Cedências e imprevisibilidade dividem economistas sobre OE 2025

Cedências e imprevisibilidade dividem economistas sobre OE 2025


A incerteza em torno da aprovação do Orçamento do Estado deverá durar até aos últimos dias, reconhecem os economistas ouvidos pelo nosso jornal. Mas há quem fale em ‘encenação política’ já que ‘ninguém pretende ir a eleições antecipadas’


O IRS Jovem e a redução do IRC foram duas das propostas avançadas pelo Governo que têm criado verdadeiros braços de ferro com o PS e que entretanto sofreram alterações para não comprometer a viabilização do Orçamento de Estado para o próximo ano. Duas medidas que também já foram questionadas pelo Fundo Monetário Internacional, que duvida da sua eficácia. 

Ao Nascer do SOL, João César das Neves admite que «infelizmente» espera «benesses para corporações e grupos de pressão, do estilo eleitoralista, típicas de um Governo minoritário». Já quando questionado sobre as medidas que seria m desejáveis estarem contempladas no documento não hesita: «Seria manter o excedente orçamental, reduzir os bloqueios à atividade económica (impostos, etc.) e, aproveitando o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], recuperar os serviços públicos que foram descapitalizados pela política das ‘contas certas’».

No entanto, mostra-se pouco otimista que seja esse o caminho a seguir pelo Executivo. «Não é provável que este ou qualquer outro Governo o faça, pois as corporações estão demasiado poderosas». O economista diz ainda que «apesar de toda a encenação partidária, agora ninguém pretende ir a eleições sendo visto como causador dessas eleições antecipadas». E face a esse cenário acredita que o Orçamento «deve passar sem problemas de maior».

Também Eugénio Rosa diz que é preciso esperar para ver o que acontece, apesar de reconhecer que o cenário atual é «imprevisível». E acrescenta: «Se Montenegro quiser um orçamento com as medidas que considera mais importantes do seu programa, a que chamou linhas vermelhas, como sejam a redução do IRC, o IRS jovem e se o PS for coerente com as posições anunciadas publicamente por Pedro Nuno dos Santos e por Alexandra Leitão a proposta não será aprovada a não ser que o Chega dê uma cambalhota, o que não me surpreenderia», revela ao Nascer do SOL.

O economista diz ainda que Portugal enfrentar «uma grave crise económica e social num contexto europeu e mundial muito difícil e de elevado riscos» e que depois de crescimentos económicos baixos voltou a atingir subidas anémicas em 2024 . E dá como exemplo o facto de o país ter sido dos que menos investiu na União Europeia, tanto ao nível público como privado, e do nível de serviços públicos estar numa «situação dramática». E, de acordo com o mesmo, há que acrescentar ainda a situação de ‘pobreza’ das pensões da Segurança Social – no fim de 2023, segundo o INE, a pensão média de velhice era de apenas 519 euros, a de invalidez 425 euros e de sobrevivência de 268 euros .

«É neste contexto extremamente difícil, de elevado risco e imprevisível que vai ser elaborado e apresentado a proposta de OE para 2025 por um Governo minoritário que se tem caracterizado pela arrogância, incompetência e por decisões que ainda não se concretizaram nem se vão concretizar, nem alcançou os objetivos que anunciou como aconteceu com os médicos de família, em que o numero de utentes sem médico até aumentou e com cirurgias oncológicas por realizar cujo número tem aumentado», salientou.

Já em relação às principais medidas já anunciadas pelo Governo dá cartão vermelho. «A redução do IRC para 15% beneficiaria fundamentalmente as grandes empresas já com lucros enormes, já o IRS jovem aumentaria ainda mais as desigualdades, diminuindo significativamente as receitas fiscais, reduzindo a capacidade financeira do Estado para investir», diz ao nosso jornal. E como solução aponta para a necessidade de aumentar de forma «significativa e efetiva do investimento público para qualificar os serviços e levar por arrastamento o aumento do investimento privado, promovendo assim o desenvolvimento do país». E continua:«Não é inscrever investimentos no orçamento, que depois não se executam, como acontecido sistematicamente no SNS, em que este ano estão inscritos investimentos no montante de 774,2 milhões, mas até julho só tinham sido executados 141,6 milhões, ou seja, apenas 18,2%), assim como a dignificação das remunerações e das carreiras dos trabalhadores da administração pública para manter e atrair os mais qualificados, já que uma administração pública de qualidade é um instrumento vital para promover o desenvolvimento do pais e o bem-estar das populações»

Já em entrevista ao Nascer do SOL, Luís Mira Amaral tinha reconhecido que a palavra de ordem é negociar, já que estamos perante um Governo minoritário. «Infelizmente, o Governo não tem maioria na Assembleia da República e antecipo que em sede de discussão do IRS e se quer que o Orçamento seja viabilizado terá de chegar a uma solução de compromisso com o PS», afirmou.

