“Wokismo”. Um movimento de justiça social ou de extrema-esquerda?

“Wokismo”. Um movimento de justiça social ou de extrema-esquerda?


Para uns, um movimento de justiça e causas sociais. Para outros, sinónimo de extremismo e de superioridade moral. Uma viagem.


“Acordar” é o significado literal da palavra woke, mas o conceito tem vindo a ganhar significados mais amplos. Nascido do ativismo racial nos Estados Unidos e expandido para outras causas sociais, como direitos LGBTQIA+ e feminismo, o wokismo passou de um movimento de conscientização para um campo de batalhas culturais, com impacto em escolas, universidades e até nas urnas americanas.


Originalmente, o termo woke tem raízes na cultura afro-americana, nos movimentos de ativismo social e cultural, e foi popularizado na década de 1960 com o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos. Influenciado pelo pós-modernismo e pelo ativismo dos anos 60 e 70, estes movimentos procuravam desafiar as narrativas hegemónicas, incluindo conceitos de raça, género e poder.


O termo ressurgiu na última década com os movimentos Black Lives Matter, criado com o objetivo de denunciar a brutalidade policial contra as pessoas afrodescendentes, e o #MeToo, contra o assédio e a agressão sexual.
Rapidamente, o wokismo chegou às redes sociais e tornou-se sinónimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de género neutro, o multiculturalismo ou o direito ao aborto. Mas, enquanto uns vêm o movimento com bons olhos, outros culpam a “cultura woke” do fomento ao “politicamente correto” e da “cultura do cancelamento” e acusam os seus defensores de censura ideológica.

Impacto da cultura “woke” na educação No ambiente acadêmico, o wokismo teve grande impacto, com mudanças curriculares e maior foco em diversidade e inclusão. As universidades passaram a incluir debates sobre racismo estrutural e identidade de género, enquanto algumas escolas adotaram políticas para criar “espaços seguros”. Apesar dos avanços, a introdução destas temáticas nas escolas não é de todo consensual.
Um caso simbólico foi a demissão da presidente de uma das mais prestigiadas universidades do mundo, alegadamente, devido à sua reação aos protestos anti-israelitas nos campus da universidade de Harvard. Claudine Gay, professora de ciências políticas, tinha tomado posse em julho, tornando-se a primeira reitora negra de Harvard, mas poucos meses depois abandonou o cargo por ter sido acusada de não ter feito o suficiente para garantir a segurança de professores e de alunos judeus da universidade.
Mas a cultura woke não parou apenas às portas das universidades americanas. Por cá, a introdução da disciplina de Cidadania, que aborda temas como os direitos humanos, educação ambiental, igualdade de género e sexualidade, gerou um enorme ruído, com pais a recusarem-se a deixar os filhos participar nas aulas por receio de “lavagens cerebrais” de extrema-esquerda e do ensino da “ideologia de género”.


Recentemente, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, decidiu anunciar uma revisão dos programas de Ensino Básico e Secundário, que vão incluir mudanças na disciplina de forma a aliviar “a disciplina das amarras a projetos ideológicos ou de fação”. A medida mereceu aplausos da Direita mais conservadora, especialmente do CDS-PP, com Nuno Melo a referir que “há muitos anos” luta “contra a ideologia colocada na Educação através duma disciplina que deve ser virada para o futuro dos jovens”.
Mas as polémicas não ficam por aqui. Em dezembro de 2023, o Parlamento aprovou o direito à autodeterminação de género nas escolas, outra das bandeiras da cultura woke.


De acordo com o documento, as escolas devem definir “canais de comunicação e detecção”, identificando um responsável “a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde ao sexo atribuído à nascença”. Entre as principais mudanças, a lei refere que as escolas devem proceder à mudança do nome e género nos documentos administrativos, conforme o género auto-atribuído, e que os alunos, “no exercício dos seus direitos e tendo presente a sua vontade expressa, acedem às casas de banho e balneários, assegurando o bem-estar de todos, procedendo-se às adaptações que se considerem necessárias”.


Enquanto vozes críticas argumentaram que estas medidas violavam direitos parentais e artigos da Constituição Portuguesa, por se tratarem de menores de idade, muitos consideraram estas políticas um avanço na proteção dos direitos de jovens transgénero.

Linguagem neutra: uma controvérsia sem género A própria introdução dos termos “transgénero”, “fluído” ou “não binário” e o surgimento de novas identidades sexuais têm sido associadas aos discursos dos defensores da cultura woke, o que também tem merecido debates acalorados.
A ideia da neutralidade de género está muito ligada ao wokismo e aos movimentos feministas, com o objetivo de reconhecer identidades além do binário masculino-feminino e desafiar estereótipos de género.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), “a palavra ‘sexo’ refere-se às características biológicas e fisiológicas que diferenciam os homens das mulheres”, enquanto “a palavra ‘género’ é usada para se referir a papéis determinados socialmente, comportamentos, atividades e atributos que uma sociedade considera apropriados para homens e mulheres”.


Enquanto tradicionalmente a perspetiva binária (reconhecimento de dois géneros, o masculino e o feminino) é a mais consensual, há hoje perspetivas ampliadas que incluem dezenas de identidades como não-binário, genderqueer, agênero, demigênero, entre outras.


No Facebook já é possível os utilizadores descreverem-se no seu perfil como “homem”, “mulher”, entre outras identidades de género disponível. Já no Instagram é dada a possibilidade de cada utilizador escolher o pronome com que mais se identifica.


Mas esta questão não se cinge apenas às redes sociais e pode mesmo ter implicações a nível político. Exemplo disso foi a medida tomada recentemente pela Direção-Geral da Saúde (DGS) de trocar as cores rosa e azul nos boletins de saúde infantil e juvenil, pelo amarelo, uma cor mais neutra.


No entanto, a alteração da cor do boletim não durou muito tempo. Após uma onda de críticas, o Ministério da Saúde exigiu o recuo da medida e o boletim vai continuar a ser azul para os rapazes e rosa para as raparigas, signiificando para muitos uma derrota do wokismo.


Outra das formas defendidas pelo movimento para incluir toda esta diversidade de géneros tem sido a introdução de uma “linguagem neutra” ou inclusiva, no léxico comum. Por exemplo, no português, termos como “todxs” ou “todes” seriam utilizados para substituir a palavra “todos” (forma masculina genérica), considerada excludente. Há ainda propostas de substituição de pronomes e alterações gramaticais, como o uso do “elu” para se referir a pessoas não binárias.


Alguns críticos do wokismo associam a linguagem neutra a uma imposição ideológica, afirmando que essas mudanças podem ser percebidas como coercivas e radicais.


Recentemente, o Ministério da Juventude e Modernização, liderado por Margarida Balseiro Lopes, defendeu uma “linguagem neutra” quando se fala sobre “produtos menstruais”. Em causa estaria a utilização do termo “pessoas que menstruam”, em substituição de “mulheres”.
Numa entrevista ao Observador, Bruno Vitorino, deputado do Partido Social Democrata (PSD), expressou publicamente o seu descontentamento,acusando a ministra de utilizar “linguagem do Bloco de Esquerda para defender o indefensável”, contrariando o que é, segundo ele, a prática e a tradição do PSD, que historicamente se opõe à “agenda woke” e às chamadas “guerras culturais”.