O setor energético encontra-se numa transformação acelerada de transição de uma matriz fóssil, poluente e bem estabelecida, para uma mais renovável, limpa e em implementação gradual. Ultimamente, temos assistido a um debate crescente sobre o papel dos setores elétrico e do gás na promoção de um futuro mais sustentável. Ambos têm vantagens e desvantagens e é crucial analisar como podem coexistir e complementar-se. A estratégia de transição energética de Portugal mostra como estas duas indústrias podem ser exploradas de forma sinérgica, tendo em conta os avanços na integração de mais fontes renováveis na rede, as novas tecnologias emergentes e os desafios económicos, como o elevado custo de reforço das redes elétricas e do aço necessário para a construção de mais gasodutos regionais e nacionais.
O setor elétrico tem sido o grande protagonista da transição energética, especialmente com a crescente penetração de energias renováveis. De 2015 até 2024, a potência instalada em Portugal de energias renováveis cresceu 63% e a produção de energia elétrica (renovável) aumentou 65%. A eletrificação de consumos oferece vantagens óbvias: é mais limpa, mais eficiente e, com a redução nos custos de tecnologias de armazenamento, como o caso das baterias, é cada vez mais economicamente viável. Nos últimos 10 anos, o custo de armazenamento de energia elétrica em baterias desceu de 500 €/kWh para 150 €/kWh ao nível doméstico, uma redução que se explica em parte pela maior capacidade de reciclagem, evitando a necessidade de extração da natureza. A previsível queda acentuada contínua no preço das baterias pode permitir a criação de uma infraestrutura de armazenamento mais robusta, essencial para lidar com a intermitência natural das fontes renováveis.
A aposta numa rede elétrica inteligente e eficiente (o sistema elétrico do futuro) está a ganhar tração devido ao superpoder computacional que dispomos nos dias de hoje. Estas tecnologias permitem monitorizar e gerir o consumo de energia em tempo real em função do custo, otimizando a distribuição e reduzindo perdas, enquanto podem detetar anomalias e prevenir danos às infraestruturas. A transição para uma smart grid também facilita a integração de mais veículos elétricos e a consequente implementação de novas tecnologias como vehicle-to-grid, uma solução emergente que permite que os veículos possam devolver energia elétrica à rede (assente num posto de carregamento bidirecional) num ambiente de mercado.
Existem setores onde a transição energética ainda enfrenta barreiras tecnológicas, de engenharia e económicas. Por exemplo, a eletrificação total de indústrias de alta intensidade energética, como a siderurgia do aço ou a produção de cimento, vidro ou a cerâmica, ainda está longe de ser uma realidade viável, devido à natureza dos próprios processos de transferência de calor. O mesmo acontece no aquecimento de edifícios, especialmente em regiões onde a eletricidade não é competitiva em comparação com outras fontes de energia. Para uma rede elétrica com um custo equivalente a uma rede de gás, a segunda transporta entre 15 a 30 vezes mais energia, além de armazenar e transportar energia, enquanto a rede elétrica apenas garante o transporte.
Neste sentido, o gás natural e os gases renováveis, como o hidrogénio verde, vão continuar a desempenhar um papel central na matriz energética geral, porque já possuem um reservatório (o gasoduto) para serem armazenados. Em Portugal, o gás natural ainda é uma fonte primária de energia fundamental para garantir a segurança do fornecimento e a estabilidade da rede, especialmente em períodos de elevada procura ou baixa produção renovável.
Embora o gás esteja frequentemente associado às emissões de carbono é importante lembrar que, a curto e médio prazo, será difícil, e talvez pouco eficiente, eliminar completamente a sua utilização. O setor do gás tem a vantagem de ser flexível, fiável e já contar com uma infraestrutura de transporte bem estabelecida, paga, e um nível de prontidão tecnológica máximo (TRL 9). Nos próximos anos, a crescente introdução de gases renováveis no gasoduto nacional pode permitir que o setor continue a ser relevante, contribuindo para a descarbonização do planeta. Adicionalmente, o gás continua a ser indispensável em setores que, atualmente, não podem ser eletrificados de forma competitiva. Os transportes marítimos e aéreos, por exemplo, ainda dependem fortemente de combustíveis fósseis líquidos e o hidrogénio verde, produzido a partir de eletricidade renovável (eletrólise da água) e fornecido a pilhas de combustível, turbinas a gás ou motores de combustão interna, poderá, eventualmente, ser uma das soluções para os gradualmente substituir. Para isso são necessários avanços tecnológicos contínuos e uma redução nos custos de produção do hidrogénio para valores próximos de 1 €/kg a que se espera chegar nos próximos 10 anos.
O setor elétrico e o do gás não devem ser vistos como concorrentes ou inimigos viscerais. A transição para uma economia de baixo carbono exigirá uma abordagem integrada e gradual no tempo para garantir uma matriz energética resiliente, sustentável e a um custo competitivo. Portugal, com a sua aposta em geração renovável e em infraestruturas modernas, está bem posicionado para liderar/acompanhar esta transição. Contudo, é crucial garantir que o planeamento estratégico e as políticas públicas acompanhem a rápida evolução tecnológica, permitindo que estes setores se adaptem às rápidas exigências do futuro.
Investigadores do Instituto Superior Técnico