Novos dogmas e novos hereges, nova inquisição 


Os mentores das novas religiões laicas, diferenciando-se da sua vanguarda desordeira operacional, assemelham-se bem ao polvo na mesma brandura e na mesma mansidão, parecendo monges.


As novas religiões laicas com os seus dogmas indiscutíveis e os seus profetas e pregadores radicais fizeram-me lembrar a hipocrisia e a impostura bem denunciadas no Sermão aos peixes pregado pelo Padre António Vieira em S. Luís do Maranhão em 13 de Junho de 1654. Um sermão em que Vieira, em sucessivas e cintilantes imagens literárias, fala dos peixes, visando os homens, e condena os vícios dos homens, tomando-os como pecados dos peixes. Para além do seu conteúdo, é uma fascinante obra-prima da literatura portuguesa. 

A descrição do polvo, com os seus tentáculos e as suas capacidades de ilusão e traição, é uma prodigiosa alegoria.

“Com aquele seu capelo na cabeça parece um monge; com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta ou desta hipocrisia tão santa, o polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição, primeiramente, em se vestir das mesmas cores, de todas aquelas a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia… Se está nos limos faz-se verde; se está na areia faz-se branco; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (…) O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista dos outros, e a primeira traição e roubo que faz é à luz, para que não distinga as cores. E daqui sucede que outro peixe inocente da traição vai passando desacautelado, e o salteador que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro…

O Sermão do Padre António Vieira, crítica acerba das relações dos colonos com os escravos e povos indígenas, tornou-se um grito de alma intemporal contra a opressão e a hipocrisia, e metáfora para outras tiranias e falsidades propositadamente escondidas ou dissimuladas. Como as que se escondem no discurso de muitas minorias sociológicas, tantas vezes meros instrumentos de forças políticas radicais, ao arrogarem-se o direito de sujeitar toda a gente à sua verdade exclusiva e de cancelar social e profissionalmente quem as ousa contrariar. Vivesse agora em Portugal, Vieira pregaria contra essa nova tirania, a ditadura de opinião que pretendem impor.

Os mentores das novas religiões, diferenciando-se da sua vanguarda desordeira operacional, assemelham-se bem ao polvo na mesma brandura e na mesma mansidão, parecendo monges… no modo como seraficamente pregam os seus dogmas na luta pela imediata transição energética, protecção da natureza, apoio ao interior, forma de realização do seu conceito de paz, pão e democracia. E usando atitudes e palavras tão santas, de aparência tão modesta, de se vestirem de todas cores a que estão pegadas, vão escondendo a hipocrisia e a traição, porque tais santos propósitos colidem frontalmente com a ideia de paz, pão e democracia que tanto invocam.

Querem o pão, mas exigem o fim imediato de todos os produtos fitossanitários, condenando à morte pela fome milhões de seres humanos, iludindo que foram esses suplementos que trouxeram o aumento das colheitas. Porque o seu verdadeiro combate é contra os monopólios que os produzem. 

Defendem a valorização do interior, mas proíbem ou dificultam espécies agrícolas e florestais rentáveis e até as charcas para retenção da água e o gado beber, invocando a preservação da biodiversidade. Porque o combate é contra os monopólios da celulose e outros agrícolas e florestais que não se sabe onde estão, custe o que custar em empregos, nível de vida e mesmo dependência alimentar.

Defendem uma radical transição energética e o fim imediato dos combustíveis fósseis para salvar o planeta, castigando as pessoas a quem escondem as consequências, graves perturbações da actividade económica, o fim das actuais condições de vida, um empobrecimento geral insuportável e a miséria das populações, a começar pelas dos países produtores. Porque o verdadeiro combate não é a favor dos povos, é contra os monopólios da energia fóssil.

Na verdade, o que motiva e orienta tal radicalismo, como porventura distraidamente a profetisa Greta o confessou e outros já não dissimulam, é o desmantelamento do sistema capitalista e, com ele, a miséria que levaria à revolução.

São como o polvo que, escurecendo-se a si e tirando a vista dos outros, lançam os braços de repente e, quais salteadores emboscados, fazem prisioneiros outros peixes que, inocentes da traição, vão passando desacautelados.

Eles estão bem retratados na alegoria de Vieira, qual polvo que se veste de todas as cores e de todas as galas para provocar a ilusão dos incautos e idiotas úteis, traindo-os e prendendo-os nos seus poderosos tentáculos. 

Tão bem retratados que, para lhe apagarem a memória, já lhe vandalizaram a estátua, replicando aqueles que há 400 anos o submeteram à prisão e à Inquisição. E, faltando esta, cancelando os hereges que não professam as novas religiões.

Nota: O texto não é sobre quem equilibradamente pugna pelas suas convicções, não cancelando as alheias. Nem o autor é negacionista.

