O alojamento local (AL) poderá não ganhar nova vida já a partir desta sexta-feira. Em causa está a entrada em vigor do novo diploma publicado pelo Governo que vem dar mais poderes aos municípios para regular e fiscalizar esta atividade turística e ainda revogar várias medidas do Mais Habitação. Com estas alterações, as licenças de AL deixam de ter prazo de validade de cinco anos e passam a ser transmissíveis e os condomínios deixam de aprovar os novos registos desta atividade. O presidente da Câmara de Lisboa quer suspender, pelo prazo de seis meses, a autorização de novas licenças na cidade e «sem qualquer rácio». A medida pretende «garantir o equilíbrio entre oferta habitacional e oferta de alojamento turístico», até à entrada em vigor da alteração ao regulamento municipais.
Também a Câmara do Porto aprovou, esta semana, a suspensão por seis meses da autorização de novos registos de alojamento local no centro histórico e Bonfim e quer recuperar o regulamento municipal de 2023.
É certo que esta alteração era há muito esperada pelo presidente da Associação do Alojamento Local em Lisboa (ALEP) que ao nosso jornal chegou a referir que o Executivo tinha feito um acordo com a entidade não só de revogar as medidas, mas também apresentar uma alternativa de regulamentação que criasse um cenário de equilíbrio para o turismo e para o AL. «É preciso criar um equilíbrio que possa dar estabilidade face ao que sempre acreditámos que é um erro gigantesco misturar o alojamento local com o problema da habitação. O alojamento local nunca foi o problema, nem a solução da habitação e com uma regulamentação equilibrada é perfeitamente possível encontrar o caminho de desenvolvimento sustentável da nossa atividade», refere Eduardo Miranda.
Também a AHRESP defendeu que esta alteração reflete «uma abordagem mais equilibrada e ajustada às preocupações do setor e das comunidades» e entre as medidas com mais impacto, destaca a eliminação da obrigatoriedade de renovação dos registos e da suspensão de novos registos, devolvendo-se aos municípios o controlo sobre a criação de licenças, o que vem permitir um melhor ajuste às necessidades locais, assim como o fim da reapreciação dos registos em 2030 e da caducidade automática dos registos inativos oferece aos operadores uma maior segurança jurídica e estabilidade para desenvolverem o seu negócio, «sem receio de um cancelamento súbito da licença, por motivos que não controlavam».
A associação aplaudiu também «o fim do poder absoluto dos condomínios para aprovar e cancelar licenças de AL, sem necessidade de qualquer fundamento, a possibilidade agora prevista de transmissão dos registos em caso de mudança de propriedade, a definição clara das utilizações válidas, e a clarificação de procedimentos de operação, são igualmente elementos fundamentais para assegurar um equilíbrio justo entre os interesses dos empresários de AL e os residentes».
Nem todos concordam
Pouco satisfeito com estas alterações está o PS, que já anunciou que vai pedir a apreciação parlamentar da lei que introduziu alterações ao alojamento local, com o objetivo de as revogar, considerando que é «excessivamente radical» e liberaliza a atividade em plena crise da habitação. «Esperamos que o Governo possa compreender que precisava de moderar a sua proposta, não estamos à espera que o Governo concorde connosco que era preciso rasgar estas alterações que fizeram», disse a deputada Maria Begonha.
E reforçou: «Uma das medidas centrais do ‘Mais Habitação’ eram as restrições ao alojamento local, que tinha um dos regimes mais liberalizados da Europa, que retirava oferta de casas».
Atividade em números
Lisboa contabilizava 10.370 apartamentos T0 e T1 com registo de Alojamento Local no segundo trimestre do ano, dos quais «apenas» 45% (4.625), estão ativos no mercado, com vendas e ocupação regulares, mostram os dados da Confidencial Imobiliário. No Porto, essa incidência é mais expressiva, mais ainda assim, mantendo-se abaixo dos 60%. A Invicta contabiliza 7.870 fogos T0 e T1 com registo de AL, dos quais 4.600, equivalente a 58%, estão em atividade.
De acordo com os mesmos dados, o RevPAR médio, que mede o rendimento gerado por tais alojamentos, foi de 97 euros em Lisboa e 53 euros no Porto. « A diferença nas duas cidades reflete a prática de preços mais elevados na capital, associados a níveis de ocupação também superiores. Assim, Lisboa registou uma diária média de 135 euros no 2.º trimestre deste ano, com uma ocupação média de 72%. No Porto, a diária média neste período foi de 87 euros com uma ocupação média de 61%», diz o estudo.
Em termos da oferta, a capital continua a registar maior dificuldade de recuperar fogos para esta atividade face ao período pré-pandemia, registando um stock ainda 21% abaixo desse momento. «O atual stock de T0 e T1 ativos em AL na capital contabiliza menos 1.220 unidades do que as 5.850 registadas no 4.º trimestre de 2019, período que assinalou o máximo deste mercado. Esse era então um padrão comum no mercado, que o longo de 2019 e, ainda no 1.º trimestre de 2020, registou volumes trimestrais de AL em oferta sempre acima das cinco mil unidades. Este é o volume trimestral de oferta mais elevado dos últimos quatro anos na capital, que no auge da pandemia chegou a ter menos de dois mil fogos desta tipologia ativos em AL, e consolida a trajetória de recuperação de alojamentos para o mercado iniciada em meados de 2021».
Já no Porto, as mesmas 4.600 unidades T0 e T1 ativas em AL no 2.º trimestre de 2024, correspondem a um volume máximo recorde do mercado, cujo anterior pico foi de 4.185 apartamentos no 4.º trimestre de 2019. «A oferta de alojamento local no Porto foi também afetada pelo advento da pandemia, reduzindo o universo de apartamentos T0 e T1 ativos para menos de duas mil unidades no 1.º trimestre de 2021, mas recuperou mais rapidamente que a de Lisboa, mantendo o seu stock acima das quatro mil unidades pelo quinto trimestre consecutivo e estabelecendo novos máximos de mercado desde meados de 2023», acrescentam os mesmos dados.
De acordo com Eduardo Miranda, os turistas que optaram por ficar em unidades de AL contribuíram com mais de oito mil milhões de euros para a economia portuguesa, o que correspondeu a mais de 8,5% das exportações totais de bens e serviços e cerca de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB). «A parte do alojamento local representa normalmente um quarto das despesas do turistas. O resto vai gastar no comércio, no restaurante, no serviço, no rent-a-car, nos transportes, etc.», acrescenta. E remete para outros dados do estudo: «Na ausência de alojamento local e, mesmo perante o crescimento de uma taxa de ocupação dos hotéis de 15% ao longo do ano – o que seriam valores nunca vistos em termos anuais – mais de 23 milhões de dormidas ficariam sem ocorrer. Em termos diretos, a perda destas dormidas significaria também perder 4,7 mil milhões de euros das despesas dos turistas, o que corresponderia à destruição de 2,2% do PIB nacional».