Esquimós. Viver com temperaturas abaixo dos 45 graus celsius


Chamamos-lhes “esquimós”, mas preferem “inuit”. Atualmente os seus hábitos estão diferentes. No entanto, não deixam de mostrar como é possível lidar com temperaturas que muitos de nós nunca sentimos. Afinal, como vivem estas comunidades?


Ao pensarmos no frio, é natural que façamos a associação com as comunidades indígenas que vivem em regiões como o Polo Norte, Alasca ou Ártico, mais conhecidos como esquimós. Com os olhos rasgados, a pele escura, as vestimentas de pelo de animal e, claro, os famosos iglus… Em pequenos, os nossos pais ensinam-nos o “beijinho à esquimó”. No entanto, muitos não sabem a origem da expressão. Aliás, sabemos que vivem em lugares com temperaturas extremas que vão até aos -45 graus celsius, mas pouco conhecemos sobre o seu modo de vida.

Nanook, o Esquimó

Foi em 1922 que o mundo ficou a conhecer, pela primeira vez, um bocadinho mais sobre estes grupos tão peculiares. Nanook, o Esquimó, realizado por Robert Flaherty é, ainda hoje, considerado uma obra de referência da História do Cinema. O filme consagra um conjunto de princípios em função do qual viriam a estabelecer-se os elementos de identificação do documentário e foi construído depois de “uma longa série de explorações que o realizador fez no Norte de Ungava – no norte do Canadá –, entre 1919 e 1916”. “A maior parte da expedição foi feita em jornadas de vários meses com apenas dois ou três esquimós como meus companheiros”, explica Flaherty no prefácio da obra, acrescentando que essa experiência lhe deu “uma visão das suas vidas e um profundo respeito por eles”.

Esta é, por isso, “uma história de vida e amor no ártico real”: “Nenhuma outra raça sobreviveria à esterilidade do solo e rigor do clima. Ainda assim, aqui, dependendo totalmente da vida animal, única fonte de rendimento, vive a gente mais alegre do mundo – os valentes, queridos e felizes esquimós”, adianta. A verdade é que, já na altura, muitos dos hábitos da comunidade, filmados por Flaherty, estavam a entrar em desuso. Muitas cenas acabaram por ser encenadas, num exercício de partilha entre os nativos e o realizador. No entanto, muitas outras coisas permitiram retratar fielmente a rotina dos esquimós na altura.

O documentário acompanha a rotina de Nanook, da sua família e dos seus huskies – que puxavam os trenós com que se deslocavam. Os registos mostram o grupo a caçar focas e tratar da sua pele, a construir iglus, carregando grandes cubos de gelo, a trocar peles por utensílios com mercadores canadianos no inverno infernal do Ártico. Momentos quotidianos como quando o esquimó ensina o seu filho a caçar usando um pequeno arco e flecha para acertar num ursinho polar feito de neve, misturam-se com o drama da busca por alimentos no meio do ambiente hostil de um deserto de neve.

Nome e hábitos

Mas, afinal, como vivem os esquimós atualmente? Comecemos pelo nome que tem sido amplamente utilizado para se referir aos povos indígenas do Ártico, incluindo os habitantes da Gronelândia… Há quem defenda que a utilização do termo é pejorativa, já que tem várias traduções controversas. Segundo The Canadian Encyclopedia, uma delas refere-se a “comedores de carne crua” e teve origem no século XVI. Diz-se ter sido cunhada por um jesuíta francês. Uma outra versão diz que esta teve origem algonquina, mais especificamente, innu-aimun, que se traduz para uma pessoa que “amarra um sapato de neve”. Já o antropólogo José Mailhot, do Canadá, em 1978, sugeriu que esquimó significa “pessoas que falam uma língua diferente”. Com o passar dos tempos, a palavra esquimó tem sido substituída por “ inuit” ou “inuítes”, que significa “povo”, na sua língua.

Nestas comunidades, por norma, as mulheres têm a responsabilidade de cozinhar e costurar, já os homens pescam e caçam. Devido ao frio, gelo e neve, é impossível manter culturas como frutas, legumes, verduras e cereais, por isso, a sua dieta é carnívora. Pela falta de recursos, praticamente tudo dos animais caçados é aproveitado: carne, gordura, pele, ossos e intestinos. Da sua dieta alimentar fazem parte o salmão, focas, ursos polares, baleias, renas, raposas e algumas aves. Devido à escassez de fogo, a carne é comida defumada. No Inverno, o alimento fica escasso. Por isso, os homens saem em expedições que podem durar vários dias.

