A qualidade da democracia (título desta coluna de opinião, partilhada por uma série de autores, preocupados e indignados com o rumo que o sistema político tem seguido nas últimas décadas) está, em minha opinião, intrinsecamente ligada à qualidade dos agentes mais ativos na actividade política. Um destes dias alguém cujo trajeto me merece muito respeito, usou um termo que caracteriza muito bem uma parte muito significativa da atual classe de políticos ativos: “Os políticos de proveta.”
O sistema de democracia (na minha opinião muito incompleta) assente em quase exclusivo nos partidos políticos e em listas eleitorais onde apenas se promove e publicita o cabeça de lista, criou nos partidos campo fértil para o desenvolvimento de um conjunto de sindicatos de voto de candidatos a funcionários aos mais diversos cargos e funções, dentro do vasto território de empregos e nomeações que os partidos com peso eleitoral proporcionam. A ciência política apelida este fenómeno de “job for the boys”. É um fenómeno terrível por criar políticos que olham para a política como um emprego na vez de políticos que enaltecem a política como a oportunidade de desenvolver instrumentos de políticas publicas. Há na vida em geral, e em particular na política, uma profunda diferença entre os que servem e os que se servem.
Esta nota introdutória serve de enquadramento ao comentário sobre o que considero serem sucessivas demostrações – bem ecoadas na comunicação social – da pequenez do debate que resulta desse modelo de produção de “políticos proveta” que adoram, por se sentirem em habitat natural, o clima de suspeição e inquisição que a legitimidade da suposta democracia lhes confere. A PIDE foi extinta em 1974, mas a cultura da PIDE continua bem enraizada em muito do que assistimos na sociedade portuguesa. O caso, mediaticamente apelidado da gémeas luso-brasileiras constitui em minha opinião uma triste demonstração da atitude inquisitória de alguns deputados da comissão de inquérito para com a mãe. Chocou-me profundamente pela falta de humanidade e respeito por uma história de desespero de alguém que está focada em salvar as filhas. Identifiquei ali o pior da cultura inquisitiva. O uso da tortura psicológica está ali bem patente, em políticos ativos cuja história e trajeto não nos trazem qualquer exemplo de liderança digna desse nome. Aproveitam-se da fragilidade de uma família para darem demonstrações de um rigor e uma transparência que não lhes são reconhecidas. Deveriamos estar a enaltecer a capacidade que o SNS teve em salvar duas crianças – na minha opinião o único facto de relevo e digno de nota. Quanto às supostas “cunhas”; queremos todos com estes casos, altamente mediatizados, acreditar por instantes que esse modelo de resolução de problemas, não está profundamente enraizado na cultura portuguesa???? Claro que está e raríssimas são as pessoas em Portugal que nunca o usaram.
Uma democracia de qualidade não lincharia em praça publica uma mãe que desesperadamente tenta salvar as usas filhas. Uma democracia de qualidade, com políticos de qualidade, trabalharia, afincadamente, para garantir que inundava a cultura portuguesa, através da educação, da comunicação criativa e dos bons exemplos, de incentivos a fazer bem feito e à meritocracia. Com o sistema político que temos dificilmente podemos ambicionar a melhor. Com o atual nível de políticos, dificilmente veremos a reforma do estado, a reforma administrativa, a regionalização, a reforma da justiça, a estratégia económica e a obsessão em fazer bem feito devidamente alicerçadas na sociedade portuguesa. E não é porque estes políticos não queiram. Por serem fracos nas suas capacidades e competências, por terem uma leitura umbilical da política, não sabem nem são capazes de pensar e executar as tão necessitadas e adiadas reformas.
Satisfazem-se em encher peito cada vez que podem usar da sua capacidade de torturar o pequeno caso.