Os hábitos custam a mudar. Um traumatismo num pé, dificuldades respiratórias, uma dor de barriga que não passa. São tudo sintomas que levam os portugueses às urgências dos hospitais, ainda a porta de entrada para o Serviço Nacional de Saúde, onde se arriscam a esperar horas a fio pela triagem, consulta, exames e nova consulta. O problema tem vindo a avolumar-se de ano para ano com notícias frequentes de tragédias por falta de resposta atempada. Os programas de contingência somam-se e aparecem conforme as épocas do ano, tanto no Inverno devido às condições adversas que agravam o estado de saúde da população, como no Verão em que as férias dos profissionais de saúde deixam o SNS incapaz de responder. A linha SNS24 tem sido a grande aposta dos vários titulares da Saúde. Ligar antes de decidir acorrer às urgências hospitalares é indicado por todos como a melhor a solução. Quem não liga arrisca-se a ficar há espera de atendimento durante várias horas. Nos últimos três meses todos os hospitais públicos atenderam mais de 4,6 milhões de pessoas nas urgências . Um número que reflete episódios de urgência de e outras consultas que não entram neste conceito. O problema tem sido exatamente esse: como fazer a triagem e encaminhar os utentes para o SNS sem terem de passar pelos serviços de urgência.
O novo modelo obriga a que os utentes liguem para a linha SNS24 antes de irem às urgências. É por aqui que são encaminhados para os serviços de urgência, para consultas hospitalares ou para o centro de saúde no próprio dia ou no dia seguinte ou são aconselhados a ficar em casa onde serão acompanhados à distância. As exceções, no entanto, são muitas. Há casos em que os serviços de urgência estão mesmo obrigados a avaliar os utentes quer estes tenham ligado ou não. Casos que vão desde infeções como abcessos, hemorragias, traumatismos sofridos nos últimos dois dias ou situações cardiovasculares. Idosos e bebés têm sempre de o ser. As grávidas seguem o mesmo processo, com a particularidade de terem uma linha só para elas.
Um projeto que vem de trás
Em maio de 2023, o anterior Governo, através da Direção Executiva de Fernando Araújo, lançou o projeto ‘Ligue antes, salve vidas’. Começou como um projeto piloto na ULS Póvoa de Varzim/Vila do Conde e os resultados levaram a que fosse estendido a mais ULS. Hoje, são 25 ULS, das 39 que existem, e nos primeiros meses de 2025 está previsto que se estenda a mais oito. A ideia é o utente ligar para a linha SNS 24 em caso de doença aguda e ser posteriormente encaminhado para uma consulta no Centro de Saúde no próprio dia ou no dia seguinte, ou para ficar em casa onde será, supostamente, acompanhado posteriormente pelo SNSou, dependendo da gravidade da situação, seguir para o Serviço de Urgência.
Segundo dados divulgados pela DE-SNS «dos cerca de 670 mil contactos dos doentes com o SNS24 realizados entre maio de 2023 e a passada segunda-feira, mais de 280 mil foram referenciados para os cuidados de saúde primários e cerca de 70 mil ficaram em autocuidados, totalizando cerca de 350 mil doentes». Os restantes eram de facto episódios de urgência. Tendo em conta o número de ULS que passaram a aderir a este projeto nos últimos meses, desde 1 de outubro, até à passada segunda-feira, foram referenciados e agendados cerca de 144 mil doentes para os cuidados de saúde primários e cerca de 31 mil ficaram em autocuidados, totalizando cerca de 175 mil doentes. Ou seja, cerca de metade dos doentes desviados dos serviços de urgência desde o início do programa.
As novas regras
Quem chegar às urgências hospitalares sem ter ligado antes para a linha SNS 24, que não tenha sido levado pelo INEM, ou indicado por um médico seja dos CSP ou não, tem de se sujeitar à Triagem de Manchester e terá esperar, uma vez que será ultrapassado por quem foi encaminhado pelas outras vias. Se receber uma pulseira verde ou azul, as menos graves, terá direito a que lhe seja marcada uma consulta no próprio hospital para esse dia ou para o dia seguinte. A outra possibilidade é ligar do próprio hospital para o SNS 24 como se estivesse em casa e será encaminhado para onde os enfermeiro da linha indicar conforme a triagem feita por telefone. As exceções em que os serviços de urgência estão obrigados a avaliar o doente, estão abertas a vários acasos: crianças com menos de um ano ou idosos com mais de 70 anos, utentes que tenham sofrido traumas nas últimas 48 horas, pessoas com sintomas de doenças cardiovasculares, em cadeiras de rodas com incapacidade de mobilidade ou acamados. Assim como outras indicações mais difusas como «situações agudas, do foro psiquiátrico, obstétrica ou outras desde que necessitem de tratamento urgente e inadiável» . Nos serviços de urgência, o doente é visto por enfermeiros nas chamada triagem de prioridades, a de Manchester, que determina o tempo de espera, ou seja, o nível de urgência. Enquanto o SNS 24 encaminha para o tipo de serviço ao qual o utente deve recorrer, o Serviço de Urgência indica o tempo de espera para observação médica no próprio hospital.
