoral com vitórias autárquicas e europeias ou ter assegurado um sentido de decência política que nenhum dos detratores revela, ao abdicar do lugar de deputado, ir dar aulas e contribuir para a dinamização das economias locais com a produção de azeite e de vinho no Interior do país, estando 10 anos recatado.

São evidentes as razões em presença. A manutenção dos interesses e dos poderes como eles estão e sempre estiveram na última década, alguns desde a implantação da democracia, ou a reposição de mínimos de decência, de compromisso, de rigor, de bem comum, de transformação equilibrada da sociedade portuguesa e de foco na construção de respostas para as pessoas, os territórios e a afirmação do país. A complacência com as indecências, os deslaços e a degradação democrática, política e social têm de acabar. Quem não cumpriu os mínimos de resposta aos problemas e aos desafios no passado, de forma sustentada e consequente, que se deixe de exercícios de pretensa superioridade numa sociedade democrática de cidadãos livres.

Portugal precisa de deixar de ser uma sociedade de mínimos ou nem isso, António José Seguro cumpre todos os requisitos para esse desafio: um país acima de mínimos, acima da média, com ambição para ser mais e melhor do que foi. Uma banalidade, portanto.

NOTAS FINAIS

DESTILAR ÓDIO. Depois de tanta acusação à extrema-direita de destilação de ódio, se continuar a pensar como quem destila ódio, acabam a ser semelhantes de sinais contrários.

FINALMENTE UMAS TRÉGUAS. Os calendários de sobrevivência política de Benjamin Netanyahu prolongaram a barbárie até à chegada ao poder de Trump. A política-umbigo tudo desvirtua e fanatiza. Como estas declarações miseráveis do embaixador de Israel em Portugal, “Não há fome em Gaza. Até há gordos lá”.

TRUMP TAKE 2. O expoente máximo da política-negócio regressa à Casa Branca. O nosso atlantismo vale de pouco. Estamos de fora dos países com acesso aos chips americanos. Estado português não convidado para posse. Preparam-se taxas aduaneiras e deportações de portugueses.

António José Seguro e os mínimos


Portugal precisa de deixar de ser uma sociedade de mínimos ou nem isso, António José Seguro cumpre todos os requisitos para esse desafio.


Entre a ida de Eça de Queirós para o Panteão e a possibilidade de uma candidatura presidencial de António José Seguro gerou-se uma comoção em alguns protagonistas políticos e similares do ramo, que ameaça resgatar para a atualidade personagens da literatura portuguesa, supostamente datados e de época. A soberba, a arrogância intelectual, o inusitado nervosismo, o apego a inconfessáveis interesses parciais e a intolerância em relação à diferença manifesta-se em diversos exercícios públicos articulados de desdém e de abocanhamento, amiúde muito além do aceitável no debate democrático, na vivência partidária e em mínimos de urbanidade de qualquer sociedade. Como diz um amigo, com um papel relevante na sociedade portuguesa, “estamos em tempo de gripe, mas parece que apanharam raiva”.

Augusto Santos Silva é uma espécie de Fernando Mendes da política. É o político que mais tempo esteve em funções públicas em Portugal, por nomeação ou integrado em listas partidárias, que não hesitou em apurar o preço certo das candidaturas presidenciais, depois da sua não vingar, com a mesma consistência com que esteve com Manuel Alegre na candidatura a secretário-geral do PS, em 2004, e apareceu de supetão integrado na liderança de José Sócrates a zurzir quem tinha apoiado.

Diz Santos Silva que Seguro “não cumpre os mínimos”, “só diz banalidades”.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos se entender a falta de conformismo e de defesa do estado a que o país chegou, na saúde, nos serviços públicos, na pobreza, nas desigualdades, na falta de coesão territorial e no deslaço individual e comunitário em relação ao contrato social, devido à degradação do exercício político, com sucessivas opções políticas não inteligíveis, escândalos e inconsistências das estratégias e visões para o país.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos significar a ausência de complacência com a geração do caldo de sintonia popular com os extremismos, resultado de uma indiferença aos sinais existentes há anos no território e do palco parlamentar dado ao Chega.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos entender a não aquiescência com a eliminação dos debates quinzenais do primeiro-ministro no parlamento, o apoio à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, a falta de sentido institucional do exercício de funções políticas e tantas outras expressões que não respeitam as dinâmicas normalizadas dos partidos, das instituições e da democracia portuguesa.

