COP29: Conquistar avanços climáticos ou repetir velhos erros?


Em 2023, a concentração média global de CO2 na atmosfera alcançou o valor mais elevado da história da Humanidade.


Começou esta 2ª feira a 29ª Convenção das Partes (COP29), a menos de quatro meses do prazo final para a submissão das novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que irão definir metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2035. Porém, a falta de ambição de muitos responsáveis políticos continua a ser o maior entrave para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.

Os números são inequívocos. Em 2022, as emissões globais de GEE atingiram um recorde de 57,1 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e). Em 2023, a concentração média global de CO2 na atmosfera alcançou 420 ppm, o valor mais elevado da história da Humanidade e a temperatura média global subiu 1,45°C em relação aos níveis pré-industriais, aproximando-se perigosamente do limite de 1,5°C que poderemos cruzar este ano.

Fenómenos climáticos extremos, amplificados pelo crescente aquecimento global, têm-se revelado cada vez mais devastadores. O que vivenciámos recentemente em Valência (Espanha) é apenas o último exemplo de uma nova normalidade climática que não podemos ignorar. A inação tem um custo insuportável: na última década a Humanidade perdeu 2,8 biliões de dólares devido a impactes climáticos.

Neste contexto, as negociações climáticas da COP29, respaldadas pelo conhecimento científico, têm uma importância sem igual. No cronograma definido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, os marcos fundamentais para esta COP estão relacionados com a disponibilidade de fluxos financeiros para a ação climática. Assim, os mais de 500 delegados têm cinco pontos fundamentais para apresentar:

Financiamento climático. Pela primeira vez em 15 anos, será redefinido o financiamento climático para os países do Sul Global. A nova meta deve refletir as necessidades atuais, estimadas entre 500 mil milhões e 1 bilião de dólares por ano, substituindo o anterior compromisso anual de 100 mil milhões de dólares, definido em 2009. Definir uma meta mais ambiciosa ajudará países vulneráveis a adotar energias limpas e outras soluções de baixo carbono, além de contribuir para a resiliência aos impactes climáticos. No entanto, questões fundamentais sobre a implementação desta meta continuam em aberto, esperando-se que líderes e negociadores alcancem um acordo ambicioso e justo.

Fundo de Perdas e Danos. A operacionalização do Fundo de Perdas e Danos será decisiva para ajudar os países mais afetados pelas consequências climáticas a suportar as inevitáveis e gravíssimas consequências, designadamente em perda de vidas humanas, de biodiversidade, do património cultural além dos danos materiais. Na COP28, as Partes definiram a criação do fundo com cerca de 700 milhões de dólares, um valor longe de ser satisfatório, pois se estima que anualmente os países do Sul Global tenham prejuízos climáticos da ordem dos 500 mil milhões de dólares. É por isso crucial que os países desenvolvidos anunciem novos compromissos de financiamento para fazer frente a perdas e danos climáticos.

Financiamento para Planos de Adaptação. É preciso colmatar o défice de financiamento para adaptação, estimado entre 187 e 359 mil milhões de dólares anuais. Em 2021, no Pacto de Glasgow, as Partes comprometeram-se a duplicar o financiamento para adaptação até ao próximo ano mas, mesmo se alcançada, essa meta corresponde apenas entre 10 e 20 % do necessário para aumentar a resiliência no Sul Global. É essencial reforçar o financiamento para a implementação de planos adaptativos e monitorizar o seu progresso.

Regras do Mercado de Carbono. A COP29 deve finalizar as normas para o comércio de créditos de carbono, garantindo integridade ambiental e prevenindo abusos que paralisem a redução global de emissões GEE. Para tal, é essencial acertar este regulamento para garantir que os mercados de carbono internacionais — distintos dos mercados voluntários e regidos por normas internacionais — sejam ambientalmente sólidos e não prejudiquem a mitigação efetiva a nível global. No ano passado, na COP28, foram já alcançados avanços importantes sobre requisitos metodológicos para a contabilização dos créditos e regulação das atividades que envolvem remoção de CO2. Contudo, questões cruciais ainda estão por resolver em Bacu, relativamente à revisão técnica dos créditos e a acessibilidade dos países em desenvolvimento ao sistema internacional de registo.

Transparência e Transição Justa. A COP29 também deverá abordar a transparência dos compromissos climáticos. Pela primeira vez, serão apresentados até ao final deste ano, os Relatórios Bienais de Transparência (BTRs) que detalham os progressos (ou falta deles) sobre o modo como os países estão a enfrentar as alterações climáticas, incluindo os seus esforços para reduzir as emissões de GEE, os seus projetos e planos de adaptação, e o apoio financeiro que forneceram, mobilizaram, receberam ou necessitam. A preparação destes relatórios é um processo extenso e complexo, em particular, para os países com menos experiência na comunicação internacional dos seus esforços climáticos, mas essencial para partilhar experiências positivas e identificar áreas onde é necessário reforçar esforços de ação climática.

A COP29 é uma oportunidade única para reverter o curso da crise climática. O sucesso dependerá da coragem coletiva em enfrentar desafios complexos com soluções concretas. O mundo não pode mais repetir erros do passado e a Humanidade espera por uma mudança. Não podemos falhar.

Professora do Instituto Superior Técnico e Investigadora do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+)

COP29: Conquistar avanços climáticos ou repetir velhos erros?


