O futuro da natalidade, especialmente com os avanços na genética e biotecnologia, promete trazer mudanças significativas nas escolhas que os pais poderão fazer em relação aos seus filhos. Através de tecnologias como a edição genética e a seleção de embriões, é possível que, no futuro, os pais possam tomar decisões sobre certas características dos seus bebés, incluindo a cor dos olhos, cabelo, altura e até predisposições para doenças. Mas esta não é uma realidade tão distante quanto parece.
Ferramentas como a CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) permitem editar o ADN para eliminar mutações genéticas associadas a doenças. No futuro, esta tecnologia pode ser usada não apenas para prevenir doenças, mas também para alterar traços físicos. A CRISPR é uma tecnologia de edição genética revolucionária que permite modificar o ADN de maneira precisa e eficiente. É baseada num mecanismo natural de defesa encontrado em bactérias, que utilizam esse sistema para reconhecer e destruir o material genético de vírus invasores.
Como a CRISPR permite modificar genes de forma precisa, é promissora para tratar doenças genéticas como a distrofia muscular, anemia falciforme e fibrose quística. A edição genética pode ajudar a modificar células imunes para que sejam mais eficazes no combate ao cancro. E a ferramenta também é usada para criar modelos de doenças humanas em laboratório, permitindo um estudo mais detalhado de patologias complexas.
Mas existe o risco de cortes acidentais em locais não pretendidos no ADN, o que pode causar mutações indesejadas. O uso da CRISPR, especialmente para editar genes em embriões humanos (edição de linha germinal), levanta questões éticas importantes sobre as implicações para futuras gerações.Mas já lá vamos.
No artigo Designer babies: an ethical horror waiting to happen?, publicado no The Guardian em janeiro de 2017, Philip Ball já explorava a possibilidade e as implicações éticas de criar “bebés de design” através da edição genética, especialmente com o uso da técnica CRISPR. A narrativa inicia-se com uma visão futurista de uma clínica de fertilidade onde os pais podem escolher embriões com características específicas, como cor dos olhos e predisposição para doenças. Embora o avanço da tecnologia de reprodução assistida permita selecionar embriões para evitar doenças genéticas, a prática levanta questões éticas significativas.
Ball argumenta que, enquanto a edição genética poderia eliminar doenças raras, a manipulação genética de embriões levanta preocupações sobre a criação de desigualdades sociais, bem como o potencial para uma sociedade onde apenas os mais ricos podem “desenhar” os seus filhos. A discussão é marcada por referências a obras literárias como Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, que retratam cenários distópicos resultantes do controlo reprodutivo.
Os especialistas citados no texto, como Henry Greely e Ronald Green, expressam ceticismo em relação ao uso generalizado da edição genética em humanos nos próximos anos. Sugerem que, embora a tecnologia possa permitir a seleção de embriões com base em características genéticas, a complexidade da herança genética torna difícil prever o resultado de características como inteligência ou habilidades artísticas. Além disso, a edição genética ainda enfrenta muitos desafios, incluindo riscos desconhecidos para a saúde das crianças que resultam destes procedimentos.
A ideia de selecionar embriões por características físicas e comportamentais, como a cor do cabelo ou habilidades atléticas, é vista com preocupação. Os especialistas alertam que isso pode levar a uma discriminação social e a um aumento da desigualdade entre aqueles que têm acesso a essas tecnologias e aqueles que não têm. Por fim, Ball sugere que, à medida que a tecnologia evolui, é imperativo que a sociedade discuta como regulamentar o uso de técnicas de seleção de embriões. O artigo destaca a necessidade de um debate ético robusto sobre como estas tecnologias devem ser usadas, enfatizando que as escolhas feitas agora podem moldar o futuro da reprodução humana e da sociedade em geral.
No ano seguinte, foi divulgado que a maioria dos britânicos (76%) apoia a edição genética para reduzir o risco de doenças hereditárias, embora a aprovação caia para alterações em características como inteligência (12%) e aparência (8%). Foi concluído que os jovens e homens são mais favoráveis a essas mudanças. Além disso, 83% considerariam a edição genética se tivessem um problema genético, mas apenas 12% fariam alterações em características como inteligência. O público estava dividido sobre se isto se assemelha à escolha de dadores de esperma ou óvulos com base em traços específicos.
Mas muitos anos antes, em 2009, já os órgãos de informação internacionais relatavam algo semelhante. O artigo relatava que o Dr. Jeffrey Steinberg, especialista em fertilidade, planeava oferecer um serviço que permitiria aos casais escolher características físicas dos seus bebés, como cor dos olhos e altura. Afirmava que utilizava um método chamado diagnóstico genético pré-implantacional (PGD), que já era então usado para detetar doenças em embriões. Contudo, especialistas em genética expressavam ceticismo sobre a viabilidade e segurança dessa prática, com alguns a alertarem que não é o papel de um médico permitir essa “personalização” extrema dos bebés.
Outras questões
Em 2022, era noticiado que uma equipa de cientistas tinha desenvolvido um útero artificial inovador que poderia potencialmente desenvolver até 30 mil bebés por ano. Esta tecnologia, que simula as condições do útero humano, gerou grande interesse e discussão nas redes sociais após a divulgação de um vídeo demonstrativo. O projeto prometia ser uma solução significativa para a infertilidade e para complicações gestacionais, podendo transformar o futuro da reprodução.
No entanto, como já seria de esperar, a ideia levanta importantes questões éticas e sociais sobre o impacto na dinâmica familiar e na sociedade como um todo, provocando debates sobre o que significa ser pai ou mãe num mundo com as novas tecnologias. O desenvolvimento deste útero artificial pode, assim, alterar não apenas a medicina reprodutiva, mas também a maneira como entendemos a gestação e a parentalidade. Porém, o pequeno vídeo conceptual de Hashem Al-Ghaili, cineasta e especialista em biotecnologia radicado em Berlim, circulou nas redes sociais a frisar a ideia de que os úteros artificiais poderiam ser uma “alternativa segura e sem dor” para ter bebés no futuro e quem o viu ficou, sem dúvida, a pensar no assunto.