Ambição e ética política


Na energia, a ética política permanece no reino da retórica.


OS PRIMEIROS 100 DIAS DE UM GOVERNO AMBICIOSO. Acabou o Governo de celebrar os seus primeiros 100 dias. Em tempos muito incertos e em condições internas difíceis tem sido, dum modo geral, uma agradável surpresa.

No seu Programa, afirma ambição e, no caso da energia, quer que a Transição Energética tenha um equilíbrio virtuoso e seja competitiva e sustentável: “A transição energética e a descarbonização são necessidades civilizacionais e oportunidades económicas importantes para Portugal, que devem ser prosseguidas num equilíbrio virtuoso entre, por um lado, ambição nos objetivos de transição energética, e, por outro, escolhas políticas, planeamento e implementação assentes no realismo, imparcialidade, transparência, integridade e competência decisória, racionalidade económica, sustentabilidade financeira, neutralidade tecnológica e competitividade para as empresas e famílias portuguesas. Para isso, também na energia é necessário que Portugal tenha uma nova política e uma nova governação.”

O Governo considera ser necessário um novo impulso às políticas de ambiente e energia, com uma ambição renovada e foco no futuro pois que com o Governo anterior:

• “o discurso sobre as alterações climáticas ganhou centralidade mediática, mas não se transformou numa prioridade efetiva, a economia circular … ficou no plano conceptual.

• … na Lei de Bases do Clima, dois anos após a sua aprovação no Parlamento, muito do disposto ficou por cumprir.

• … a transição energética tornou-se desequilibrada, geradora de conflitos e desconfianças, pouco transparente, ficando aquém das necessidades e das potencialidades nacionais.”

No quadro do planeamento e desenvolvimento das capacidades e do mercado energético, o Governo propõe-se, entre outras, a:

• incentivar a integração e interligação das redes europeias,

• rever o enquadramento legislativo dos planos de desenvolvimento e investimento (PDIR),

• transpor as orientações tendentes ao reforço do Mercado Elétrico Europeu,

• reforçar as capacidades de armazenamento energético,

• estimular as formas de produção renovável descentralizada,

• adotar políticas públicas que reconduzam Portugal a uma tendência de descida no défice tarifário,

• aproveitar os recursos geológicos e transpor para o quadro nacional o “Critical raw materials act”.

Nestes 100 primeiros dias, o Ministério do Ambiente e Energia (MAE) pareceu seguir este seu caderno de encargos, dando particular atenção ao aumento da penetração das energias renováveis para além de sinalizar a importância do armazenamento de energia e o reforço das interligações das redes europeias.

Na área da capacitação, salienta-se o reforço da DGEG, a constituição da Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030 (EMER 2030) e a criação do grupo de trabalho para acelerar a transposição da Diretiva Energias Renováveis, a RED III.

A equipa governamental da energia está confortável na articulação com a actual agenda climática da UE. A rever o PNEC 2030 eleva a meta do peso das renováveis no consumo final bruto de energia de 47% para 51%”, afirma, simultaneamente, que o Governo está a trabalhar no sentido de diminuir os Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) que são repercutidos no preço final da factura de electricidade a pagar pelos consumidores.

Conseguirá “pôr o Rossio na Betesga”?

A UE – ENERGIA, COMPETITIVIDADE E GEO-POLÍTICA

A Declaração de Antuérpia assinada em 11 de Abril último por mais de 1000 signatários representativos da indústria europeia, “destaca a necessidade de abordar os elevados preços de energia, estabelecer uma infraestrutura europeia comum, garantir o fornecimento de matérias-primas essenciais, promover um quadro de inovação mais inteligente e estimular a procura por produtos sustentáveis

Analisando a governação da UE e os possíveis debates no Parlamento Europeu, Abel Mateus, em 2 excelentes artigos no Observador de 5 e 6 de Junho, afirma:

• “Hoje, os desafios que se colocam à UE são mais complexos e críticos: problemas de segurança económica e militar perante as ameaças da Rússia e China, baixo crescimento da economia e competitividade, as ameaças do populismo e nacionalismos. Não nos podemos esquecer que foram os nacionalismos que deram origem às guerras dos séculos XIX e às duas Grande Guerras.”

