Tiktok. Uma nova era da política

Tiktok. Uma nova era da política


A política é cada vez mais um jogo digital. O TikTok, da China, levanta preocupações e definir um equilíbrio entre o controlo e a liberdade de expressão não parece tarefa fácil.


Desde o apogeu da revolução tecnológica, nas décadas de 1990 e 2000, que o mundo mudou e a política, naturalmente, não ficou à margem. A informação é transmitida de forma instantânea, há novos métodos de chegar à população e as redes sociais transformaram-se em autênticos meios de comunicação social e política. Os média tradicionais enfrentam períodos de crise e sentem a necessidade de adaptação como nunca, a contrarrelógio até, de modo a não serem deixados para trás.

A geração que nasceu no pico da revolução tecnológica, para quem a presença nas redes é uma normalidade – necessidade, por vezes –, já começou a atingir a idade requerida para exercer o direito de voto e com isso florescem novos desafios. Um dos casos mais evidentes desta entrada numa nova era da política – para além de outras plataformas de largo alcance – é a rede social TikTok. Fundado em Pequim, China, pela empresa tecnológica ByteDance em 2016, esta rede social de partilha de vídeos curtos veio para ficar e o seu impacto na política já se faz sentir.

O poder das redes

No verão de 2020, no pico da pandemia quando o contacto social in loco era praticamente nulo, o New York Times publicou uma peça intitulada “O TikTok está a moldar a política. Mas como?”. No artigo são expostos os pontos de vista de Ioana Literat, Professora assistente de Design de tecnologias de comunicação, Media e Aprendizagem na Universidade de Columbia e da sua companheira de investigação Neta Kligler-Vilenchik, sobre como o TikTok se tornou numa plataforma de disseminação de ideologias políticas e de ativismo para os jovens americanos.

Literat afirmou que «Os jovens são aclamados (ou simbolizados – basta pensar em Greta Thunberg e nos jovens de Parkland) como o futuro da democracia, para quem a expressão política é fácil. Mas, por outro lado, as pessoas estão preocupadas com o facto de não comparecerem nas urnas, de serem vítimas de desinformação ou de já não se interessarem pelos jornais. E tudo isto é verdade; não se trata de uma situação de um ou outro». Independentemente da oportunidade que estas plataformas oferecem para o diálogo e troca de ideias, como diz Kligler-Vilenchik, Literat nota que os jovens acabam por se entrincheirar nas suas ideologias e interagem maioritariamente com os utilizadores que pensam da mesma forma e o determinismo está bastante patente no modo de pensar desta geração mais nova: «Os jovens afirmam muitas vezes diversas identidades sociais – por exemplo, negro, mexicano, L.G.B.T.Q., saloio, camponês – em relação direta com as suas opiniões políticas».

Esta transferência de poder comunicativo dos órgãos de comunicação social para as redes sociais que está em curso, com os meios tradicionais a atravessarem uma crise de credibilidade sem precedentes, abre toda uma nova janela de oportunidade democrática de inserção de uma grande fatia da sociedade civil no debate público. Ainda assim, o Professor filipino Randy David mostra-se cético: «Em muitos aspetos, porém, é também semelhante a dar uma arma poderosa às pessoas sem as responsabilizar pela sua má utilização».

A ameaça

Tendo sido fundado na China, os Estados Unidos começam a levantar preocupações quanto à possibilidade de a plataforma ser uma ameaça à segurança nacional. Em maio deste ano, Joe Biden, ainda Presidente americano, passou uma lei que obrigaria a ByteDance a vender a aplicação até 19 de janeiro de 2025 ou teria de a encerrar. Isto porque há uma sensação de desconfiança, de um lado e de outro do Congresso, face à utilização de dados de americanos por parte de uma empresa próxima do Partido Comunista chinês, como reportou o site de notícias americano Vox.

James Andrew Lewis, vice-presidente sénior do Center for Strategic and International Studies, analisou as três ameaças identificadas pelo Congresso americano: «A primeira é que o TikTok faz parte de uma nefasta operação de influência do governo chinês destinada a influenciar a política dos EUA. A segunda é que o TikTok pode ser utilizado para recolher dados pessoais dos americanos. A terceira é que o download voluntário do TikTok em telefones ou dispositivos permite a injeção de software malicioso pela China». Para Lewis, «apenas a terceira fonte cria um risco sério». «As operações de influência são geralmente sobrevalorizadas. Se a democracia americana está em risco, os dados dos inquéritos sugerem que isso tem pouco a ver com actores externos. O problema é interno», continuou dizendo que «um tópico em que o TikTok tem sido utilizado num esforço para moldar opiniões políticas e distorcer factos é o do conflito em Gaza, mas este não é o resultado das atividades da China. Reflete os esforços espontâneos dos utilizadores. Este tipo de problema é uma característica dos meios de comunicação social, em que a informação não apurada e não verificada é a norma».

É neste ponto que se prende a questão: a culpa é da influência externa ou da utilização individual de cada utilizador?

As eleições romenas

A Roménia protagonizou o primeiro caso prático de como o TikTok pode influenciar as instituições democráticas de um país de forma direta. Calin Georgescu, um professor relativamente pouco conhecido a quem as sondagens atribuíam apenas 5% das intenções de voto, venceu a primeira volta das eleições presidenciais romenas com 22,94% dos votos, eliminando o candidato socialista, o favorito, da segunda volta. Assim, o Tribunal Constitucional decidiu anular a segunda volta e reagendou uma nova eleição para o início de 2025. A causa da anulação foi alegadamente a influência russa no financiamento da campanha de desinformação levada a cabo por Georgescu no TikTok.

A candidata que ficou em segundo lugar, a liberal Elena Lasconi, considerou a decisão um «atropelo à democracia» e Georgescu não poupou as palavras: «o Estado romeno tomou a democracia e espezinhou-a. A decisão […] do CCR é mais do que uma controvérsia jurídica. É basicamente um golpe de Estado formalizado». «O Estado de Direito está em coma induzido e a justiça, subordinada a ordens políticas, perdeu praticamente a sua essência, já não é justiça, é uma ordem», concluiu.

Como já tinha sido referido numa edição anterior do Nascer do SOL, foi a primeira vez que umas eleições – a pedra angular de qualquer democracia liberal – foram canceladas por causa de uma rede social. A pergunta feita nessa edição pode colocar-se de novo: Estará aberta a caixa de Pandora?

Também na Albânia tem havido controvérsia quanto ao TikTok. Edi Rama, o primeiro-ministro albanês, anunciou a proibição da plataforma por um ano, atribuindo-lhe a culpa do aumento de violência e de bullying entre os jovens.

Posto isto, o poder do TikTok é inegável. A sua influência na população, principalmente a mais jovem, também. Contudo, como se encontrará um equilíbrio tal que regule o uso inapropriado sem colocar em causa a liberdade de expressão, um dos direitos fundamentais de qualquer sociedade democrática?