Os nascidos antes do 25 de Abril estão obrigados a conhecer as fronteiras entre as várias famílias marxistas. O conhecimento das ideias facilita o reconhecimento dos homens e em Portugal os esquerdistas da esquerda tiveram (e têm) enorme sucesso, sempre depois de terem renegado a vulgata marxista. Nas várias seitas de arrependidos bem sucedidos destacam-se os trotskistas e os maoistas. Nas lutas fratricidas ficaram pelo caminho as diversas internacionais e a separação entre leninistas (adeptos, tardios, da revolução num só país) e trotskistas (crentes no triunfo do comunismo acontecendo em vários Estados ao mesmo tempo).
Atentos ao que se passa pelos EUA acreditámos no regresso da tradição isolacionista americana: o fazer a América grande outra vez passaria pelo abandono do exterior e das questínculas de outros Estados. Erro! Trump revela-se um isolacionista tradicional, fiel à doutrina de Monroe: as Américas para os americanos. E Américas são todas as regiões vizinhas, contíguas (como o Canadá e o México), ou não, mas ainda no mesmo continente (Panamá) ou só longinquamente vizinhas (Gronelândia).
Se o Presidente eleito olha, com gula comercial e militar, para os territórios dos Estados vizinhos, já o Presidente sombra aposta no combate político, destrata os chefes de Estado e Governo de vários Aliados e envolve-se directamente na vida política de Estados terceiros, prometendo doações de várias centenas de milhões de dólares ao Reform Party de Nigel Farage (para sugerir em seguida que o partido tem de arranjar outro líder) ou fazendo publicar no Die Zeit um artigo de opinião louvando a AfD como a única escolha para o futuro da Alemanha. Este comportamento, por parte de um putativo membro da futura Administração Trump II, já seria grave. Mas o almiscarado Elon fala a partir do púlpito de uma rede social que comprou e que soma 611 milhões de utilizadores activos e na qual tem 211 milhões de “seguidores”. Não é difícil acreditar na natureza submissa da rede social e dos respectivos algoritmos quando se trata de divulgar e ampliar os escritos do patrão. As redes sociais são capazes de condicionar a vontade não só dos consumidores mas também dos eleitores. Recentemente o Tribunal Constitucional romeno decidiu anular a primeira volta das eleições presidenciais, convencido da interferência de um Estado estrangeiro (leia-se Federação Russa) no alargar da base de apoio a um dos candidatos, com recurso a doses maciças de vídeos colocados na rede TikTok. Sendo céptico quanto à bondade natural dos homens e das redes sociais por si controladas, não classifico as redes sociais em boas (as do almiscarado, de Zuckerberg e restantes cibercratas) ou más (o TikTok) em função da nacionalidade dos proprietários.
Nas recentes palavras de Macron, Musk tornou-se o arauto de “uma nova internacional reaccionária” que ameaça o pluralismo político e a democracia em vários Estados europeus. Muitas das afirmações de Musk, propaladas pela sua rede social, são falsas, discriminatórias e visam, de forma ilícita, manipular abusivamente comportamentos de eleitores. Estes conteúdos ilegais não são mera concretização da liberdade de expressão, são passíveis de fiscalização e de inibição com base na legislação em vigor em vários Estados e por via do Regulamento dos Serviços Digitais (Regulamento (UE) 2022/2065, de 19 de Outubro). Este Regulamento prevê sanções pecuniárias compulsórias no valor de 6% do volume de negócios anual a nível mundial do prestador de serviços e o bloqueio do acesso ao serviço.