Ceia de Natal mais cara preocupa consumidores

Ceia de Natal mais cara preocupa consumidores


Cabaz de Natal está mais caro e causa preocupação. E já há produtos a serem ‘aldrabados’, como é o caso do bacalhau.


Há algumas semanas que já se nota a corrida aos supermercados típica desta altura. É preciso tempo para demolhar o bacalhau e produtos como o chocolate ou o açúcar têm validade suficiente para aguentar até ao Natal. Mas os preços já não são o que eram e os consumidores começam a fazer contas.

Maria tem custos acrescidos todos os natais porque prepara todos os doces, como sempre gostou de fazer. Sonhos, rabanadas, filhoses e azevias. Junta-se o tronco de Natal, a aletria e o arroz doce e até a mousse de chocolate. Das suas mãos só não nasce o bolo rei. «O chocolate está muito mais caro e os ovos também custam mais que a no passado», começa por dizer ao Nascer do SOL. A memória não a deixa precisar o valor do aumento mas pode dizer «com certeza» que os preços não são iguais. O bacalhau «encareceu pelo menos dois ou três euros o quilo». 

A certeza de Maria é comprovada pela Deco Proteste que diz ao Nascer do SOL que desde o início da monitorização do Cabaz de Natal, a 4 de dezembro, até ao dia de hoje, têm sido verificadas «ligeiras subidas e ligeiras descidas nos preços, quando comparado semanalmente». Contudo, «se compararmos estas três semanas de monitorização com os períodos homólogos, a subida é comum – entre 1% a 5%», diz Mariana Ludovino, porta-voz Deco Proteste, acrescentando que «ainda que a inflação tenha impacto nos preços dos alimentos, um abrandamento da mesma não significa diretamente um aliviar de pressão sobre os preços dos alimentos uma vez que estes dependem de fatores estruturais, ambientais e/ou económicos como por exemplo a escassez de matéria-prima, impactos nas cadeias de distribuição, alterações climáticas, entre outros».

Cabaz mais caro e bacalhau ‘aldrabado’

O cabaz de Natal da Deco ficou 54 cêntimos mais caro numa semana, passando a custar  53,36 euros. Do cabaz, que conta com produtos tipicamente usados nesta quadra festiva, destaca-se o bacalhau com um dos maiores aumentos. O preço por quilo do ‘rei’ da ceia de Natal, em apenas uma semana, aumentou 1,10 euros (+8%). Face ao ano anterior a subida foi de 18%.

Sobre o porquê de o bacalhau subir tanto, Carlos, que trabalha no setor, não tem dúvidas: «Está mais caro porque também é difícil encontrar pessoas que queiram trabalhar num meio que não é agradável para trabalhar. É muito complicado trabalhar com bacalhau, principalmente com congelado, é muito mau. É o dia todo com o odor, o frio e a humidade». Isso reflete-se no preço.  «Naturalmente as pessoas compram menos não só porque está mais caro mas por que também têm menos poder de compra», avalia.

O responsável chama ainda a atenção para um problema que pode resultar do aumento de preços do bacalhau, mais concretamente no caso do bacalhau de cura amarela. «As pessoas querem o bacalhau amarelo. Há mitos de que é melhor. Mas isso é quando eram usados métodos tradicionais. Hoje em dia é tudo aldrabado». E como é que isso acontece? Usando uma espécie de tinta amarela que dá ao bacalhau a mesma coloração que teria se tivesse sido de cura amarela. «As pessoas procuram uma coisa e querem essa coisa. É como os vinhos, também há vinhos que usam outros produtos. No bacalhau é o mesmo. No bacalhau de cura há condições, como as atmosféricas. Hoje em dia fazem as estufas, secam as coisas rapidamente e as pessoas querem o bacalhau amarelo? São segredos que não se diz para não se chatear as pessoas», atira, lembrando que esta ‘falsificação’ pode trazer problemas ao consumidor, como náuseas, por exemplo.

Defendendo que o bacalhau não é – ou não deveria ser  – um produto de luxo, Carlos relembra os custos. «Nós temos barcos que andam lá fora a pescar. Aliás, antes do barco sair está pago. Soube este ano que o barco para sair daqui para ir para a Noruega ou a Islândia, o frete está pago. Mesmo que não pesque nada. Está tudo muito limitado hoje em dia. Se o barco for e conseguirem naquele período de tempo pescar, tudo bem. Se não, é prejuízo. Está muito complicado». E garante ainda: «Os restaurantes têm dificuldade em conseguir comprar produto de qualidade». O mesmo acontece com o consumidor comum.

E há outros produtos muito usados nesta altura que também viram o preço disparar. Falamos do chocolate para culinária, que viu o preço subir 41 % e do peru cujo valor aumentou 18% face ao ano anterior.

Mas nem tudo sobe, como é o caso do preço do azeite que além de estar mais barato que a semana passada, custa menos que há um ano. Em dezembro de 2023, uma garrafa com 75 centilitros custava 10,21 euros, mais 72 cêntimos (mais 7%) do que esta semana. Ainda assim, há dois anos, era possível comprar a mesma garrafa de azeite por apenas 5,89 euros, menos 61% do que em 2024.

Para que as pessoas possam poupar, a Mariana Ludovino recomenda: «Dicas como um planeamento rigoroso na hora de fazer as compras de supermercado, ter atenção às promoções, ver os produtos que tem em casa antes de comprar novos, consumir aqueles que estão mais perto de expirar a data de validade ou adotar práticas para evitar o desperdício alimentar, são exemplos que os consumidores podem utilizar para uma gestão do orçamento familiar mais cuidada na hora de ir às compras», diz, relembrando que o consumidor pode fazer comparações de preços por litro, quilo ou unidade entre os produtos de várias marcas e aceder ao simulador Deco Proteste de preços dos supermercados online para saberem quais os mais baratos no concelho selecionado.

‘Consumo tem explodido’

Para Vítor Madeira, analista da XTB, ter ou não um Natal mais contido «dependerá da preferência de consumo de cada um». E lembra que «num período de grande inflação como o que atravessámos é normal as pessoas sentirem os preços mais altos. Assim, pela componente do preço seria de esperar abrandamento no consumo, ainda que não se tenha notado qualquer abrandamento no consumo».

E o analista refere que, se olharmos para os dados das vendas a retalho de Portugal, «vemos que o consumo tem explodido nestes últimos meses em comparação com os mesmos períodos do ano anterior, no caso de outubro as vendas aumentaram 6,4%». Portanto, acrescenta, «embora os preços tenham subido, os consumidores não têm mostrado qualquer incapacidade para os adquirir. Pelo contrário, estes últimos 3 meses mostraram subidas muito expressivas em comparação com os mesmos períodos do ano anterior, respetivamente 5.3%, 5,0% e 6,4%».

Dois dos produtos que têm estado a ver os preços crescer muito são o cacau e o chocolate que, depois, veem o preço refletir nos produtos que precisam desta matéria prima. Vítor Madeira explica que este aumento se deve substancialmente «a um problema de oferta», revelando que as «anteriores colheitas foram fracas e as previsões para as próximas colheitas já são melhores, contudo, ainda abaixo das produções dos anos anteriores». Ora, isto «causou um défice nos stocks a nível internacional, levando os preços a subir, compradores a adiar a reposição de stocks e vendedores relutantes em vender», acrescentando que «deste modo, assumindo que a procura tem estado constante ou até um pouco inferior (no caso do cacau), é normal que os preços destas matérias-primas sofram valorizações grandes».