Também ao nosso jornal, Ferreira Machado reconheceu que «estão dois partidos divididos por questões que são amendoins, que é o IRS Jovem, que não vai ter efeito nenhum, e uma redução minúscula no IRC. São questões que são totalmente acessórias, enquanto grandes reformas do sistema tributário, da justiça, entre outras, não são encaradas». E não hesitou: «Acho que há um grande bloqueio político e isso tem consequências. Essa discussão em torno dos argumentos que existem para votar a favor ou contra o Orçamento não fazem sentido, mas também não acho que seja drama nenhum haver ou não haver Orçamento. Não é por isso que o país vai ficar mais pobre ou mais rico».

Chumbar seria ‘bizarro’

Para o Fórum para a Competitividade tendo em conta a relativa margem orçamental existente considera que seria «muito bizarro» se o documento não for aprovado, dado que são esperados excedentes orçamentais em políticas invariantes até 2028 e uma descida sustentada da dívida pública, afirmando que «parece que o suspense sobre a aprovação do OE 2025 durará até à última hora». Ainda assim, lembra que a fragmentação política no Parlamento que dificulta a governação em Portugal. Mas lembra que «são sempre possíveis reviravoltas políticas» nestes processos.

O organismo lembra, no entanto, que o Conselho de Finanças Públicas (CFP) diz que o país regressará aos défices em 2026 se o IRS Jovem for aprovado, «uma medida que tem recebido críticas dos mais variados quadrantes», referindo que «parece que seria preferível uma redução geral do IRS em vez uma diminuição focada nos mais jovens, uma medida de constitucionalidade questionável».

No entanto, refere que se «a proposta de orçamento for aprovada na generalidade, há ainda dúvidas sobre se virá a ser desvirtuado na especialidade e se o executivo aceitará governar em tal circunstância».

Também ao Nascer do SOL, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) defende a apresentação de medidas que criem condições para melhorar atratividade e competitividade da economia portuguesa, esperando que o Orçamento seja aprovado em nome da estabilidade, mas desde que contemple estas ‘exigências’. «Os políticos têm de ter o bom senso de criar as tais condições. As empresas precisam de estabilidade e previsibilidade, muito importantes no mundo dos negócios. Já basta o elevado clima de incerteza de origem internacional, nomeadamente de cariz geopolítico, pelo que tudo o que depender de nós (contexto nacional) deve ser bem acautelado. E a aprovação do Orçamento do Estado (com as condições adequadas) é precisamente um exemplo», afirma Luís Miguel Ribeiro.

E, como tal, está a preparar um conjunto de propostas. Uma delas passa pela atratividade fiscal através da redução, simplificação e previsibilidade fiscal – diminuindo progressivamente a taxa de IRC para 15%, pelo menos até 2027, mantendo-se a discriminação positiva nos territórios do interior criar IRC bonificado para a atividade exportadora; reforçar incentivos fiscais para investimento em inovação, transição digital e ambiental e eliminar gradualmente as tributações autónomas – assim como diminuir a tributação sobre o trabalho com a redução da taxa de IRS e a alterar dos seus escalões de IRS com vista «a atenuar a elevada progressividade em Portugal (das maiores dos países da OCDE), não tributar os prémios de produtividade até pelo menos ao valor de um salário mensal e não penalizar a tributação sobre o trabalho extraordinário, criando uma isenção de tributação para um uma situação equivalente a, pelo menos, um salário mensal)».

A AEP defende ainda a flexibilização da legislação laboral, a melhoria do financiamento e a capitalização das empresas. Por outro lado, defende que o Governo deveria apostar em fomentar ganhos de escala – nomeadamente reforçar os apoios a processos de fusão ou aquisição e reduzir a burocracia nos processos de fusão e aquisição de empresas – e investir na desburocratização da relação do Estado com as empresas.

Incertezas internacionais

Numa análise a Portugal publicada esta semana, o FMI defende que as medidas devem ser desenhadas no âmbito de uma «política fiscal alargada» e que tenham como objetivo «simplificar o sistema e reduzir significativamente as isenções».

Em relação ao IRS, a entidade liderada por Kristalina Georgieva diz que «as taxas preferenciais baseadas na idade são caras e levantam dúvidas de equidade e a sua eficácia para reduzir a emigração é incerta». Já em relação à redução do IRC que tem como objetivo travar a emigração e de promover o investimento e a competitividade, reduzindo até 15% em 2026, o organismo lembra que a receita deste imposto está na média da Zona Euro, mas que a sua taxa estatutária combinada, ou seja, incluindo derramas, é mais alta em relação a outros países europeus. E defende que «em vez de reduzir a taxa nominal, a prioridade devia ser dada à redução progressiva da derrama e da derrama municipal».