Novobanco em roadshow há quase um ano para vender operação

Novobanco em roadshow há quase um ano para vender operação


Fonte ligada ao sistema financeiro admite que o banco poderá ser vendido por cerca de quatro mil milhões e acena com ‘qualidade dos ativos e boa rendibilidade’.


O tiro de partida para a possível venda do novobanco já foi dado com o fim antecipado do Acordo de Capital Contingente (CCA) entre a instituição financeira, o Fundo de Resolução e a Nani Holdings (acionista do Novo Banco ligada à Lone Star), mas o Nascer do SOL sabe que a administração está quase há um ano a fazer um roadshow pela Europa e pelas principais praças mundiais, a promover o banco. Ao que o nosso jornal apurou, a equipa especializada de promoção do novobanco é dirigida por Maria Fontes que vem da banca de investimento e das relações com investidores e conta com uma equipa de investor relations. «O acolhimento tem sido bom e a partir de agora que podem distribuir dividendos, a instituição financeira fica mais atrativa para um futuro comprador. Penso que em 2025 vão conseguir vender», diz fonte ligada ao sistema financeiro.

E explica a razão do sucesso: «O balanço do banco está enxuto, também não há duvidas, nem incertezas sobre a qualidade dos ativos e tem boa rendibilidade», e diz ainda que tudo aponta para que o novobanco tenha uma valorização à volta dos seis mil milhões. É certo que a este montante é preciso retirar mil milhões de dividendos que foram retidos e que vão agora ser distribuídos aos acionistas e mais mil milhões relativos à participação do Estado e do Fundo de Resolução. «Ainda vão conseguir vender por quatro mil milhões de euros e apesar de a operação estar concentrada em Portugal tem um maior potencial de valor do que o BCP porque o BCP está na Polónia e em Moçambique, é um aglomerado gigantesco e a Polónia é um poço sem fundo que tem vindo a penalizar a atividade do banco. Tudo junto, o BCP é três vezes maior do que o novobanco e os resultados líquidos só ficam 10% acima. Hoje o novobanco vale tanto ou mais do que o BCP», esclarece a mesma fonte.


Um valor bem longe do que foi acordado no momento da venda dos 75% ao fundo norte-americano Lone Star, em outubro de 2017, em que se comprometeu em realizar injeções de capital de mil milhões de euros – 750 milhões no fecho do negócio e mais 250 milhões até ao final desse ano. Os restantes 25% ficaram nas mãos do Fundo de Resolução e não poderia alienar a operação durante três anos.

Manter ou não em mãos nacionais
Na altura, muitas foram as vozes que criticaram este negócio considerando que se estava a alienar o banco a um fundo ‘abutre’ e que iria ser vendido a médio prazo com lucro. E a realidade parece estar à vista. A mesma fonte do sistema financeiro lembra que este é o modus operandi de operadores desta dimensão. «O que estas operadoras fazem é comprarem ativos a preços espremidos e tentam valorizá-los, às vezes corre bem, outras vezes corre mal. A Lone Star não é um banco e aparentemente não quer ser um banco, já tinha tido um banco na Áustria e fizeram uma operação semelhante a esta quando foi a crise de 2008/2011», revela ao nosso jornal e acredita que agora «a ideia é fazer uma oferta pública de venda na ordem dos 30% do capital para ver se realmente há interesse e para ver quem vai a jogo».


Já ao nosso jornal, Vítor Madeira e Adriana Rojão da XTB admitem que «a alienação do banco pode ser considerada adequada se o valor for justo. É essencial que o processo de venda do Novo Banco seja transparente e proteja os contribuintes e o sistema financeiro nacional».


A possível venda do novobanco poderá voltar a pôr em cima da mesa a questão dos bancos que atuam em Portugal estarem, na sua maioria, em mãos estrangeiras. Apenas a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Montepio e o Crédito Agrícola têm capital nacional e contam com cerca de 30% de quota de mercado, o que significa que poderá novamente voltar a ser debatido se faz sentido ter os restantes 70% de quota de mercado em esfera estrangeira. «É muito invulgar ter um peso tão grande em mãos estrangeiras e penso que é caso único na Europa», diz a mesma fonte. «Poderia ser alvo de discussão estratégica já que é tanto ou mais importante do que a TAP. Um banco destes tem mais impacto na economia do que a TAP. Se Portugal já não é dono da infraestrutura elétrica, não é dono da infraestrutura de telecomunicações e não é dono basicamente da nada então tem aqui uma hipótese de resgatar uma parte do setor financeiro».


