Como as barras de gelo ajudaram ao sucesso do vinho Barca Velha

Como as barras de gelo ajudaram ao sucesso do vinho Barca Velha


Um génio chamado Fernando Nicolau de Almeida ‘inventou’ o vinho mais famoso português


É o vinho português mais famoso e quase que foi por acaso que Fernando Nicolau de Almeida ‘descobriu’ a poção mágica do Barca Velha. A história foi contada ao Nascer do SOL por João Nicolau de Almeida, filho do inventor ou descobridor, como se queira.

“Recordo-me de irmos [com o irmão] para oMeão, onde se fazia o Barca Velha, e de vermos as camionetas de Matosinhos cheias de gelo, para baixar a temperatura da fermentação, preservando os aromas primários da uva”, contou. Como na altura não havia enólogos, a escolha era feita por seleção. “Na altura não havia laboratórios, havia pouca ciência. Claro que havia medições básicas, mas não dava para fazer bons vinhos.Era preciso ter uma grande capacidade de escolha.Ele tinha várias pipas e estava sempre a escolher: ‘Esta pode ir para Barca Velha, esta não pode, esta pode’”.

O gelo fazia com que a fermentação não passasse dos 20 graus, mas Fernando Nicolau de Almeida, um verdadeiro génio na palavra de muitos, percebeu que o Barca Velha ficava melhor se fosse buscar uvas à Meda, que eram mais ácidas, mais frescas e juntava-as às uvas maduras do Meão. “Fazia um blend [mistura] de vinhas, umas ácidas, outras maduras e conseguia assim controlar a fermentação, porque a acidez é muito importante para controlar a fermentação e para o equilíbrio do vinho”, acrescentava João.

O primeiro Barca Velha tem data de 1952, mas muito se aprimorou depois. 

“O meu pai era provador, na altura não havia enólogos. Ele fazia vinho verde numa quinta que tínhamos e que agora retomámos, mas o vinho tinha gás, as garrafas rebentavam, etc. E aconteceu a mesma coisa em França, em Bordéus, que queria exportar vinho para a América e aquilo começava a fermentar e rebentavam as garrafas. Então foi na universidade com Jean Ribéreau Gayon, um cientista descendente do Pasteur, e Émile Peynaud que se conseguiu dar a volta a esse problema”. Como o pai de João Nicolau de Almeida tinha esse problema com o vinho verde, decidiram convidar Peynaud, nos anos 70. “Como ele tinha resolvido esse problema, porque as bolhas que se criavam era uma segunda fermentação. Ele é que descobriu que aquilo era feito por bactérias e não por leveduras. E então resolveu isso: fazer a fermentação malolática antes de engarrafar e assim já não fermentava na garrafa e estava salvo o vinho. Quando o meu pai – que estava na Casa Ferreirinha – soube que ele tinha resolvido isso, convidou-o para vir cá ver o vinho. Ele estava na sala de provas, a provar os vinhos verdes e a falarem sobre isso e tinha ao lado um vinho tinto, e o senhor Peynaud pega no copo de vinho tinto, cheira aquilo e pergunta: ‘Porque é estão a perder tempo com isso?”. Vocês têm aqui um dos melhores vinhos que já vi na minha vida e estão a perder tempo com o verde? E convidou o meu pai para ir a Bordéus. Esteve lá e viu como é que eles faziam o controlo das temperaturas, da acidez, etc.”.

Fernando Nicolau de Almeida tinha um humor muito britânico, e aos restaurantes que ia levava sempre os seus vinhos, pois não gostava dos disponíveis, que eram poucos, diga-se. A luta do criador do Barca Velha foi muito difícil com a administração da Real Vinícola, proprietária da marca. “Tinha uma luta muito grande com a administração devido à parte económica, porque fazer um vinho para se vender ao fim de sete anos era complicado. Quando o vinho saía aos sete, oito anos era uma bomba”, acrescentava o filho.

A 21.ª colheita do Barca Velha

Hoje, a família Nicolau de Almeida anda por outras vidas, e o filho João, juntamente com os filhos, aposta tudo na Quinta do Monte Xisto. Mas oBarca Velha seguiu o seu caminho e em maio a Sogrape e a Casa Ferreirinha apresentaram a 21.ª colheita do famosos vinho, desta feita de 2015. O preço base será de 860 euros.

Ao Público, o enólogo Luís Sottomayor explicou que, apesar de ser hoje “um vinho mais moderno”, “o [seu] perfil não muda”. No mesmo artigo, revela-se que um Barca Velha de 1957, 0,75L, custa quase quatro mil euros.

Nota final. O que cada um dá por uma garrafa de vinho só a ele lhe diz respeito. Olhando para os vinhos da página do lado, não deixa de ser um pouco afrontoso alguém pagar quase um milhão de euros por uma garrafa. Mas também não deixa de ser estranho ver pessoas a beber Barca Velha com Seven Up como vi tantas vezes. As modas são mais fortes do que o bom senso.