Numa eleição presidencial norte-americana cada vez mais acirrada entre a atual vice-presidente Kamala Harris e o ex-presidente Donald Trump, a história de disputas eleitorais complexas volta a ter destaque. De escândalos pessoais a decisões da Suprema Corte, relembramos as eleições mais competitivas dos EUA, incluindo um passado onde estados como Califórnia e Nova Iorque, hoje dominados pelos democratas, desempenhavam papéis decisivos como ‘swing states’ e alteravam o curso das eleições.
Primeiro, viajamos até 1824. Neste ano, uma eleição incomum levou o presidente a ser escolhido pela Câmara dos Representantes. Na disputa, estavam quatro candidatos – todos do Partido Democrático-Republicano, a única grande força política após o colapso do Partido Federalista de Alexander Hamilton. Andrew Jackson liderava com 99 votos eleitorais, seguido de John Quincy Adams com 84, mas nenhum alcançou a maioria necessária. A Constituição então transferiu a decisão para a Câmara, que escolheu Adams, graças ao apoio crucial de Henry Clay, o que levou Jackson a acusar o resultado de “pechincha corrupta”.
Essa eleição sublinhou o peso que a Câmara dos Representantes podia exercer quando o Colégio Eleitoral falhava em definir o presidente, além de reforçar a importância dos apoios estratégicos. Jackson aproveitou a insatisfação do público com o resultado e, em 1828, venceu Adams, mostrando que a divisão no partido e as alianças políticas tinham impacto duradouro.
De seguida, passamos para 1876. Neste ano, as eleições foram decididas por um único voto numa Comissão Eleitoral especial, criada pelo Congresso para resolver uma eleição marcada por fraudes e disputas. O republicano Rutherford B. Hayes enfrentou o democrata Samuel Tilden num contexto pós-Guerra Civil, onde os direitos dos afro-americanos no sul estavam em risco, e muitos sulistas brancos resistiam aos avanços da Reconstrução. Apesar de Tilden ter vencido no voto popular, os resultados de estados-chave como Louisiana, Carolina do Sul e Flórida foram contestados.
A Comissão, composta por congressistas e um juiz da Suprema Corte, favoreceu Hayes por um voto, entregando-lhe a vitória com 185 votos eleitorais contra 184 de Tilden. Hayes, em troca, aceitou remover tropas federais do sul, encerrando a Reconstrução e permitindo o regresso das políticas de segregação racial, que marcaram o sul por décadas.
Já em 1884, Nova Iorque desempenhou o papel de ‘swing state’ crucial, com os seus 36 votos eleitorais a decidirem a eleição entre o republicano James G. Blaine e o democrata Grover Cleveland. Embora Cleveland fosse popular pelas suas posturas anticorrupção, a sua campanha foi manchada por um escândalo pessoal envolvendo um suposto filho ilegítimo, o que os republicanos exploraram intensamente.
No entanto, Cleveland acabou por conquistar Nova Iorque por apenas cerca de mil votos, em grande parte graças ao apoio de republicanos reformistas que se opuseram a Blaine. A sua vitória simbolizou o poder dos ‘swing states’ e a crescente importância de questões pessoais e morais nas campanhas eleitorais.
Quando é que se começou a falar nos ‘swing states’?
O conceito de ‘swing states’, ou estados-pêndulo, ganhou destaque no início do século XX, quando começou a ficar mais evidente que alguns estados podiam oscilar entre votar no Partido Democrata ou no Partido Republicano, dependendo do contexto eleitoral e dos candidatos. Contudo, a expressão e o foco nestes estados como conhecemos hoje tornaram-se realmente populares e centrais nas eleições presidenciais dos EUA a partir da década de 60.
A ideia de que certos estados eram decisivos para o resultado final foi percebida antes disso mas, com a polarização crescente entre os dois principais partidos e o aumento das campanhas de alcance nacional, os ‘swing states’ passaram a ser vistos como determinantes no cenário eleitoral. A partir de então, tornou-se uma estratégia comum dos candidatos direcionarem tempo e recursos para conquistar eleitores nesses estados de voto instável, em vez de se focarem exclusivamente em estados considerados “seguros” para um dos partidos.
Na década de 80, com o crescimento da cobertura mediática e das análises de dados sobre padrões de voto, o termo ‘swing state’ consolidou-se como um conceito central nas eleições presidenciais, especialmente com a popularização de pesquisas e modelos de previsão, que ajudaram a identificar os estados mais competitivos. Hoje, estados como Flórida, Ohio, Pensilvânia e outros são conhecidos pelo seu papel de – lá está – pêndulo, atraindo atenção redobrada a cada eleição.
De regresso às eleições marcantes
Em 1916, a Califórnia, então com 13 votos eleitorais, tornou-se essencial para o resultado da eleição entre o democrata Woodrow Wilson e o republicano Charles Evans Hughes. Hughes, ao visitar a Califórnia, evitou um encontro com Hiram Johnson, uma figura popular do partido no estado, que interpretou isso como desrespeito. Como resultado, Johnson deixou de apoiar Hughes, que acabou por perder a Califórnia por apenas 3.000 votos – e, consequentemente, a presidência.
Esse episódio destacou o valor dos relacionamentos políticos e a importância dos estados do Oeste, que começavam a crescer em relevância no Colégio Eleitoral. Muitos anos depois, a eleição de 2000, entre o democrata Al Gore e o republicano George W. Bush, foi uma das mais controversas, com a decisão a recair sobre a Suprema Corte. Com a disputa concentrada nos 25 votos eleitorais da Flórida, um ‘swing state’ altamente disputado, a contagem de votos foi questionada e levou a um impasse judicial.
Após várias recontagens e contestação de boletins, a Suprema Corte interveio e, por 5 votos a 4, decidiu parar a recontagem, concedendo a vitória a Bush. Esse caso destacou não apenas o poder dos tribunais em disputas eleitorais, mas também o impacto duradouro das decisões políticas da Suprema Corte, que optou por intervir num momento crítico.
Estas eleições mostram como os ‘swing states’ podem transformar disputas presidenciais. Ao longo da História, regiões como Califórnia e Nova Iorque, que hoje são dominadas pelos democratas, já foram o cenário de disputas acirradas e desempenharam papéis decisivos em eleições ultra-competitivas. Num sistema onde poucos votos podem definir o futuro do país, os ‘swing states’ exemplificam a fluidez política dos EUA e a importância das alianças estratégicas e da presença local dos candidatos.