Economista e Gestor

Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

pcardao@gmail.com

Novos dogmas e novos hereges, nova inquisição 


Os mentores das novas religiões laicas, diferenciando-se da sua vanguarda desordeira operacional, assemelham-se bem ao polvo na mesma brandura e na mesma mansidão, parecendo monges.


As novas religiões laicas com os seus dogmas indiscutíveis e os seus profetas e pregadores radicais fizeram-me lembrar a hipocrisia e a impostura bem denunciadas no Sermão aos peixes pregado pelo Padre António Vieira em S. Luís do Maranhão em 13 de Junho de 1654. Um sermão em que Vieira, em sucessivas e cintilantes imagens literárias, fala dos peixes, visando os homens, e condena os vícios dos homens, tomando-os como pecados dos peixes. Para além do seu conteúdo, é uma fascinante obra-prima da literatura portuguesa. 

A descrição do polvo, com os seus tentáculos e as suas capacidades de ilusão e traição, é uma prodigiosa alegoria.

“Com aquele seu capelo na cabeça parece um monge; com aquele não ter osso, nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta ou desta hipocrisia tão santa, o polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição, primeiramente, em se vestir das mesmas cores, de todas aquelas a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia… Se está nos limos faz-se verde; se está na areia faz-se branco; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (…) O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista dos outros, e a primeira traição e roubo que faz é à luz, para que não distinga as cores. E daqui sucede que outro peixe inocente da traição vai passando desacautelado, e o salteador que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente, e fá-lo prisioneiro…

O Sermão do Padre António Vieira, crítica acerba das relações dos colonos com os escravos e povos indígenas, tornou-se um grito de alma intemporal contra a opressão e a hipocrisia, e metáfora para outras tiranias e falsidades propositadamente escondidas ou dissimuladas. Como as que se escondem no discurso de muitas minorias sociológicas, tantas vezes meros instrumentos de forças políticas radicais, ao arrogarem-se o direito de sujeitar toda a gente à sua verdade exclusiva e de cancelar social e profissionalmente quem as ousa contrariar. Vivesse agora em Portugal, Vieira pregaria contra essa nova tirania, a ditadura de opinião que pretendem impor.

Os mentores das novas religiões, diferenciando-se da sua vanguarda desordeira operacional, assemelham-se bem ao polvo na mesma brandura e na mesma mansidão, parecendo monges… no modo como seraficamente pregam os seus dogmas na luta pela imediata transição energética, protecção da natureza, apoio ao interior, forma de realização do seu conceito de paz, pão e democracia. E usando atitudes e palavras tão santas, de aparência tão modesta, de se vestirem de todas cores a que estão pegadas, vão escondendo a hipocrisia e a traição, porque tais santos propósitos colidem frontalmente com a ideia de paz, pão e democracia que tanto invocam.

Querem o pão, mas exigem o fim imediato de todos os produtos fitossanitários, condenando à morte pela fome milhões de seres humanos, iludindo que foram esses suplementos que trouxeram o aumento das colheitas. Porque o seu verdadeiro combate é contra os monopólios que os produzem. 

Defendem a valorização do interior, mas proíbem ou dificultam espécies agrícolas e florestais rentáveis e até as charcas para retenção da água e o gado beber, invocando a preservação da biodiversidade. Porque o combate é contra os monopólios da celulose e outros agrícolas e florestais que não se sabe onde estão, custe o que custar em empregos, nível de vida e mesmo dependência alimentar.

Defendem uma radical transição energética e o fim imediato dos combustíveis fósseis para salvar o planeta, castigando as pessoas a quem escondem as consequências, graves perturbações da actividade económica, o fim das actuais condições de vida, um empobrecimento geral insuportável e a miséria das populações, a começar pelas dos países produtores. Porque o verdadeiro combate não é a favor dos povos, é contra os monopólios da energia fóssil.

Na verdade, o que motiva e orienta tal radicalismo, como porventura distraidamente a profetisa Greta o confessou e outros já não dissimulam, é o desmantelamento do sistema capitalista e, com ele, a miséria que levaria à revolução.

São como o polvo que, escurecendo-se a si e tirando a vista dos outros, lançam os braços de repente e, quais salteadores emboscados, fazem prisioneiros outros peixes que, inocentes da traição, vão passando desacautelados.

Eles estão bem retratados na alegoria de Vieira, qual polvo que se veste de todas as cores e de todas as galas para provocar a ilusão dos incautos e idiotas úteis, traindo-os e prendendo-os nos seus poderosos tentáculos. 

Tão bem retratados que, para lhe apagarem a memória, já lhe vandalizaram a estátua, replicando aqueles que há 400 anos o submeteram à prisão e à Inquisição. E, faltando esta, cancelando os hereges que não professam as novas religiões.

Nota: O texto não é sobre quem equilibradamente pugna pelas suas convicções, não cancelando as alheias. Nem o autor é negacionista.

Economista e Gestor

Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade

pcardao@gmail.com