Relativamente às vestimentas, a base é, na maior parte das vezes, pele de foca, de urso e de raposa. Os pelos ficam virados para dentro para melhorar o aquecimento. São as mulheres que mascam o couro e o deixam em repouso na urina. Para facilitar a costura, são usados os tendões dos próprios animais.

Construção dos iglus

“Historicamente, os inuits do Ártico viviam em iglus antes da introdução de casas modernas de estilo europeu. Embora os iglus já não sejam o tipo comum de habitação usado, estes continuam culturalmente importantes nas comunidades do Ártico e também retêm valor prático: alguns caçadores e aqueles que buscam abrigo de emergência ainda os usam”, explica ainda The Canadian Encyclopedia. Estas construções, usadas como abrigo contra o frio extremo em regiões polares, são feitas a partir da junção de blocos compactos de neve, dispostos em formato de uma espiral ascendente: começam um pouco abaixo do nível do solo, para evitar a entrada de ar frio por baixo.

Comummente, os iglus tinham cerca de 3 a 3,5 m de altura e 3,5 a 4,5 m de diâmetro (geralmente abrigavam uma família). Os maiores podiam acomodar até cerca de 20 pessoas. Algumas comunidades também construíram iglus menores — com cerca de 1,5 m de altura e 2 m de diâmetro — para abrigá-los durante uma tempestade.

Eram utilizadas facas feitas de osso de baleia ou metal para cortar grandes blocos de neve. Esses blocos formam as paredes inclinadas para dentro do iglu. O documentário de 1922 dá a conhecer o processo: os blocos de neve são usados para cobrir a entrada e funcionam como portas, depois, é possível construir janelas usando gelo de lago ou um pedaço transparente de pele de tripa de foca. Algumas comunidades forravam a parte de dentro da habitação com peles ou usavam madeiras para construir as portas.

Ao contrário do que muita gente pensa, os iglus tradicionais são feitos de neve e não de gelo. As paredes de neve dura do iglu são bons isolantes, por isso, mantêm o calor do corpo e o gerado pelas lâmpadas de óleo. O gelo sólido não retém calor tão bem quanto blocos de neve comprimida. Imagens 3D no Google Maps permitem-nos ver as acomodações, transportando-nos até ao povoado inuit Sanikiluaq, no Canadá. É possível ver camas de madeira penduradas, para que as pessoas possam dormir acima do solo, onde é mais quente.

É ainda importante lembrar que “as temperaturas dentro dos iglus geralmente ficam um pouco acima do zero, embora possam chegar a até 15 graus Celsius”. Depende do número de pessoas que lá estão dentro e se há uma fonte de calor, como uma lamparina a óleo. Quando estava mais frio, para além das roupas de pele que vestiam, os esquimós enrolavam-se em grandes pedaços de peles que também serviam de “colchão”. Uma reportagem feita pela BBC, na Gronelândia, em 2020, mostra como atualmente, devido às alterações climáticas, é difícil construir um iglu.

Apesar de já não serem tão utilizados como casa, estas construções de neve continuam a ter uma grande importância cultural para os esquimós. Várias escolas no norte do Canadá, como as de Nunavut, têm incorporado o conhecimento tradicional inuit no ensino. Em 2008, o governo de Nunavut aprovou a Lei da Educação, que permite que anciãos inuits qualificados ensinem habilidades como a construção de iglus em escolas. Em Iqaluit e Arviat, realizam-se ainda competições de construção de iglus em diferentes épocas do ano.

Estas comunidades são, muitas vezes, poligâmicas. E, quanto mais posses, mais esposas o homem pode ter. No que toca à religião, os esquimós apenas acreditam em “em espíritos superiores capazes de controlar a natureza”. As crianças também são consideradas sagradas: são vistas como reencarnação dos antepassados.

E o beijo de esquimó? Com temperaturas muito baixas, pode haver risco de congelar a saliva ou selar as bocas. Por isso, estes esfregam os narizes como um gesto de afeto.