Os acontecimentos da arena internacional levam-nos a questionar se estamos a caminho de uma Terceira Guerra Mundial. Ainda que seja uma pergunta para a qual não há uma resposta, a realidade é que nunca estivemos tão perto. Os tempos da unipolaridade pautada pela supremacia americana – que, e mesmo com conflitos pelo meio, nos faziam descartar a hipótese de um conflito à escala global – já lá vão e a multipolaridade da ordem internacional é já uma certeza.
O eixo Rússia-China-Irão, com colaboração da Coreia do Norte, é uma ameaça constante à ordem liberal e os conflitos que eclodiram nos últimos dois anos são prova disso. A invasão russa da Ucrânia em 2022 e o ataque de 7 de outubro contra Israel apoiado pelo Irão, que voltou a mergulhar o Médio Oriente num brutal conflito, colocam os EUA e os seus aliados numa posição frágil e os fantasmas de um apocalipse nuclear – esquecidos desde o auge da Guerra Fria – voltam a aparecer.
As fraturas internas no Ocidente – a incapacidade de planificação estratégica, principalmente no setor da Defesa, da União Europeia e o cenário de rotura social e até possível guerra civil nos EUA – deixam-nos em desvantagem frente a rivais que, em benefício dos seus regimes autocráticos e pujança económica no caso da China, desafiam cada vez de forma mais agressiva o poderio ocidental.
O papel dos EUA
Dominantes no século XX e com uma vitória ideológica e moral da extrema importância frente à União Soviética, os Estados Unidos gozaram de uma posição que parecia incontestável. É, contudo, importante recordar que os EUA já sofreram vários desaires militares ao longo da história que são importantes para analisar o futuro. É o caso da queda de Cabul – que assinalou a retirada humilhante das tropas americanas do Afeganistão – em 2021, que minou a confiança na maior potência militar do mundo e certamente galvanizou os adversários (Putin lança a invasão à Ucrânia menos de um ano depois). Os aliados começam a duvidar da posição firme que caracterizava outrora os Estados Unidos. Na Ucrânia, após o compromisso de ajuda incondicional, a ajuda ficou bloqueada por meses no Congresso.
A questão fundamental que se coloca à próxima administração que estiver na Sala Oval será a seguinte: até que ponto estão dispostos a defender os aliados das potências rivais? A resposta ditará o rumo da História.
O historiador e colunista escocês Niall Ferguson colocou vários cenários possíveis nos quais poderemos chegar a uma Terceira Guerra Mundial: “Como reagiríamos se (…) fossemos informados que o Irão conseguiu construir uma arma nuclear e libertou o seu proxy no Líbano, o Hezbollah, para fazer chover mísseis em Israel? Ameaçávamos usar as nossas próprias armas nucleares contra o Irão para salvar Israel da destruição (…) ou Washington lançará outro dos seus avisos a Israel para não “escalar” a luta pela sua própria sobrevivência?”. “E se ouvirmos notícias de que Taiwan foi bloqueada pelo Exército Popular de Libertação e que o Presidente decidiu – depois de analisar cuidadosamente o risco considerável de iniciar uma Terceira Guerra Mundial – não enviar uma força expedicionária naval para impor a liberdade de navegação e abastecer o povo de Taiwan com armas e bens essenciais?”. É precisamente a esta distância que estamos de um conflito mundial e o dilema que se colocará ao próximo Presidente dos Estados Unidos será um dos mais difíceis da História das relações internacionais e até da própria humanidade, já que pode estar em risco no caso de conflito nuclear a larga escala. Mesmo assim, a destruição total não é provável, uma vez que o nuclear se trata de um veículo maioritariamente dissuasivo. De qualquer das formas, é certamente algo a ter em conta e que não pode ser descartado.
Uma segunda Guerra Fria?
Outro cenário, menos desastroso mas também com fortes implicações, é o de uma segunda Guerra Fria. Nem guerra nem paz. A forma como forem resolvidos os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente ditará o futuro desta Guerra Fria que já se faz sentir, uma vez que as dinâmicas da política internacional dão indícios de que a China (mais a Rússia) e os EUA estão já nessa fase.
Quando a 4 de fevereiro de 2022, vinte dias antes do ataque de Moscovo à Ucrânia, a China e a Rússia afirmaram que “As novas relações inter-Estados entre a Rússia e a China são superiores às alianças políticas e militares da era da Guerra Fria. A amizade entre os dois Estados não tem limites, não há áreas de cooperação proibidas”. A segunda Guerra Fria ficou ainda mais evidente, mas desta vez promete outro desfecho, já que a Rússia e a China estão em situações diferentes das que estavam no século passado. O Kremlin já não está amarrado pelo retrocesso e estagnação económica provocados pelo comunismo e a China apresenta índices económicos e de inovação tecnológica notáveis.
“A Rússia e a China opõem-se às tentativas de forças externas para minar a segurança e a estabilidade nas suas regiões adjacentes comuns e tencionam contrariar a interferência de forças externas nos assuntos internos dos países soberanos sob qualquer pretexto (…)”. É uma espécie de Doutrina Brejnev 2.0.
O mundo enfrenta um dos seus períodos mais voláteis com conflitos em várias geografias e será complexo conseguir evitar um conflito superior, mas a resolução diplomática a esperança de todos.
Os grandes conflitos da atualidade
Clique na imagem para ver melhor (infografia de Óscar Rocha e textos de Maria Moreira Rato)