São cada vez mais as pessoas que, mesmo trabalhando, não têm possibilidades financeiras para arrendar ou comprar uma casa. Inês (nome fictício), de 37 anos, espelha essa realidade. “Tive um relacionamento de 10 anos e, durante algum tempo, vivemos juntos e conseguíamos manter o arrendamento de uma casa. No entanto, quando nos separámos, tive de regressar a casa dos meus pais”, sublinha a profissional da área do marketing que aufere um salário de aproximadamente 1300 euros, e viveu na Amadora. Agora, está novamente no centro de Lisboa com os pais.
“Os preços das casas subiram imenso e, com o que ganho, não consigo comprar nem arrendar nada que caiba no meu orçamento. Sinto-me sem saída porque, além da separação, estou a enfrentar esta dificuldade de encontrar um lugar onde possa começar de novo. Tudo está caríssimo e as opções acessíveis são praticamente inexistentes”, lamenta, dizendo que “em Portugal está a ficar impossível conseguir uma casa, mesmo nas zonas da periferia, como na Amadora. Antes, pensava-se que viver fora de Lisboa era mais acessível, mas agora os preços dispararam até nos arredores”.
“Parece que não há escapatória – seja para comprar ou arrendar, os valores são absurdos. O problema é que os salários não acompanham este aumento e a oferta de casas a preços acessíveis simplesmente desapareceu. Mesmo quem tinha esperança de encontrar algo em zonas mais afastadas está a lutar para conseguir pagar uma renda”, desabafa. “Tudo isto torna difícil fazer planos ou sentir estabilidade porque nunca sabemos se vamos conseguir manter um teto sobre a cabeça. É uma crise que afeta tanta gente e parece que não há solução à vista”, declara.
A vida na ‘Costa do Sol’ (e fora dela)
Em situação semelhante encontram-se Ana e David, de 31 anos, que viveram sempre em Oeiras. Quando decidiram sair da casa dos pais conseguiram arrendar uma casa. No entanto, o proprietário do imóvel decidiu aumentar o preço da renda e tiveram de se mudar para a periferia. Mais precisamente, para Queluz.
“Passámos a vida toda em Oeiras: é a nossa casa, o lugar onde criámos as nossas raízes. Mas, de repente, o senhorio aumentou a renda para um valor que simplesmente não conseguimos suportar. Foi um choque”, afirmam os jovens que, juntos, auferem aproximadamente 1.800 euros.
“Tivemos de tomar a difícil decisão de nos mudar para Queluz porque era a única opção dentro do nosso orçamento. É frustrante, porque não só estamos a deixar para trás tudo o que conhecemos, como também nos sentimos empurrados para fora de uma zona que sempre foi nossa”, esclarecem. “O custo de vida em Oeiras tornou-se insustentável e parece que agora estas situações estão a acontecer por todo o lado. Adaptarmo-nos a Queluz é o próximo passo, mas a sensação de perda é grande”, sublinham.
O que se passa nas ilhas?
André Medina e Micaela Vicente têm 27 anos e casaram no ano passado. Apesar de viverem juntos, tal só é possível porque contam com uma rede de apoio familiar e admitem que, neste momento, não teriam capacidade de arrendar ou comprar um imóvel em Ponta Delgada.
“Na nossa situação, em particular, não estamos muito bem posicionados porque casámos recentemente e a larga maioria das nossas poupanças foi conduzida para o casamento mais a nossa viagem de lua de mel”, começa por explicar André. O jovem realça “os salários baixos e o aumento genérico do custo de vida devido à inflação, com o acréscimo de que o preço das casas e das rendas aumentaram exponencialmente nos últimos anos, especialmente nos Açores, que no pós-covid testemunhou um verdadeiro boom turístico, à semelhança do que aconteceu em Lisboa há uns anos”.
“Atualmente não temos nenhum tipo de poupança orientado para uma casa. Principalmente porque o nosso plano a médio prazo passa por emigrar e ir experienciar o estilo de vida de outro país europeu, preferencialmente no centro da Europa. O mais provável será alocarmos as nossas poupanças para esse investimento”, esclarece, indicando que “o custo da habitação é, atualmente, completamente desproporcional ao nível dos salários que a larga maioria da população jovem aufere em Portugal”.
“Os Açores foram uma das regiões com mais taxa de crescimento no preço de compra/arrendamento de casa, sendo que os preços só são acessíveis para turistas, que com relativa facilidade compram casa cá. Em cima disso, a agravante de que, apesar da especulação imobiliária, as casas são vendidas em tempo quase recorde, o que só alimenta mais o clima de especulação e de subida de preços que já se vive”, lamenta André, avançando que, atualmente, ele e Micaela estão a arrendar casa e pretendem “assim ficar pelos próximos largos anos”.
Em relação aos turistas, a perspetiva de André corresponde aos dados veiculados pela ERA Portugal. Esta revelou que o perfil dos compradores manteve-se semelhante no ano passado, com clientes de nacionalidade portuguesa, norte-americana, canadiana e brasileira.
“Até porque sinto que, hoje em dia, para comprar casa, só mesmo com algum tipo de apoio por parte do Governo porque até o processo de obtenção de um empréstimo de um banco é cada vez mais exigente, moroso e inatingível”, lastima, acrescentando que, como acredita “um pouco na lei da oferta e da procura”, considera “que a solução passa por construir mais casas”.
“Relativamente ao arrendamento, uma política de controlo sobre o preço praticado nas rendas poderia ser interessante, como a definição de um teto máximo de preços que possam ser praticados na área do arrendamento de habitação, de preferência em consonância com os salários praticados em Portugal”, diz, afirmando igualmente que “há sempre uma certa pressão das gerações anteriores (pais e avós) relativamente à habitação, que depois colam ao facto de não termos casa antes dos 30 anos”.
“Sendo completamente honesto, acho que será mais fácil emigrar para outro país europeu, com melhores condições financeiras, e adquirir lá uma casa nos próximos 5 a 10 anos do que ficar em Portugal o mesmo período de tempo e encontrar um imobiliário que possa suprir a maioria das minhas necessidades para as restantes décadas da minha vida”, conclui.