Nota prévia: A perspetiva da Volkswagen fechar fábricas na Alemanha tem que se lhe diga. Seria a primeira vez em 87 anos e um falhanço da indústria alemã no seu próprio território, perante uma ofensiva chinesa vitoriosa nos carros elétricos, que resulta tanto de custos inferiores, como da existência de subsidiações indecorosas. Globalmente, a VW pode até poupar com a decisão, mas a Alemanha e os seus povos (volks, nem de propósito) perdem de certeza. A estratégia chinesa e asiática está a resultar. De resto, plasma, numa escala planetária, o que a Alemanha fez ao concentrar no país e na sua zona de influência a produção industrial durante décadas, usando fundos estruturais. O que acontecer na Alemanha chegará ao resto da Europa, mais cedo ou mais tarde. Para não ficarem reduzidos a um gigantesco lar de velhos, um ponto de desembarque de imigrantes, um museu ou um centro turístico e de laser, os europeus e os ocidentais em geral têm de repensar totalmente a sua economia. Será possível?
1. Passados estes meses de Governo, e apesar da sua fragilidade, tem de se reconhecer que o “não é não” com que Montenegro barrou o acordo com o Chega foi uma atitude lúcida. É até provável que lhe tenha evitado dissabores e dores de cabeça maiores do que as que Ventura, juntamente com Pedro Nuno Santos, lhe dão a partir de fora. Para chegar a esta conclusão, basta ver o comportamento instável e truculento que Ventura impõe à política e no seu partido, inventando pretextos diários para aparecer. Os arrufos são tantos que já nem a comunicação social os leva a sério, desgastando a imagem do Chega e criando tensões internas. Está-se num ponto de asfixia caudilhista em que se ameaça de sanções quem não pugnar pelo referendo sobre imigração, umas das coisas mais absurdas que se propôs, até por ser impossível formular uma pergunta razoável sobre o tema. Ventura, um homem inteligente e bem preparado, começou a vida pública no comentário futebolístico/clubista e nunca deixou o registo de conflitualidade de adepto. Mudou de ramo, mas mantém o estilo. É verdade que até agora a postura tonitruante lhe tem rendido votos e que há muitas matérias em que tem razão. Se é assim fora do governo, imagine-se o que poderia acontecer em coabitação com Montenegro e o seu executivo AD. Provavelmente, não haveria dia sem uma cena doméstica e pratos partidos. É que ao contrário de um CDS conformado e domesticado, crescer até ser o primeiro é o plano de Ventura. Lembra os bloquistas que querem sempre mais isto e aquilo, em vez de construírem soluções. Ciente disso, Montenegro pôs as fichas todas na solução minoritária. E, confortavelmente reconduzido no PSD, conta crescer à esquerda, ao centro e, agora, já na área direita, onde parece haver uma saturação do Chega, percetível nas europeias, enquanto os liberais se digladiam e desgastam.
2. No meio disto, estamos cada vez mais saturados das polémicas à volta do Orçamento do Estado. Sente-se na população um crescente alheamento das partes gagas quotidianas. Os comuns mortais já viram que o país não para sem orçamento e que há países, como a surrealista Bélgica, onde não haver sequer governo não impede a vida quotidiana de se desenvolver, numa espécie de autogestão, fenómeno que também se estende à vizinha Espanha, da qual dependemos. O mais importante nesta fase é tentar aplicar os fundos do PRR, a ver se dali resulta algo de positivo. O Portugal que Montenegro herdou é surrealista e não se reforma. Apesar de estar perto de atingir 750 mil funcionários públicos e afins, o país resume-se a hospitais e centros de saúde sem médicos, escolas sem professores e com poucas aulas, ruas sem polícias, prisões sem guardas suficientes (como se viu ainda agora), Justiça sem oficiais e oficiais militares de carreira sem soldados. Apesar disso, cada fim do mês, os que conseguem ganhar ordenados de classe média alta fiscal cá do sítio (mais ou menos 2700 euros) veem pesados descontos nas sua folhas de salário, pagam impostos e taxas sucessivas e interrogam-se sobre o destino dado a tantos milhões. Ainda há dias viram somar-se potencialmente mais 80 milhões aos 460 que se devem perder numa Efacec que devia ter sido fechada logo que entrou em crise a sua acionista Isabel dos Santos.
