Mauro Morandi. O Robinson Crusoe italiano

Mauro Morandi. O Robinson Crusoe italiano


1939-2025. Aos 50 anos, virou costas ao mundo e foi para uma ilha deserta.


Hoje, nas nossas cidades, a maior proximidade coincide com o maior afastamento. Nunca os homens estiveram juntos em tão grande número, mas também nunca estiveram tão separados.

Esta é uma sensação cada vez mais comum, sendo acompanhada por todas as chatices, complicações e todas as formas de desgaste a que estamos sujeitos por vivermos uns em cima dos outros. Mauro Morandi, o homem que ficou conhecido como o Robinson Crusoe italiano, atingiu o limite e decidiu virar costas à sociedade, aos enredos esgotantes de uma vida falsamente agitada, em que o ritmo do consumo impõe uma vertigem absurda, mas que depois nos deixa perante a sensação de vazio, de que nunca chegamos à experiência de acontecimentos concretos, e que tudo se esgota em convenções e protocolos, rituais sem sentido.

Em 1989, ele decidiu-se por um naufrágio, fez-se ao mar com a ânsia de seguir até à Polinésia, onde Gauguin se reencantou da existência e pintou algumas das suas telas mais célebres. Mas a Morandi não lhe foi necessário ir tão longe, tendo dado com um ilhéu deserto de 160 hectares, o de Budelli, na Sardenha, famoso pela sua praia com águas turquesa e areia rosada. Não foi uma febre passageira, viria a passar ali 32 anos, completamente isolado, e acabou mesmo por se tornar uma lenda local, que fez dele uma figura romântica na imprensa internacional, como se acenasse a cada um de nós no sentido de lhe seguirmos o exemplo. Mas a última coisa que ele gostaria era de ter companhia.

Viveu como esse eremita-guardião de um paraíso quase intocado, habitando um antigo posto de rádio do tempo da II Guerra Mundial, um casebre ao qual acrescentou um alpendre com vista sobre a praia. Colhia água das chuvas, tinha um sistema de energia solar improvisado na cobertura, e a comida era trazida de barco por amigos, que assim gozavam aquela perspetiva com ele.

O acesso à internet permitiu-lhe partilhar imagens e reflexões do seu dia-a-dia, chegando a mais de 70 mil seguidores. E quando se viu forçado a sair do ilhéu, não aguentou mais do que três anos, acabando por morrer no dia 3 de janeiro, aos 85 anos, em Modena, sua terra natal.