Portugal-Chéquia. As novas aventuras do Cavalo Negro

Portugal-Chéquia. As novas aventuras do Cavalo Negro


É hoje que Portugal dá o pontapé de saída para mais uma fase final de um Europeu. Será saudável que o faça com a consciência de que não somos assim tão bons quanto nos julgamos.


LEIPZIG – Os portugueses têm uma idiossincrasia muito própria (bem, todos os povos têm, mas são os portugueses que estão aqui em causa) na forma como reagem à participação da sua seleção nas grandes competições. Durante muito tempo fomos tímidos. Antes do Mundial de 1966 – o nosso melhor Mundial de sempre –, Manuel da Luz Afonso, o selecionador da época, lançou estava frase curiosa quando soube o resultado do sorteio da fase de grupos que nos punha frente a frente com as fortíssimas equipas do Brasil e da Hungria: “Somo gente pobre que tem de ganhar a vida”. Aceitou, sem problema, o papel secundário que cabia a Portugal que, no fim do torneio, saiu de Inglaterra estufado de elogios bem merecidos tal a qualidade ofensiva do seu futebol – 17 golos marcados em seis jogos.

O tempo passou, a seleção nacional começou a faltar repetidamente às fases finais das grandes competições, foi preciso esperar 18 anos pelo Euro-84 e 20 pelo Mundial-86. Se no primeiro nunca corremos o risco de dizermos que éramos favoritos, no segundo já carregámos connosco para o México uma farronca que nos fez perder com Marrocos um jogo que bastava empatar para que passassem as duas equipas à fase a eliminar. Voltámos a ter de esperar mais dez anos. E era aqui, precisamente, que eu queria chegar.

Uma alcunha inglesa

Inglaterra, 1996. Primeiro Europeu em que estive presente. Portugal tinha uma equipa de jovens jogadores de qualidade ímpar, como Figo, João Pinto, Rui Costa ou Paulo Sousa, talvez não tivessem ainda a maturidade que viriam a revelar quatro anos mais tarde, mas recebeu o carinhoso cognome de Black Horse, inventado pela imprensa inglesa. Para os amantes dos ‘derbies’, como de Epson, o Cavalo Negro é o que corre por fora._Ou seja, poucos apostam nele mas há quem acredite que cometa a proeza de ganhar aos mais fortes. O nome fica-nos bem. Vamos e venhamos: a que propósitos nos havemos de considerar favoritos em fases finais de Europeus e de Campeonatos do Mundo quando há países que apresentam seleções muito mais fortes física e tecnicamente do que as nossas?

Foi como um_Cavalo Negro que Portugal ganhou o Euro-2016, espantando todos aqueles que apostaram no equídeo francês, se a expressão me é permitida. Infelizmente, esse título que teria sido muito mais merecido (por via da qualidade do futebol jogado, em 2000 ou 2004) voltou a fazer crescer dentro de cada português um bazófias digno das águas do Mondego. Como éramos campeões da Europa, partimos para o_Mundial da Rússia com mais penachos do que Touro Sentado, o chefe Sioux que deu cabo do Sétimo de Cavalaria na Batalha de Little Green Horn. Enchemos a peitaça de ar e, logo nos oitavos-de-final, um murro em cheio no estômago, dado por uns uruguaios rijos como chifres dos bois das Pampas.

De alguma forma foi como se aquele título conquistado na noite mágica e absolutamente improvável de Saint-Denis nos tivesse esmagado com a sua importância. Tínhamos saído das sombras, não queríamos voltar a elas, sentíramos pela primeira vez o sabor de uma enorme vitória, viciámo-nos nele e perdemos a noção correta do tempo e do espaço. Éramos um Portugal novo, porque a medalha de ouro exibida no peito, nos punha lado a lado com os grandes, mas não fomos um_Portugal digno desse ouro. Em todas as competições nas quais participámos depois de 2016, ficámos muito longe do que se exigia a um Campeão da Europa. Mesmo no Qatar, há cerca de ano e meio, a despeito de termos dobrado o cabo das tormentas que os oitavos-de-final têm representado, terminámos afastados por__Marrocos (outra vez Marrocos!), um conjunto abnegado e trabalhador mas que deveria ter estado ao nosso alcance, francamente!

Agora, de regresso à Alemanha – onde em 2006 fizemos o segundo melhor Mundial da seleção nacional – parece que se acendeu uma luz de recordações. Vamos instalar-nos de novo em Marienfeld, respirar os mesmos ares que respirámos há 18 anos, estamos na frente da luta pela Taça Henri Delaunay. Mas será mesmo assim?

Se querem que responda à minha própria pergunta, solto já aqui um rotundo NÃO! De 2006 resta Cristiano_Ronaldo e, se prestarmos atenção à valia dos jogadores portugueses que estiveram nessa fase final, vemos a diferença gigantesca não apenas de qualidade mas sobretudo de espírito de ambição e de combate. Não me levem a mal não embarcar na cantilena tão em voga desta Nau Catrineta que tem tanto para contar e, pelos vistos, mostrar. Mas que mostraram eles, os nosso heróis de agora? Alguns, aburguesados em clubes milionários que lhes enchem os bolsos às pazadas com Euros em barda, arrastam-se deprimentemente com a camisola dos cinco escudos azuis. E quem são aquelas estrelas de classe universal que andamos aí a apregoar, carregando-os nas palminhas? Cristiano Ronaldo, ainda e sempre acima de todos, apesar dos seus 39 anos, e aquele com quem podemos contar para nos deixarmos de rodriguinhos à moda dos anos-70 e explodir com remates à baliza. Cá atrás, Pepe, outro quarentão da Velha Guarda parece ser indispensável (se Martinez mantiver os três centrais) para refrear os ímpetos ofensivos de Ruben Dias, que deverá ser titular, e espicaçar um de dois jovens muito amolecidos, Gonçalo_Inácio ou António_Silva (que época terrível de má!). Palhinha é, de longe, o melhor para fazer o lugar de trinco, Bernardo Silva parece desaparecer durante longos momentos do jogo, tal e qual como_Diogo Jota. Bruno Fernandes é um fiel da balança. De laterais estamos bem fornecidos, desde que, apesar de poderem ter três nas costas, não se atirem para fora de pé. Sobre todos os outros recaem as dúvidas naturais de quem os vê fazer um jogo competente e, logo a seguir, um de bradar aos céus. Não, estamos longe de ser a melhor equipa deste Europeu. Não, estamos longe de ser tão bons como gostamos de nos fazer crer. O posto de Cavalo Negro assenta-nos bem. Correremos por fora e aos poucos se verá o que é que o torneio tem para nos oferecer e o que tem este Portugal para oferecer a quem tanto dele espera. Ah! E futebol a sério começa já esta noite, em Leipzig, contra uns checos que costumam ser chatos como a potassa. Pela oito da noite mantenha-se atento…