Conhecemos centenas de companhias aéreas ao redor do mundo mas é preciso lembrar que, por trás delas, há dezenas de fabricantes que constroem e vendem os aviões que vemos e conhecemos. Ouvimos já certamente falar da Boeing, Airbus ou Embraer, mas há outras.
Olhando para o panorama atual, Pedro Castro, especialista em aviação e diretor da SkyExpert, recorda que dos 28 mil aviões no ativo, 24 mil são da Airbus ou da Boeing.
Por isso, estas duas empresas são as principais concorrentes uma da outra.
Em 2023, a Airbus consolidou-se pelo quinto ano consecutivo como a principal fabricante de aviões do mundo, tendo recebido 8.600 pedidos de novas aeronaves, o maior número registado num único ano. Nesse período, entregou 661 aviões.
E já há números para 2024. Nesse ano, entregou 766 aviões, atingindo um máximo de seis anos. A meta era 770. Ainda assim, os lucros caíram. Em outubro do ano passado, a fabricante europeia de aviões anunciou que seu lucro líquido atingiu 1.808 milhões de euros nos primeiros nove meses, uma queda de 22% em relação ao mesmo período de 2023.
No ano passado, a empresa reviu em alta a previsão de procura de aviões para os próximos 20 anos, defendendo que frota global pode atingir os 48.230 aviões nos próximos 20 anos, ou seja, pode mais do que duplicar.
Segundo o documento a que a Reuters teve acesso, o maior construtor de aviões do mundo previu a entrega de 42.430 novos aviões nos próximos 20 anos, incluindo 41.490 aviões de passageiros, com um aumento de 4% em ambos os valores desde o estudo anterior.
Os principais aviões fabricados pela Airbus são o A320, A330, A350 e A380, o Airbus A330 MRTT e o Airbus A220.
“Nos últimos cinco anos, a Airbus tem conseguido destronar o lugar cimeiro da Boeing quer em termos de encomendas (portanto, para o futuro), quer em termos de aviões efetivamente entregues (ou seja, para a composição das frotas atuais)”, analisa Pedro Castro.
Em segundo lugar – e com uma quebra bem visível ao longo dos anos está a Boeing que anunciou perdas de 5,72 mil milhões no terceiro trimestre do ano passado. Acidentes, greves e menos entregas de aviões são alguns dos problemas da fabricante americana (ver páginas 2 a 4).
Fabricantes mais pequenos mas com grande peso
Outro fabricante de aviões que está entre os maiores do mundo é a Embraer, que é uma das principais empresas no fabrico de aviões com menos de 100 lugares. Só no último trimestre do ano passado, a empresa brasileira entregou 75 aeronaves, 27% acima do registado no trimestre anterior. Durante o ano todo de 2024, foram entregues 206 aviões, 14% acima das 181 aeronaves de 2023.
Em novembro do ano passado, a Embraer anunciou um lucro de 1,2 mil milhões de reais (194 milhões de euros) referentes ao terceiro trimestre do ano. Foi um crescimento significativo face aos 167 milhões de reais (27 milhões de euros) registados no mesmo período do ano passado e em comparação com o segundo trimestre do ano (415,7 milhões de reais ou 67 milhões de euros).
E a empresa prepara-se para crescer. No ano passado voltou com a grande possibilidade de lançar um avião comercial maior que os seus atuais para competir no mercado com o Boeing 737 e o Airbus A320.
Em entrevista à Bloomberg, o CEO da fabricante brasileira de aviões, Francisco Gomes Neto, reconheceu que estão a ser realizados estudos para a possibilidade de um avião desse porte.
Recorde-se ainda que a Embraer tem grandes relações com a Força Aérea portuguesa. Em julho do ano passado entregou a Portugal o primeiro – de cinco – KC-390. Esta é uma aeronave de alcance intercontinental, dotado de capacidades multimissão e capaz de executar operações estratégicas e táticas, civis e militares, desde o transporte de tropas, veículos e carga paletizada, lançamento de paraquedistas e carga, transportes aeromédicos, missões de busca e salvamento, reabastecimento aéreo e combate a incêndios florestais.
No final do ano passado, a Embraer e o Estado português assinaram um contrato relativo à aquisição de 12 aeronaves A-29N Super Tucano – uma aeronave de ataque leve, reconhecimento armado e treino avançado –, que se destinam a reforçar as capacidades da Força Aérea Portuguesa.
À Embraer junta-se a ATR. A fabricante europeia é uma das líderes na aviação regional, criada em 1981, entregou em agosto do ano passado o seu avião número 1700.
fabricantes militares e outros Ainda que não tão conhecidas, há outras empresas mundiais a fazer concorrência à Boeing. Uma delas é a Northrop Grumman. Esta é uma multinacional norte-americana no setor aeroespacial e de defesa, fundada em 1994. E, em 2013, foi considerada a quinta maior empresa de defesa do mundo. Destaca-se mais pelas suas contribuições na aviação militar e em sistemas aeroespaciais e entre as suas aeronaves e sistemas militares mais conhecidos estão o bombardeiro stealth B-2 Spirit e a aeronave não tripulada Global Hawk.
Conhecida então pela seu trabalho na defesa, recentemente alcançou mais um: a Northrop Grumman foi selecionada como principal fornecedor de aeronaves de comando, controlo e comunicações nucleares (NC3) para a missão “Take Charge And Move Out” (TACAMO) da Marinha dos EUA. A equipa vai entregar o E-130J, substituindo a atual frota de E-6B Mercury.