• “Também estas mesmas ameaças, e a necessidade de aumentar a produtividade e eficiência da UE colocam um trade-off em termos de transição energética. Ainda não se quantificaram nem os custos dessa transição, que são enormes, e que a anterior Comissão, que a liderança de Timmermans e a coligação na Alemanha em torno de Angela Merkel, foi sistematicamente minorando. Existe, hoje, uma maior consciência destes trade-offs, mas falta convertê-los em propostas e programas concretos, a bem do futuro da UE”.

 No processo de renovação e ajustamento político europeu decorrente das recentes eleições, o apoio à eventual reeleição de Von der Leyen como presidente da Comissão Europeia tem um significado importante, só mais bem apercebido na fase final, no próximo outono, com a nomeação e atribuição das diferentes pastas aos novos comissários.

A mudança política da Europa para a direita potencia a prioridade à segurança económica e militar.

A DESCARBONIZAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO NOVO SISTEMA ELÉCTRICO.

Muito recentemente, em 11 de Julho, o Conselho e a Agência de Cooperação dos Reguladores Europeus de Energia (CEER e ACER), sob o titulo “Challenges of the future electricity system – Recommendations and Commitments”, apelam ao novo Parlamento Europeu, à Comissão e ao Conselho para que, ao longo do processo legislativo nos seus próximos mandatos, se concentrem nos principais desafios da eletricidade e das infraestruturas, para proporcionar, à Europa como um todo e a cada um dos Estados Membros, em 2030 e além, um sistema elétrico descarbonizado, competitivo e centrado no consumidor.

Também em Portugal os efeitos da transição energética no sistema eléctrico têm merecido a atenção do sector. Aproveito para destacar 2 intervenientes no Linkedin:

• António Leite Garcia divulgou, nos últimos 2 anos, 3 relevantes documentos: “A energia renovável dificilmente dispensará um pequeno complemento térmico”, “A transição energética precisa de rumo” e “Qualidade do fornecimento de energia por fontes renováveis”.

• Allen Lima apresenta, com muita regularidade, rigor e didatismo, úteis reflexões sobre os mercados de energia. Recentemente, interrogava: “Nesta transição, concordo inteiramente que a otimização de longo prazo tem de estar sujeita a planeamento integrado e procura das melhores alternativas na defesa do consumidor e critérios de clima, coisa que o PNEC nunca fez. Haverá esperança na sua revisão?”

A transição energética é um processo que vai exigir enormes investimentos em infraestruturas e gestão dos sistemas, grande capacidade de planeamento e execução e uma muito eficiente utilização de recursos limitados.

O EQUILÍBRIO VIRTUOSO DA POLÍTICA ENERGÉTICA

No seu Programa, para além de reflectir sobre as restrições financeiras do investimento, o Governo afirma com muito propósito os seus princípios de ética política: “As alterações climáticas exigem concertação, inovação, compromisso no longo prazo, mas também uma adequada ponderação das opções a tomar ao nível da transição energética, garantido a total e absoluta transparência e escrutínio para assegurar que Portugal não envereda, irresponsável e levianamente, por investimentos de questionável racionalidade ambiental e/ou económico-financeira com elevados custos para o País e hipotecando gerações futuras.”

Os primeiros 100 dias do Governo trouxeram um novo impulso e capacidade à antiga política do PS. Porém, não foi dada prioridade às infraestruturas, nem às trajectórias que minimizam os custos do sistema energético, nem houve quaisquer ajustes aos ventos de mudança que sopram fortes na Europa. A fuga para a frente prosseguiu…

NA ENERGIA, A ÉTICA POLÍTICA PERMANECE NO REINO DA RETÓRICA

ex- Administrador da GDP e REN; ex-Secretário de Estado da Energia;

Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social

Ambição e ética política


Na energia, a ética política permanece no reino da retórica.