Tem razão Santos Silva, se por mínimos considerar a intolerância com as confusões entre a política e os negócios que não salvaguardam o interesse geral, não são explicadas às pessoas e assentam em jogos de interesses não escrutinados, concretizados por poderes paralelos e quase invisíveis à vista desarmada.

Terá razão Santos Silva, se por mínimos considerar que Portugal está bem como está, depois do PS desbaratar uma maioria absoluta com recursos para responder às pessoas e aos territórios; de ter deixado serviços públicos fundamentais num estado comatoso por falta de capacidade de antecipação das realidades; de ter pulverizado o espaço público e político com diversos “ismos”, dos populismos aos laxismos; e de ter consagrado na vida política e na sociedade um quadro de vale tudo, em que os fins justificam todos os meios, desfasados do foco essencial: a resposta às necessidades e às expetativas das pessoas e dos territórios nacionais, mas também da diáspora.

Terá ainda razão Santos Silva, se considerar que são banalidades querer decência na política; políticas de compromisso que resolvam os problemas estruturais que 50 anos de democracia não conseguiram responder; governabilidade para construir soluções equilibradas focadas no interesse geral; coerência no exercício políticos ao invés da geometria variáveis dos umbigos ou dos interesses e uma visão de afirmação da presidência da República como parte ativa da dignificação das instituições democráticas, de dinâmicas positivas individuais, comunitárias, económicas e culturais e da geração de melhores condições de vida em todo o território nacional, mesmo no que está longe dos corredores do poder de Lisboa, dos media e do calor da luz dos intelectuais de alegada referência. Mas terá sido banal ter contribuído para a vitória eleitoral de António Guterres em 1995, ter participado no processo legislativo do Tratado de Nice, ter dinamizado a última grande reforma do funcionamento do parlamento, ter sido secretário-geral do PS depois da derrota de 2011 e da chamada da Troika, sem validação partidária, estancando a deriva de perda eleitoral com vitórias autárquicas e europeias ou ter assegurado um sentido de decência política que nenhum dos detratores revela, ao abdicar do lugar de deputado, ir dar aulas e contribuir para a dinamização das economias locais com a produção de azeite e de vinho no Interior do país, estando 10 anos recatado.

São evidentes as razões em presença. A manutenção dos interesses e dos poderes como eles estão e sempre estiveram na última década, alguns desde a implantação da democracia, ou a reposição de mínimos de decência, de compromisso, de rigor, de bem comum, de transformação equilibrada da sociedade portuguesa e de foco na construção de respostas para as pessoas, os territórios e a afirmação do país. A complacência com as indecências, os deslaços e a degradação democrática, política e social têm de acabar. Quem não cumpriu os mínimos de resposta aos problemas e aos desafios no passado, de forma sustentada e consequente, que se deixe de exercícios de pretensa superioridade numa sociedade democrática de cidadãos livres.

Portugal precisa de deixar de ser uma sociedade de mínimos ou nem isso, António José Seguro cumpre todos os requisitos para esse desafio: um país acima de mínimos, acima da média, com ambição para ser mais e melhor do que foi. Uma banalidade, portanto.

NOTAS FINAIS

DESTILAR ÓDIO. Depois de tanta acusação à extrema-direita de destilação de ódio, se continuar a pensar como quem destila ódio, acabam a ser semelhantes de sinais contrários.

FINALMENTE UMAS TRÉGUAS. Os calendários de sobrevivência política de Benjamin Netanyahu prolongaram a barbárie até à chegada ao poder de Trump. A política-umbigo tudo desvirtua e fanatiza. Como estas declarações miseráveis do embaixador de Israel em Portugal, “Não há fome em Gaza. Até há gordos lá”.

TRUMP TAKE 2. O expoente máximo da política-negócio regressa à Casa Branca. O nosso atlantismo vale de pouco. Estamos de fora dos países com acesso aos chips americanos. Estado português não convidado para posse. Preparam-se taxas aduaneiras e deportações de portugueses.