No seguimento de fabricantes de equipamentos militares, está também – e em primeiro lugar – a Lockheed Martin que tem 95% do seu orçamento anual a chegar através de conratos com o departamento de Defesa dos Estados Unidos.
A empresa é líder em aeronáutica, com vendas de cerca de 27,4 mil milhões de dólares em 2023. Nesse ano, entregou 98 caças F-35 Lightning II, que é o principal avião da marca. E deverá ter superado esse número em 2024.
Fora dos Estados Unidos, um dos maiores destaques vai para a Hindustan Aeronautics. É uma empresa estatal indiana sediada em Bangalore, criada pelo Governo e fabrica aeronaves de caças, treino e de passageiros. Colabora com empresas como a Airbus e a Boeing e, só em 2024, os pedidos de aeronaves ultrapassaram 15 mil milhões de euros.
Também a França conta com um fabricante: a Dassault Aviation. Foi fundada em 1929 e produz aeronaves civis e militares, sendo mais conhecida pela sua linha de jatos executivos Falcon e pelos caças militares Rafale.
China em linha de crescimento
É um nome que não é do conhecimento de muitos mas que está em grande fase de crescimento. A Comac é uma fabricante de aviões chinesa que quer competir com os maiores do mercado. “No segmento dos aviões Boeing 737 e Airbus A320 – os aviões comerciais mais vendidos em todo o mundo – surge agora um importante concorrente chinês do fabricante COMAC (abreviatura para Commercial Aircraft Corporation of China) com o seu novo avião C919 com capacidade para até 190 passageiros e que já voa na China. Apesar de ser chinês, este avião conta com várias componentes e motores fabricados na Europa e nos EUA”, conta Pedro Castro.
É certo que a China está a desenvolver os seus mercados e, depois dos carros elétricos, quer crescer a sério na aviação. O chinês C919 da Comac é a grande aposta da China para competir no campeonato dos aviões de passageiros, competindo diretamente com o Boeing 737 e o Airbus A320.
Se conseguir ser bem-sucedida, a Comac pode vir a oferecer uma concorrência considerável no futuro para empresas de aviação estabelecidas, como a Airbus e a Boeing. Até ao momento, algumas das maiores companhias aéreas da China, China Eastern Airlines, Air China e China Southern Airlines, já estão a usar o C919 nas suas rotas domésticas.
Aliás, em junho do ano passado, a companhia aérea de bandeira da China, Air China, confirmou a compra por menos de 10,8 mil milhões de dólares (10,076 milhões de euros) de 100 unidades do C919. Este avião demorou mais de 14 anos a ser desenvolvido e fez o seu primeiro voo comercial em maio de 2023. Pode acomodar entre 158 e 192 lugares e tem um alcance entre 4.075 e 5.555 quilómetros.
Desafios futuros e novos fabricantes
O especialista detalha ainda que “à medida que avançamos cada vez mais para o segmento dos drones e dos aviões elétricos – e imaginando que o futuro do transporte aéreo passará também por esse novo tipo de aviões – devemos ter atenção que aí todas as oportunidades estão abertas para novos fabricantes”. A título de exemplo, recorda os suecos da Heart Aerospace com os seus aviões elétricos ES-30 encomendados para Portugal pela Sevenair, mas também a fabricante portuguesa Tekever com o seu drone AXR. “Falo, obviamente, de um nicho e de empresas com forte probabilidade de serem absorvidas mais tarde por grupos maiores, mas não deixa de ser interessante seguir este segmento e observar a sua evolução”.
Pedro Castro defende que a aviação do futuro enfrenta dois grandes problemas: investimento e certificação. “A falta do primeiro já ditou a falência de dois projetos europeus dos chamados “taxis aéreos”, Lilium e Volocopter, porque é, de facto, um investimento de alto risco. Mesmo para os projetos que consigam o investimento e que cheguem à fase final de produção, a certificação internacional paira sempre como uma ameaça: sem ela a comercialização não é possível”.
E adianta que a própria Comac enfrenta isso com o seu C919 “porque, inicialmente, apenas a China o certificou. No caso chinês, existe mercado e território suficiente dentro da China para permitir a viabilidade comercial do avião, mas neste negócio, a certificação tem de ser global”.
Questionado sobre como vê a chegada de novas fabricantes ao mercado, Pedro Castro diz que “nos primórdios da aviação comercial – e com um mercado infinitamente menor – existia uma quantidade enorme de fabricantes e foi também nesse mosaico do passado que a própria indústria evoluiu e cresceu”. Na sua opinião, o atual duopólio Boeing-Airbus “não beneficia o desenvolvimento de novos modelos – por ventura, disruptivos – não beneficia os preços, nem o compromisso com a qualidade”. Pelo contrário, “neste duopólio equilibrado a tendência é mesmo deixar as coisas como estão”.
O especialista adianta que, “obviamente que, neste tipo de indústria, o retorno do investimento (se existir) em pesquisa e desenvolvimento exige somas muito avultadas e é aí que o papel do Estado e do dinheiro público em cooperação com os privados poderia servir para que não se desista à primeira” e que “provavelmente, o sentido deste tipo de cooperação Estado-privados é mais evidente quando se trata de encontrar uma vacina para combater a pandemia de Covid, mas existem outras áreas de intervenção em que esse modelo faz sentido e esta é uma delas”.
Ao i, atira ainda que “é ecologicamente insustentável imaginar que podemos manter este tipo de tráfego aéreo em constante crescimento sem mudar nada e sem pagar um preço elevado mais tarde por não termos mudado as coisas a tempo. As próximas gerações dos nosso filhos, netos e bisnetos vão-nos julgar sobre isto”.