Em 2023, a concentração média global de CO2 na atmosfera alcançou o valor mais elevado da história da Humanidade.


Começou esta 2ª feira a 29ª Convenção das Partes (COP29), a menos de quatro meses do prazo final para a submissão das novas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que irão definir metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) até 2035. Porém, a falta de ambição de muitos responsáveis políticos continua a ser o maior entrave para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.

Os números são inequívocos. Em 2022, as emissões globais de GEE atingiram um recorde de 57,1 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e). Em 2023, a concentração média global de CO2 na atmosfera alcançou 420 ppm, o valor mais elevado da história da Humanidade e a temperatura média global subiu 1,45°C em relação aos níveis pré-industriais, aproximando-se perigosamente do limite de 1,5°C que poderemos cruzar este ano.

Fenómenos climáticos extremos, amplificados pelo crescente aquecimento global, têm-se revelado cada vez mais devastadores. O que vivenciámos recentemente em Valência (Espanha) é apenas o último exemplo de uma nova normalidade climática que não podemos ignorar. A inação tem um custo insuportável: na última década a Humanidade perdeu 2,8 biliões de dólares devido a impactes climáticos.

Neste contexto, as negociações climáticas da COP29, respaldadas pelo conhecimento científico, têm uma importância sem igual. No cronograma definido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, os marcos fundamentais para esta COP estão relacionados com a disponibilidade de fluxos financeiros para a ação climática. Assim, os mais de 500 delegados têm cinco pontos fundamentais para apresentar:

Financiamento climático. Pela primeira vez em 15 anos, será redefinido o financiamento climático para os países do Sul Global. A nova meta deve refletir as necessidades atuais, estimadas entre 500 mil milhões e 1 bilião de dólares por ano, substituindo o anterior compromisso anual de 100 mil milhões de dólares, definido em 2009. Definir uma meta mais ambiciosa ajudará países vulneráveis a adotar energias limpas e outras soluções de baixo carbono, além de contribuir para a resiliência aos impactes climáticos. No entanto, questões fundamentais sobre a implementação desta meta continuam em aberto, esperando-se que líderes e negociadores alcancem um acordo ambicioso e justo.

Fundo de Perdas e Danos. A operacionalização do Fundo de Perdas e Danos será decisiva para ajudar os países mais afetados pelas consequências climáticas a suportar as inevitáveis e gravíssimas consequências, designadamente em perda de vidas humanas, de biodiversidade, do património cultural além dos danos materiais. Na COP28, as Partes definiram a criação do fundo com cerca de 700 milhões de dólares, um valor longe de ser satisfatório, pois se estima que anualmente os países do Sul Global tenham prejuízos climáticos da ordem dos 500 mil milhões de dólares. É por isso crucial que os países desenvolvidos anunciem novos compromissos de financiamento para fazer frente a perdas e danos climáticos.

Financiamento para Planos de Adaptação. É preciso colmatar o défice de financiamento para adaptação, estimado entre 187 e 359 mil milhões de dólares anuais. Em 2021, no Pacto de Glasgow, as Partes comprometeram-se a duplicar o financiamento para adaptação até ao próximo ano mas, mesmo se alcançada, essa meta corresponde apenas entre 10 e 20 % do necessário para aumentar a resiliência no Sul Global. É essencial reforçar o financiamento para a implementação de planos adaptativos e monitorizar o seu progresso.

Regras do Mercado de Carbono. A COP29 deve finalizar as normas para o comércio de créditos de carbono, garantindo integridade ambiental e prevenindo abusos que paralisem a redução global de emissões GEE. Para tal, é essencial acertar este regulamento para garantir que os mercados de carbono internacionais — distintos dos mercados voluntários e regidos por normas internacionais — sejam ambientalmente sólidos e não prejudiquem a mitigação efetiva a nível global. No ano passado, na COP28, foram já alcançados avanços importantes sobre requisitos metodológicos para a contabilização dos créditos e regulação das atividades que envolvem remoção de CO2. Contudo, questões cruciais ainda estão por resolver em Bacu, relativamente à revisão técnica dos créditos e a acessibilidade dos países em desenvolvimento ao sistema internacional de registo.

Transparência e Transição Justa. A COP29 também deverá abordar a transparência dos compromissos climáticos. Pela primeira vez, serão apresentados até ao final deste ano, os Relatórios Bienais de Transparência (BTRs) que detalham os progressos (ou falta deles) sobre o modo como os países estão a enfrentar as alterações climáticas, incluindo os seus esforços para reduzir as emissões de GEE, os seus projetos e planos de adaptação, e o apoio financeiro que forneceram, mobilizaram, receberam ou necessitam. A preparação destes relatórios é um processo extenso e complexo, em particular, para os países com menos experiência na comunicação internacional dos seus esforços climáticos, mas essencial para partilhar experiências positivas e identificar áreas onde é necessário reforçar esforços de ação climática.

A COP29 é uma oportunidade única para reverter o curso da crise climática. O sucesso dependerá da coragem coletiva em enfrentar desafios complexos com soluções concretas. O mundo não pode mais repetir erros do passado e a Humanidade espera por uma mudança. Não podemos falhar.

Professora do Instituto Superior Técnico e Investigadora do Centro de Estudos em Inovação, Tecnologia e Políticas de Desenvolvimento (IN+)