Partilhar sem ler. Estudo expõe comportamento comum nas redes sociais

Partilhar sem ler. Estudo expõe comportamento comum nas redes sociais


A análise de mais de 35 milhões de publicações públicas mostrou que 75% dos links foram partilhados sem que as pessoas tivessem clicado nos mesmos.


Um estudo liderado por investigadores da Universidade Penn State revelou que a maioria dos links partilhados no Facebook entre 2017 e 2020 foi publicada sem que os utilizadores os tivessem lido.

A análise de mais de 35 milhões de publicações públicas mostrou que 75% dos links foram partilhados sem que as pessoas tivessem clicado nos mesmos. O estudo, divulgado no dia 19 de novembro na revista Nature Human Behavior, alerta para os riscos de disseminação de desinformação no ambiente digital.

“Foi uma grande surpresa descobrir que mais de 75% dos links partilhados no Facebook não foram acedidos antes”, afirmou o professor S. Shyam Sundar, principal autor do estudo. Explicou que tal contraria a suposição de que as pessoas leem e refletem sobre o conteúdo que partilham.

“Esperávamos que algumas pessoas ocasionalmente partilhassem sem pensar, mas a maioria agir assim? Foi uma descoberta surpreendente e muito preocupante”, frisou.

Os dados, obtidos por meio do consórcio Social Science One, em parceria com a Meta, incluíram informações demográficas e comportamentais dos utilizadores. O estudo classificou os utilizadores em cinco grupos políticos, de “muito liberais” a “muito conservadores”, com base nas páginas que seguem na plataforma.

Além disso, um algoritmo treinado pelos investigadores analisou 35 milhões de links partilhados mais de 100 vezes para determinar o seu conteúdo político.

Segundo os investigadores, links com conteúdo alinhado com a visão política dos utilizadores — tanto conservadores quanto liberais — eram mais propensos a serem partilhados sem leitura. Isto sugere que as pessoas reagem superficialmente ao conteúdo, baseando-se apenas nos títulos ou resumos.

“Eles estão simplesmente a partilhar coisas que parecem concordar, à primeira vista, com a sua ideologia política, sem perceber que podem estar a partilhar informações falsas”, explicou Eugene Cho Snyder, professor da New Jersey Institute of Technology e coautor do estudo.

A equipa identificou 2.969 URLs com conteúdo falso, partilhados mais de 41 milhões de vezes. A maioria (82%) dessas publicações nasceu de domínios de notícias conservadores. Entre os utilizadores que partilharam links falsos sem clicar, 76,94% eram conservadores e 14,25% liberais.

Para combater o problema, Sundar sugere que as plataformas implementem mecanismos para desacelerar o processo de partilha, como avisos que solicitem a leitura do conteúdo antes de publicar.

“A superficialidade na leitura de manchetes pode ser perigosa, especialmente quando informações falsas estão em jogo”, disse. Acrescentou que muitas vezes os utilizadores confiam em quem está na sua rede, assumindo que o conteúdo já foi verificado, o que nem sempre ocorre.

Ainda assim, Sundar ressalta que medidas tecnológicas não impedem campanhas intencionais de desinformação. “Essas campanhas visam semear dúvidas e divisões em democracias. Se as pessoas partilham sem ler, podem estar a contribuir, mesmo sem querer, para esses esforços de adversários que procuram gerar desconfiança”, mencionou.

O professor acredita que o excesso de informações e a falta de reflexão levam ao comportamento observado. Espera que o estudo incentive os utilizadores a tornarem-se mais críticos e responsáveis no consumo e partilha de conteúdo online.

Este estudo contou com a colaboração de Junjun Yin e Guangqing Chi, da Penn State; Mengqi Liao, da Universidade da Geórgia; e Jinping Wang, da Universidade da Flórida. O Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais de Nova Iorque financiou o estudo.

O que dizem outros estudos?

Há outros estudos que exploram o comportamento de partilhar conteúdos online sem antes lê-los. Por exemplo, um estudo realizado pela Universidade Columbia em parceria com o Instituto Nacional Francês, em 2016, revelou que 59% dos links partilhados em redes sociais são divulgados sem que o conteúdo tenha sido lido pelos utilizadores. A descoberta sublinha uma tendência preocupante no consumo de informações digitais.

O estudo foi motivado por uma experiência satírica do site The Science Post, que publicou um artigo intitulado ‘Estudo: 70% dos utilizadores do Facebook só leem o título de histórias científicas antes de comentar’. Curiosamente, o corpo do texto continha apenas palavras de preenchimento (lorem ipsum), mas ainda assim a publicação foi partilhada 46 mil vezes.

“Hoje em dia, as pessoas estão mais dispostas a partilhar um artigo do que a lê-lo”, afirmou, à época, Arnaud Legout, coautor do estudo. “Esse comportamento é típico do consumo moderno de informações, em que opiniões são formadas a partir de resumos ou resumos de resumos, sem esforço para procurar detalhes”, observou.

Ao monitorizar os cliques e partilhas de cinco grandes órgãos de informação durante um mês, os investigadores constataram que, em grande parte, os utilizadores partilham conteúdos sem aceder aos links. Este comportamento reflete um consumo de media mais focado em manchetes e resumos, o que representa desafios tanto para jornalistas quanto para profissionais de marketing.

O estudo destaca que métricas comuns de engajamento nas redes sociais, como gostos e partilhas, nem sempre são indicativas de um verdadeiro interesse ou interação com o conteúdo. Segundo os autores do estudo, o fenómeno de ‘viralização’ depende mais do título ou texto introdutório nas publicações do que do conteúdo em si, revelando a superficialidade com que muitas informações são consumidas.

Outro dado interessante do estudo aponta que, no Twitter, a maioria dos cliques em links partilhados veio de utilizadores regulares, e não das contas oficiais dos órgãos de informação. Tal sugere que a partilha por influenciadores tem um papel muito mais relevante para a viralização do que as publicações diretas dos produtores de conteúdo.

Esta dinâmica, à semelhança daquela frisada pelo estudo mais recente, reforça a importância de uma análise crítica das métricas digitais e levanta questionamentos sobre a forma como a informação é disseminada e recebida na era das redes sociais.