3. O relatório da IGF (Inspeção Geral de Finanças) sobre a TAP não trouxe nada de novo, como se esperava. A TAP tem sido, desde o 25 de Abril, um emaranhado de confusões. São tantas as peripécias e casos que juntar tudo dava uma gigantesca enciclopédia. Para o bem da companhia, do país, dos seus passageiros lusófonos e não só, dos que nela trabalham e das suas famílias, o melhor não é avançar-se para processos judiciais que podem levar décadas e não dar em nada. É inútil olhar para o momento em que uns privatizaram e outros voltaram a nacionalizar. Havia razões suficientes para as duas coisas. Também não vale a pena canalizar o ataque político contra Pinto Luz, quando se sabe que o processo foi conduzido por Sérgio Monteiro, braço direito de Maria Luís Albuquerque, à época ministra das Finanças. Pinto Luz esteve num governo de 27 dias e só tinha que assinar, para cumprir um compromisso assumido com a troika pelo PS de Sócrates e confirmado por Passos Coelho. O relatório é só um bom pretexto para eternizar o combate político. Como todos os partidos de governo e de suporte têm culpas no cartório, o que interessaria agora é negociar uma solução que permita à TAP sobreviver e servir os interesses do país e do mercado, sem mais custos para o contribuinte. Já não era mau recuperar uma terça parte do muito que lá se pôs. Quanto a quem compra, é um pouco a história do Tiririca: pior não fica. Os grupos de que se fala são geridos por quem sabe de aviação, independentemente de poderem não ter a mesma visão de futuro. Mas, aí, é que o Estado português deve impor certos parâmetros racionais com competência.
4. Sempre que pode, Gouveia e Melo faz subir o periscópio e sinaliza-se como um eventual candidato a Belém. Voltou a fazê-lo há dias em entrevista à RTP. O pretexto é sempre dizer que nada pode dizer enquanto não for livre para dizer se é ou não concorrente, ou seja, enquanto for militar no ativo. Depois disso, poderá dispor da sua vida e da sua liberdade política plena. A condição militar implica não se meter publicamente na política. Gouveia e Melo pode ainda ser reconduzido uma vez, antes de se retirar. Se o governo o convidar para ficar, pode ser uma manobra para evitar um candidato incómodo. Se ele recusar, é possível que seja um sinal de que vai avançar e que, afinal, o tal super navio que ele anda a congeminar não é a sua grande missão. Gouveia e Melo tem muitos adeptos por ter sido o homem que vacinou Portugal contra a Covid. Além disso, tem boa pinta. Em contrapartida é Almirante. Já tivemos um em Belém e foi o que se sabe.
5. O debate que na noite desta terça-feira vai opor Kamala Harris e Donald Trump é decisivo para as aspirações da atual vice-presidente de suceder a Biden. Um passo em falso pode-lhe ser fatal. É ela que está à prova, depois do colapso de Biden perante um Trump que não deverá deixar o seu registo ofensivo, fanfarrão, mentiroso, mas altamente eficaz.
6. Com o assentimento de Marine Le Pen, um dos raros sobreviventes do Gaulismo foi indicado primeiro-ministro por um moribundo Macron. Michel Barnier foi comissário europeu e negociou o brexit, impondo condições duras a Londres, sem cortar pontes. A esquerda populista considera duvidosa a democraticidade da escolha. É provável que Barnier não aguente muito tempo e que Macron se confronte com múltiplas crises políticas imediatas e até com tumultos. Mesmo assim, reconheça-se que Barnier é a síntese possível.