O ano de 2024 confirmou-se como mais um capítulo desafiador para o mercado de habitação em Portugal. Apesar de uma década marcada por uma valorização implacável dos preços — 105,8% entre 2015 e 2023, a quarta taxa mais elevada da União Europeia — o panorama deste ano revelou que o problema vai além da elevada procura e das taxas de juro. A habitação permanece como um dos temas mais sensíveis e estruturantes para o futuro do país.
Em 2024, o valor mediano de avaliação bancária aumentou 11% nos dez primeiros meses do ano, uma progressão sustentada por vários fatores. A taxa de juro implícita do crédito à habitação mostrou uma ligeira descida, atingindo 4,277% em outubro, e as medidas governamentais, como isenções fiscais para jovens, estimularam a procura. Ademais, a presença de investidores estrangeiros consolidou-se, com um investimento superior a €2.500 milhões no setor, enquanto o saldo migratório positivo reforçou ainda mais a pressão sobre a habitação.
No entanto, este cenário não é apenas uma questão de procura crescente. A resposta da oferta continua muito aquém do necessário. Um dos entraves é o défice crónico de mão-de-obra qualificada na construção — entre 80.000 e 90.000 profissionais —, que contribuiu para o aumento dos custos, mesmo com a estabilização dos preços dos materiais. A incapacidade de regularização de imigrantes agrava esta situação, causando atrasos em projetos cruciais, como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
No segmento de arrendamento, que poderia aliviar a pressão sobre os potenciais compradores, o cenário também é sombrio. As rendas efetivas aumentaram 7,2%, entre outubro de 2023 e outubro de 2024, enquanto a oferta de novos contratos permaneceu estagnada nos grandes centros urbanos. Este é um reflexo do elevado número de fogos vagos não colocados no mercado, um problema que as políticas públicas tentam endereçar.
Uma das iniciativas mais significativas de 2024 foi o programa “Construir Portugal”, que visa reforçar a oferta através de medidas como a simplificação administrativa, a afetação de solo rústico à habitação acessível e a concessão de “bónus urbanísticos”. Outra ação relevante foi o aumento do número de fogos de habitação social inscritos no PRR, de 26.000 para 59.000 até 2030, com um reforço de €2.800 milhões previsto no Orçamento de Estado para 2025.
Mas será que estas medidas serão suficientes para inverter a tendência? A verdade é que as dificuldades estruturais — como a falta de mão-de-obra e os atrasos crónicos na execução de projetos — não se resolvem do dia para a noite. Ainda assim, a introdução de inovações no setor da construção, como a adoção de técnicas modulares e industrializadas, pode representar uma esperança para aumentar a oferta e estabilizar os preços a médio prazo.
O ano de 2025 surge como um momento crítico para o setor da habitação em Portugal. A política monetária do Banco Central Europeu (BCE) aponta para uma descida das taxas de juro, o que pode dinamizar ainda mais o crédito à habitação e, consequentemente, a procura. Este cenário é favorecido por previsões económicas positivas, incluindo um crescimento do PIB acima de 2%, baixos níveis de desemprego e uma inflação moderada.
Contudo, a questão crítica será a capacidade de resposta da oferta. As iniciativas lançadas em 2024 no âmbito do programa “Construir Portugal” começarão a ser testadas na prática, mas os seus impactos podem não ser imediatos. A dependência de mão-de-obra qualificada continua a ser um entrave significativo, e a introdução de tecnologias de construção modular precisará de uma implementação acelerada para produzir resultados relevantes a curto prazo.
Uma área de destaque em 2025 será a habitação social. O aumento dos recursos alocados no PRR e no Orçamento de Estado traz esperanças para um incremento significativo da oferta de habitação para os segmentos mais vulneráveis. Contudo, a execução destes projetos dependerá de uma coordenação eficaz entre o governo, as autarquias e os agentes do setor privado.
Em paralelo, a pressão exercida pela necessidade de cumprimento dos prazos do PRR deve impulsionar mudanças estruturais na indústria da construção. A expansão do uso de tecnologias modulares e industrializadas poderá não apenas reduzir custos, mas também mitigar a dependência de mão-de-obra intensiva. Esta transformação, embora desafiadora, poderá ser uma das chaves para resolver o problema da oferta a médio e longo prazo.
Além disso, espera-se que os esforços para mobilizar os fogos vagos continuem a ser uma prioridade. Programas como o “Porta 65” poderão ser ampliados para facilitar o acesso ao arrendamento por jovens e famílias em situação de vulnerabilidade. A revitalização do mercado de arrendamento será essencial para oferecer alternativas à compra, promovendo maior equilíbrio no setor habitacional.
Olhando além de 2025, o futuro da habitação em Portugal dependerá de uma combinação de fatores. A sustentabilidade do mercado exigirá a implementação eficaz das políticas de oferta, em particular da oferta de habitação a preços acessíveis. O planeamento urbano inclusivo, aliado a uma gestão eficiente dos recursos públicos e privados, será essencial para criar soluções habitacionais que respondam às necessidades da população.
Em suma, 2025 será um ano de transição, no qual as medidas de 2024 precisam de começar a mostrar resultados. Sem uma resposta efetiva e coordenada, o mercado de habitação continuará a ser marcado por pressões ascendentes nos preços e dificuldades de acesso. Contudo, o fortalecimento das políticas habitacionais e a aposta em inovação podem plantar as sementes para um mercado mais equilibrado no futuro. O sucesso desta transição dependerá da capacidade do país em transformar as boas intenções em resultados concretos.
Especialista em Habitação e coautor do livro “Políticas Locais de Habitação”