E dá o exemplo do Santander. «A quem é que empresta em Portugal? Às muito grandes empresas, à República portuguesa e ao crédito à habitação. Quantas farmácias ou supermercados ou empreendedores têm acesso ao crédito no Santander? A resposta é zero, porque quando se tira o centro de competências daqui ficamos dependentes das decisões que vêm de fora. Por que é que o Santander há de arriscar ou de se esforçar para perceber o tecido das PME portuguesas que criam emprego? É mais fácil emprestarem dinheiro a um tipo na Catalunha que quer expandir um negócio do que a um tipo da Bairrada que quer expandir a sua linha de espumantes», questiona a fonte ligada ao setor financeiro.


Estas preocupações chegaram a ser debatidas em 2016 e deram origem a um manifesto que ficou conhecido como sendo contra a espanholização da banca. O documento foi assinado por empresários, banqueiros e outras personalidades que pretendiam combater a ‘transferência’ para Madrid dos centros de decisão sobre o financiamento da economia nacional, em que os principais rostos do movimento eram o empresário Alexandre Patrício Gouveia e o antigo banqueiro João Salgueiro, que entretanto morreu. Na altura, Salgueiro chegou a admitir que que o problema não eram os espanhóis, mas a concentração do capital da banca numa única origem. «Não me agrada nada que estivéssemos na mão dos bancos de um único país, espanhóis ou outros. Se fossem todos chineses também não me agradava, porque perdemos a independência», disse.

Lesados podem travar venda?


Também Vítor Madeira e Adriana Rojão deixam um alerta: «O sistema financeiro português tem demonstrado resiliência e capacidade de adaptação perante desafios como a crise financeira e as intervenções no setor bancário. Contudo, há margem para melhorias, sobretudo no que se refere à transparência, literacia financeira e supervisão das instituições. O Novo Banco deve ser avaliado pelo seu papel no financiamento da economia, pela sustentabilidade das suas operações e pela forma como restaurou a confiança de clientes e investidores».

A possível venda do novobanco já criou uma onda de indignação junto da Associação de Defesa dos Clientes Bancários (ABESD) que conta com quase dois mil lesados que já admitiu que poderá avançar com uma ação de impugnação em relação à alienação da instituição financeira. «O perímetro criado pelo Banco de Portugal aquando da resolução penalizou, ou melhor, formalizou a condição de lesados e vítimas do BES, libertando o Novo Banco para ser vendido e revendido sem as contingências das vítimas e continua por repor a mais básica equidade, pois já tiveram solução os lesados das agências em Portugal Continental mas os lesados, com os mesmos papéis comerciais das sucursais exteriores (fora de Portugal Continental – Ilhas e emigrantes) continuam por ver as suas poupanças de vida repostas», salienta a associação e afirma que «este processo financeiro – o judicial está na fase de julgamento – só poderá ser encerrado quando as vítimas do BES forem ressarcidas do crime económico-financeiro de que foram alvo».

E o presidente da ABESD lamenta toda esta operação: «Que ética e Estado temos, quando as vítimas continuam sem receber as suas poupanças, mas o mesmo Estado recebe dividendos e um fundo de investimento estrangeiro recebe lucros astronómicos no caso de uma dispersão bolsista? Num processo cheio de ‘zonas cinzentas’, a única coisa que fica ‘preto no branco’ é que o ‘BES Bom/novobanco’ só é um ativo valioso porque o BdP e Governos usaram as nossas poupanças e nos tentaram afastar do processo».


Interpretação diferente tem a fonte ligada ao sistema financeiro que ao nosso jornal lembra que os lesados que tinham papel comercial da Rio Forte ou do Espírito Santo Financial Holding Group foram ressarcidos com perda de dinheiro. «Para esse grupo nem sequer há um vislumbre de recuperabilidade do quer que seja. Foram títulos emitidos em praças fora da União Europeia, em sociedades veículos que na prática não existem e abrange relativamente pouca gente e que, ainda por cima, não está em Portugal», o que no seu entender, não lhe vai dar carta branca para travar o processo.