OS PRIMEIROS 100 DIAS DE UM GOVERNO AMBICIOSO. Acabou o Governo de celebrar os seus primeiros 100 dias. Em tempos muito incertos e em condições internas difíceis tem sido, dum modo geral, uma agradável surpresa.

No seu Programa, afirma ambição e, no caso da energia, quer que a Transição Energética tenha um equilíbrio virtuoso e seja competitiva e sustentável: “A transição energética e a descarbonização são necessidades civilizacionais e oportunidades económicas importantes para Portugal, que devem ser prosseguidas num equilíbrio virtuoso entre, por um lado, ambição nos objetivos de transição energética, e, por outro, escolhas políticas, planeamento e implementação assentes no realismo, imparcialidade, transparência, integridade e competência decisória, racionalidade económica, sustentabilidade financeira, neutralidade tecnológica e competitividade para as empresas e famílias portuguesas. Para isso, também na energia é necessário que Portugal tenha uma nova política e uma nova governação.”

O Governo considera ser necessário um novo impulso às políticas de ambiente e energia, com uma ambição renovada e foco no futuro pois que com o Governo anterior:

• “o discurso sobre as alterações climáticas ganhou centralidade mediática, mas não se transformou numa prioridade efetiva, a economia circular … ficou no plano conceptual.

• … na Lei de Bases do Clima, dois anos após a sua aprovação no Parlamento, muito do disposto ficou por cumprir.

• … a transição energética tornou-se desequilibrada, geradora de conflitos e desconfianças, pouco transparente, ficando aquém das necessidades e das potencialidades nacionais.”

No quadro do planeamento e desenvolvimento das capacidades e do mercado energético, o Governo propõe-se, entre outras, a:

• incentivar a integração e interligação das redes europeias,

• rever o enquadramento legislativo dos planos de desenvolvimento e investimento (PDIR),

• transpor as orientações tendentes ao reforço do Mercado Elétrico Europeu,

• reforçar as capacidades de armazenamento energético,

• estimular as formas de produção renovável descentralizada,

• adotar políticas públicas que reconduzam Portugal a uma tendência de descida no défice tarifário,

• aproveitar os recursos geológicos e transpor para o quadro nacional o “Critical raw materials act”.

Nestes 100 primeiros dias, o Ministério do Ambiente e Energia (MAE) pareceu seguir este seu caderno de encargos, dando particular atenção ao aumento da penetração das energias renováveis para além de sinalizar a importância do armazenamento de energia e o reforço das interligações das redes europeias.

Na área da capacitação, salienta-se o reforço da DGEG, a constituição da Estrutura de Missão para o Licenciamento de Projetos de Energias Renováveis 2030 (EMER 2030) e a criação do grupo de trabalho para acelerar a transposição da Diretiva Energias Renováveis, a RED III.

A equipa governamental da energia está confortável na articulação com a actual agenda climática da UE. A rever o PNEC 2030 eleva a meta do peso das renováveis no consumo final bruto de energia de 47% para 51%”, afirma, simultaneamente, que o Governo está a trabalhar no sentido de diminuir os Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) que são repercutidos no preço final da factura de electricidade a pagar pelos consumidores.

Conseguirá “pôr o Rossio na Betesga”?

A UE – ENERGIA, COMPETITIVIDADE E GEO-POLÍTICA

A Declaração de Antuérpia assinada em 11 de Abril último por mais de 1000 signatários representativos da indústria europeia, “destaca a necessidade de abordar os elevados preços de energia, estabelecer uma infraestrutura europeia comum, garantir o fornecimento de matérias-primas essenciais, promover um quadro de inovação mais inteligente e estimular a procura por produtos sustentáveis

Analisando a governação da UE e os possíveis debates no Parlamento Europeu, Abel Mateus, em 2 excelentes artigos no Observador de 5 e 6 de Junho, afirma:

• “Hoje, os desafios que se colocam à UE são mais complexos e críticos: problemas de segurança económica e militar perante as ameaças da Rússia e China, baixo crescimento da economia e competitividade, as ameaças do populismo e nacionalismos. Não nos podemos esquecer que foram os nacionalismos que deram origem às guerras dos séculos XIX e às duas Grande Guerras.”