Urgências de obstetrícia
Desde o início desta semana que as grávidas da Região de Lisboa e Vale do Tejo, incluindo o Hospital Distrital de Leiria, também têm de ligar para a linha SNS 24 para acederam às urgências hospitalares de Obstetrícia e Ginecologia. Um novo modelo que será também piloto e que deverá ser avaliado em março do próximo ano. Neste caso, o atendimento telefónico será realizado pela linha SNS Grávida/Ginecologia. O processo é igual ao dos restantes utentes, a grávida será «orientada para o local de atendimento mais adequado (consulta aberta no hospital ou nos CSP, consulta no hospital ou nos CSP), sendo garantido o agendamento efetivo no prazo máximo de um dia útil», segundo o diploma que consagra este novo modelo. No caso das grávidas a Saúde 24 possui um algoritmo que determina se as grávidas serão encaminhadas para um centro de saúde, para as consultas abertas dos hospitais ou, em casos mais graves, para as urgências.
O sistema de triagem pela linha de saúde estará para já em vigor em todos os hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo, com exceção do Garcia de Orta (Almada), São Bernardo (Setúbal) e hospital do Barreiro. No Norte, os hospitais de Gaia, Centro Materno Infantil do Norte, também integraram o projeto e no Sul apenas o hospital de Portalegre. Uma das prerrogativas para as ULS aderirem a este modelo é terem consulta aberta nos próprios hospitais «para situações obstétricas e ginecológicas em horário adaptável à procura, em funcionamento todos os dias úteis; terem um mecanismo de agendamento célere de uma consulta aberta hospitalar, ou nos cuidados de saúde primários».
No entanto, nem todas as grávidas têm de ligar para o SNS24 antes de recorrem aos serviços de urgência . Em casos de «risco iminente de vida: perda de consciência, convulsões, dificuldade respiratória, hemorragia abundante, traumatismo grave ou dores muito intensas», são obrigatoriamente atendidas nos hospitais sem triagem prévia pela linha telefónica.
Um piloto para crianças
O Hospital Fernando da Fonseca é o único que tem um modelo de urgências apenas para crianças. Em todas as outras ULS, a pediatria funciona como todas as outras especialidades. O projeto-piloto tem quatro áreas de atuação: urgência pediátrica hospitalar referenciada; consulta de doença aguda; triagem pré-hospitalar e educação e literacia. Tendo em conta que mais de 70% das urgências pediátricas neste hospital são situações em que aos doentes é dada a pulseira verde ou azul, ou seja, situações não urgentes, o hospital quer forçar que nestes casos se ligue para o SNS2 antes de recorrer às urgências. Tosse, febre, náuseas, vómitos, são os sintomas que levam pais e mães a levar os filhos às urgências sem aparente necessidade. Nestes casos, os doentes são encaminhados para a consulta de pediatria, num período de 24 horas.
Assim, segundo este projeto que se pretende expandir para todas as ULS depois de avaliado, o hospital garante que as urgências pediátricas estão abertas das 8h às 20h a todas as crianças e das 20h às 8h, aos doentes trazidos pelo INEM, referenciados pela linha SNS 24 e os que foram referenciados por outras instituições de saúde ou por um profissional de saúde médico. Caso o SNS 24 determine que a situação não sendo urgente deve ser avaliada por um médico no prazo de 24 horas, a chamada telefónica é transferida para o hospital que marca a respetiva consulta. A diferença neste projeto piloto é que as crianças não são encaminhadas para qualquer consulta no centro de saúde mas para a própria unidade hospitalar.
Consideram-se «problemas de saúde não emergentes/urgentes, segundo o hospital, dor ligeira a moderada; tosse persistente; febre; náuseas ou vómito alimentar; diarreia; alteração da tensão arterial (sem outras queixas); choro persistente da criança; comichão ou alterações da pele». Ou seja, a grande maioria dos acasos que levam as pesssoas a levar os filhos aos serviços de urgências.