A amizade na era digital. Entre as vantagens e os desafios

A amizade na era digital. Entre as vantagens e os desafios


Hoje, a maioria das pessoas interage mais com os amigos através da tecnologia do que presencialmente. O i conversou com a professora universitária Tiffany Petricini e a psicóloga Jussane Azevedo para compreender este fenómeno.


A amizade na era digital transformou-se com a ascensão das tecnologias e das redes sociais. Antes, as amizades eram predominantemente construídas e mantidas através de encontros presenciais e comunicações diretas. Hoje, a interação virtual desempenha um papel central, permitindo conexões instantâneas e globais através de plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp.

Uma das pessoas que dominam este tema é Tiffany Petricini, professora assistente de estudos de comunicação na Pennsylvania State Shenango, nos EUA. O seu trabalho concentra-se em ecologia dos media, fenomenologia e ética da comunicação. Relativamente à obra Friendship and Technology: A Philosophical Approach to Computer Mediated Communication, publicada no ano passado, começa por explicar que, “ao estudar e tentar compreender qualquer fenómeno, existem diferentes perspectivas que vêm de diferentes campos”. Especifica que, “por exemplo, uma abordagem médica ou psicológica da amizade seria radicalmente diferente” daquela que propõe. E deixa claro que defende que “a amizade, na sua essência, é um fenómeno comunicativo”.

Seguindo as pisadas de estudiosos como Walter Ong, Don Ihde, Alfred Schutz e Josef Tischner, lembra que “a tecnologia muda rapidamente”. “Por exemplo, o Twitter já não se chama Twitter, mas quando escrevi o meu livro ainda tinha esse nome. A pesquisa também está em andamento. Desde que terminei o livro, juntei-me a uma equipa que definiu as primeiras diretrizes de conexão social do mundo e há uma compreensão cada vez maior e em constante mudança das nossas necessidades relacionadas com as relações sociais com outras pessoas”, especifica a docente universitária que leciona unidades curriculares como Discurso Efetivo e Comunicação Interpessoal.

“Se há um argumento que quero transmitir mais do que qualquer coisa no meu livro é que a comunidade de investigação simplesmente não pode opor amizades online a relacionamentos offline. Os nossos relacionamentos são hibridizados. Enviamos mensagens de texto, conversamos por vídeo, enviamos e-mails para os nossos amigos e ainda os encontramos pessoalmente”, salienta.

“No meu livro, tento descobrir as componentes essenciais da amizade. E do ponto de vista da comunicação, amizades verdadeiras e autênticas que são puramente virtuais são possíveis – desde que nos lembremos de que os nossos meios de comunicação filtram as experiências dos nossos amigos de formas diferentes das experiências pessoais”, afirma, dizendo que, “à medida que a inteligência artificial continua a infiltrar-se na nossa comunicação através da tecnologia digital”, prevê “que veremos mudanças na forma como comunicamos com todos, incluindo os nossos amigos”.

E os mais novos? Não é incomum ouvirem-se expressões como “Este miúdo parece que já nasceu com um telemóvel/um computador nas mãos!”. De facto, as gerações mais recentes estão muito mais habituadas a lidar com as novas tecnologias e, por isso, não é de estranhar que também criem amizades online. Na dissertação de mestrado em Psicologia e Psicopatologia do Desenvolvimento, intitulada de Qualidade da amizade na era digital: Associações entre a qualidade da amizade e os comportamentos online na adolescência, defendida no ISPA, a psicóloga Jussane Azevedo aprofunda precisamente esse tema.

“No meu estudo, defini a qualidade da amizade com base nos estudos de Asher & Weeks (2018) considerando seis dimensões: intimidade (quanto os amigos confiam e partilham entre si), conflito (quantos desentendimentos ocorrem e como são resolvidos), proximidade (o quanto se sentem conectados e passam tempo juntos), suporte emocional (o apoio e conforto que oferecem uns aos outros), reciprocidade (equilíbrio nas interações) e compreensão mútua (empatia e respeito pelos sentimentos e perspectivas do outro)”, clarifica, indicando que “esses aspectos positivos e negativos são interligados, então, quando um melhora, os outros também melhoram”.

A profissional de saúde aplicou “uma escala que mede a amizade com base nestas características, onde havia perguntas que exploravam a relação de amizade dos jovens com um melhor amigo, para entender bem como as suas relações funcionam no mundo digital” e observa que aproximadamente 311 jovens entre os 10 e os 15 anos de uma escola pública em Lisboa – 53,4% rapazes e 46,6% meninas – responderam voluntariamente e autorizados pelos pais a dois questionários.

“Em relação à profundidade (intimidade, partilha de segredos ou preocupações) os jovens ainda consideram mais fácil partilhar cara a cara. Conforme ficam mais velhos tendem a estar mais confortáveis nas suas interações online, e mais à vontade para exprimir os seus sentimentos, procurando informações e partilhando as suas preocupações”, observa Jussane Azevedo, adiantando que “no estudo os jovens, em geral, apresentaram boa qualidade tanto nas amizades presenciais como nas online”. “Apesar do valor da comunicação online para troca de informações, a interação cara a cara continua a ser importante para os jovens, contribuindo para uma boa qualidade da amizade”.

“Uma descoberta que captou a minha atenção foi o facto de que à medida que os adolescentes crescem, tendem a jogar menos, dando mais preferência às redes sociais. Estudantes do sétimo ao nono ano, por exemplo, passam menos tempo a jogar e mais em redes sociais e conversas online com amigos. Este achado difere de estudos anteriores que sugerem mais envolvimento em jogos com o passar dos anos”, evidencia, elucidando que, “após muita investigação sobre este tema”, percebeu “que não podemos afirmar categoricamente que o uso das tecnologias na vida dos jovens é bom ou mau”.

“O mundo digital já é uma realidade consolidada nas nossas vidas; trabalhamos, comunicamos, fazemos compras e entretemo-nos por meio de plataformas digitais. Não há como voltar atrás”, realça, declarando que “a chave é o equilíbrio” e os mais novos “devem ser capazes de tirar o melhor proveito das conexões estabelecidas online, sem perder de vista a importância das interações presenciais”.