• “Também estas mesmas ameaças, e a necessidade de aumentar a produtividade e eficiência da UE colocam um trade-off em termos de transição energética. Ainda não se quantificaram nem os custos dessa transição, que são enormes, e que a anterior Comissão, que a liderança de Timmermans e a coligação na Alemanha em torno de Angela Merkel, foi sistematicamente minorando. Existe, hoje, uma maior consciência destes trade-offs, mas falta convertê-los em propostas e programas concretos, a bem do futuro da UE”.

 No processo de renovação e ajustamento político europeu decorrente das recentes eleições, o apoio à eventual reeleição de Von der Leyen como presidente da Comissão Europeia tem um significado importante, só mais bem apercebido na fase final, no próximo outono, com a nomeação e atribuição das diferentes pastas aos novos comissários.

A mudança política da Europa para a direita potencia a prioridade à segurança económica e militar.

A DESCARBONIZAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO NOVO SISTEMA ELÉCTRICO.

Muito recentemente, em 11 de Julho, o Conselho e a Agência de Cooperação dos Reguladores Europeus de Energia (CEER e ACER), sob o titulo “Challenges of the future electricity system – Recommendations and Commitments”, apelam ao novo Parlamento Europeu, à Comissão e ao Conselho para que, ao longo do processo legislativo nos seus próximos mandatos, se concentrem nos principais desafios da eletricidade e das infraestruturas, para proporcionar, à Europa como um todo e a cada um dos Estados Membros, em 2030 e além, um sistema elétrico descarbonizado, competitivo e centrado no consumidor.

Também em Portugal os efeitos da transição energética no sistema eléctrico têm merecido a atenção do sector. Aproveito para destacar 2 intervenientes no Linkedin:

• António Leite Garcia divulgou, nos últimos 2 anos, 3 relevantes documentos: “A energia renovável dificilmente dispensará um pequeno complemento térmico”, “A transição energética precisa de rumo” e “Qualidade do fornecimento de energia por fontes renováveis”.

• Allen Lima apresenta, com muita regularidade, rigor e didatismo, úteis reflexões sobre os mercados de energia. Recentemente, interrogava: “Nesta transição, concordo inteiramente que a otimização de longo prazo tem de estar sujeita a planeamento integrado e procura das melhores alternativas na defesa do consumidor e critérios de clima, coisa que o PNEC nunca fez. Haverá esperança na sua revisão?”

A transição energética é um processo que vai exigir enormes investimentos em infraestruturas e gestão dos sistemas, grande capacidade de planeamento e execução e uma muito eficiente utilização de recursos limitados.

O EQUILÍBRIO VIRTUOSO DA POLÍTICA ENERGÉTICA

No seu Programa, para além de reflectir sobre as restrições financeiras do investimento, o Governo afirma com muito propósito os seus princípios de ética política: “As alterações climáticas exigem concertação, inovação, compromisso no longo prazo, mas também uma adequada ponderação das opções a tomar ao nível da transição energética, garantido a total e absoluta transparência e escrutínio para assegurar que Portugal não envereda, irresponsável e levianamente, por investimentos de questionável racionalidade ambiental e/ou económico-financeira com elevados custos para o País e hipotecando gerações futuras.”

Os primeiros 100 dias do Governo trouxeram um novo impulso e capacidade à antiga política do PS. Porém, não foi dada prioridade às infraestruturas, nem às trajectórias que minimizam os custos do sistema energético, nem houve quaisquer ajustes aos ventos de mudança que sopram fortes na Europa. A fuga para a frente prosseguiu…

NA ENERGIA, A ÉTICA POLÍTICA PERMANECE NO REINO DA RETÓRICA

ex- Administrador da GDP e REN; ex-Secretário de Estado da Energia;

Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social