Talvez o paralelo seja demasiado fácil e simplista, mas torna-se quase irresistível evocar o mito da caixa de Pandora quando falamos nas mudanças de regime no Médio Oriente. A queda de um ditador acarreta riscos imprevisíveis e impossíveis de acautelar. Até porque é fácil haver união na oposição a um inimigo comum, mas, uma vez derrubado esse inimigo, vêm ao de cima as divergências no seio dos opositores.
Os casos do Iraque e da Líbia são exemplares. Evidentemente, nem Saddam Hussein nem Kadhafi eram grandes filantropos e ambos tinham na sua conta pessoal uma razoável lista de massacres. No caso de Saddam, George W. Bush precisava de um bode expiatório para o qual dirigir a fúria americana depois dos ataques de 11 de setembro de 2001 – e a história das armas de destruição maciça, depois completamente desmentida, forneceu-lhe o álibi perfeito.
No caso de Kadhafi, o seu pecado capital foi talvez o chorudo financiamento à campanha de Nicolas Sarkozy, que o próprio revelou a uma jornalista francesa em 2011, curiosamente apenas alguns meses antes da sua morte. Um financiamento, claro, cujo rasto importava apagar.
Tanto Saddam como Kadhafi eram figuras detestáveis, com as mãos manchadas de sangue. Mas o que se seguiu à sua queda foi pior do que os crimes dos respetivos regimes. Como resumiu de forma lapidar Robert Kaplan, especialista em geoestratégia e relações internacionais, que esteve cinco vezes no Iraque (antes e depois da queda de Saddam): “A anarquia é ainda pior do que a tirania. A ausência de ordem é pior do que a ordem, por muito repressiva que seja.” Sublinho: “por muito repressiva que seja”.
E, por falar em repressão, basta olhar para as fotografias de Aleppo em 2021 para ver até que ponto o regime de Bashar al-Assad castigou o seu próprio povo.
Mas, agora que o antigo dentista foi deposto, resta saber quem ganha com a mudança. Para já, parece óbvio que não são os valores da democracia, da tolerância e do humanismo. Talvez, apesar de tudo, com al-Assad no poder pudéssemos dormir mais descansados…
Já falámos do Iraque e da Líbia. No Afeganistão, a intervenção americana também não trouxe nada de bom, como se sabe. Mas talvez em toda esta sucessão de revoltas e reviravoltas no Médio Oriente haja um caso de sucesso. Um único: o Egito, onde a queda de Mubarak acabou por levar à ascensão de Al-Sisi. Também é um ditador, mas pelo menos é um ditador dos nossos.