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A República francesa já conheceu melhores tempos. O cenário político está cada vez mais complicado, com o centro cada vez mais encurralado entre dois extremos empenhados no bloqueio. Na ressaca das atribuladas eleições europeias e legislativas, o Presidente francês, Emmanuel Macron, optou por um primeiro-ministro do centro-direita, Michel Barnier, que se tornou o nome a ocupar o cargo por menos tempo desde a implantação da V República. Macron voltou a nomear um primeiro-ministro do centro, que não deverá cair nas boas graças nem de Marine Le Pen nem da coligação da esquerda, tendo à sua frente uma missão hercúlea de estabilização. O facto de o poder executivo estar nas mãos do Presidente também não ajuda François Bayrou a superar esta tarefa hercúlea.
Na Justiça, os dois casos mais recentes chocam o país – um mais que outro. O ex-Presidente Nicholas Sarkozy foi condenado a um ano de prisão domiciliária e Dominique Pelicot foi considerado culpado de todas as acusações e enfrentará uma pena de vinte anos de prisão.
Na quarta-feira, o Tribunal de Cassação francês negou o recurso de Sarkozy, confirmando a sentença que ascendia aos três anos de prisão, dois de pena suspensa e um com pulseira eletrónica. O ex-Presidente enfrentará também um período de três anos inelegibilidade, talvez o menor dos seus problemas. A corrupção e o tráfico de influências foram os crimes que conduziram à sentença. Mesmo tendo acatado a decisão definitiva, o advogado de Sarkozy garantiu que o caso será reencaminhado para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, como noticiado pela Euronews.
O caso prende-se principalmente com o financiamento duvidoso da campanha presidencial de Sarkozy em 2007, que alegadamente utilizou fundos provenientes do ex-tirano líbio, Muamar Kadafi. A sua esposa, Carla Bruni, é também acusada de tentativa de manipulação de testemunhas, colocada sob vigilância judicial – podendo apenas manter contacto com o seu marido –, tendo sido libertada sob fiança. O casal Sarkozy, tal como o país, já viveu melhores dias.
Mas o escândalo maior não passa pelos antigos inquilinos do Palácio do Eliseu. Dominique Pelicot foi ontem condenado a vinte anos de prisão num dos casos mais escandalosos e que mais chocou e sensibilizou o país. Pelicot declarou-se culpado por ter drogado e violado a esposa, Gisèle Pelicot, durante cerca de uma década. Se só assim o caso já seria, para além de criminoso, desumano e macabro – no mínimo – o facto de ter convidado mais cinquenta homens para violarem a esposa tornam o caso inqualificável.
Em 2020, a polícia identificou-o após observar que o indivíduo filmava, de forma discreta – ou nem tanto –, as saias de mulheres no supermercado. Após investigação e revista ao telemóvel, as forças de segurança encontraram mais de 20 mil fotografias que comprovavam os abusos que cometia com Gisèle, segundo a Euronews, que reporta também o facto de terem sido contados mais 72 suspeitos, nem todos identificados. Os 51 que foram, estão também condenados; 50 por cumplicidade e um por ter feito o mesmo à sua própria esposa com a ajuda de Pelicot – também condenado por este crime. Gisèle Pelicot tornou-se assim um ícone do movimento feminista ao ter-se aberto, sem medos, sobre o caso.
Todos estes acontecimentos, uns relacionados e outros isolados, são um espelho do país. Com a política no caos, ex-governantes presos, casos arrepiantes na justiça e uma economia praticamente estagnada, parece que a inauguração da catedral de Notre Dame na semana passada é o único ponto alto de França nos últimos tempos.