Desde 2013 que o mundo autárquico foi obrigado a mudar. A “culpa” deve-se à lei de limitação de mandatos que impede os autarcas de concorreu além de três mandatos consecutivos. E os números falam por si: 118 dos 308 autarcas estão a terminar o seu trabalho à frente da câmara e só não são mais porque alguns foram entretanto saindo do cargo. O PS tem 54 presidentes de câmara nesta situação, mais 10 do que os do PSD, que tem 44, enquanto a CDU tem 11 e o CDS três.
Paula Espírito Santo, especialista em ciência política, vê com bons olhos esta limitação. “Do ponto de vista democrático acho que a limitação seja em que órgão for tem todo o interesse porque permite a renovação do poder político, permite que as pessoas não se cristalizem no executivo local. E depois é importante a renovação das elites, pois só assim é possível encontrar outras pessoas e outras alternativas dentro do mesmo partido que possam dar continuidade”, acrescentando que “as pessoas não são insubstituíveis e o que é importante é que as políticas correspondam à vontade popular”.
É certo que há sempre truques que estes autarcas vão apostando para se manterem no poder. Um dos mais famosos é concorrer a outra autarquia. Há vários exemplos a nível nacional e o caso mais recente diz respeito a Maria das Dores Meira, ex-autarca de Setúbal que nas últimas eleições concorreu em Almada, tendo perdido e aposta novamente as fichas na cidade que conhece. “São figuras que estabeleceram vínculos com determinadas populações e essa é uma estratégia que a Constituição permite”, no entanto, admite que esta aposta “pode ser desvirtuada quando é utilizada com uma finalidade alternativa àquilo que é o vinculo partidário”.
Governo “salvou” cargos
O Governo de Luís Montenegro tem nomeado presidentes de câmara em final de mandato para cargos de referência. Também o PS seguiu essa tendência quando estava no Executivo. Dois dos casos mais emblemáticos são Ricardo Gonçalves, que liderava a Câmara Municipal de Santarém, que suspendeu o seu mandato para assumir a presidência do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). O mesmo aconteceu com Benjamim Pereira, presidente da Câmara Municipal de Esposende, que foi nomeado presidente do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU).
Paula Espírito Santo vê esses movimentos como uma forma de compensação dos políticos, sobretudo aqueles que se mantiveram fiéis ao longo do tempo e que até conseguiram que o partido evoluísse e crescesse em determinados planos, seja local ou nacional. “Os partidos têm essa capacidade de conquistar as suas próprias elites internas através de prémios de gratificações”. No entanto, entende esse movimento como sendo natural. “Os partidos têm de sobreviver, têm de se adaptar e sempre que têm hipótese de permanecer no poder acabam por fazer essa compensação àqueles que chegaram ao limite, seja por motivos legais, seja por motivos institucionais, podendo continuar o seu vínculo ao partido através de outras alternativas”.
Mas deixa um alerta: “Claro que a endogamia está sempre presente e não podemos assegurar que isso signifique que as pessoas sejam mais capazes. Normalmente, o que acontece aqui é que há um vínculo partidário e esse vínculo acaba por se sobrepor à própria capacidade técnica e profissional que neste caso é considerada secundária”, dizi .
Desafios partidários
Para Paula Espírito Santo, o partido que está numa situação de maior exposição e fragilidade é o PCP ao lembrar que, por um lado, é um partido que tem no plano autárquico uma tradição muito forte de relação com as populações, mas por outro, tem vindo a perder eleitorado e isso pode-se refletir no plano local, apesar de reconhecer que as populações separam os vários tipos de atos eleitorais. “A lógica e a dinâmica do ato eleitoral no plano autárquico acaba por se vincular mais à proximidade e ao conhecimento do trabalho feito. E, geralmente, o Partido Comunista tem tido bons resultados autárquicos ao conseguir manter a sua capacidade de proximidade com as populações. No entanto, tem vindo a perder ao longo do tempo essa capacidade de forma gradual. São sinais dos tempos e também sinais dos conflitos, nomeadamente a guerra da Ucrânia pela forma como o próprio partido acaba por encarar as respostas que vai dando publicamente sobre o conflito, em que fala de uma maneira de quase normalização e não assume de forma clara a sua posição em relação à guerra, se bem que defenda sempre a paz, mas isso fragiliza uma parte da relação com o eleitorado que pode não entender a sua justificação”, diz ao nosso jornal.
Ainda assim, reconhece que o próprio Partido Comunista em Portugal tem sido um sobrevivente quando comparado com outros países, em que já não faz parte dos Parlamentos. “No nosso país, apesar de só ter quatro deputados e de ter vindo gradualmente a perder o poder político, o que se irá refletir nas autárquicas, acaba por apresentar uma lógica muito própria”.
Também incerto serão os resultados a alcançar pelo PSD, uma vez que a especialista em ciência política admite que sendo o partido que está no Governo poderá ter uma componente de desgaste, particularmente setorial, sobretudo na área da Saúde, Forças de Segurança e Educação. Mas não hesita: “Julgo que a chave vão ser as figuras que irão ser escolhidas pelo partido que terão de ter capacidade de mobilização e conhecimento sobretudo no plano autárquico”.
Outra dúvida diz respeito ao Chega. “O que se percebe é que o Chega está a tentar capitalizar todos os temas que aparecem e que possam ser fraturantes, como é o caso da segurança, mas creio que vai ter aqui uma grande prova de fogo, já que as sondagens apontam para uma diminuição da mobilização para o voto e há dúvidas em relação à capacidade do Chega de continuar a crescer”, lembrando que nas eleições europeias, o partido não foi tão longe como se poderia imaginar até pela proximidade das eleições legislativas. E a este desafio, Paula Espírito Santo acrescenta a dificuldade que o partido de André Ventura poderá ter em conseguir ter figuras de proa que possam mobilizar o eleitorado no plano local.