Aguiar-Branco, uma nova tolerancia


O presidente do Parlamento não tem a visão “ayatoliana” dos seus antecessores que alimentaram o Chega.


1. Os debates parlamentares devem revestir-se de uma contenção educada, sem extravasar para o racismo e a xenofobia. Não é fácil traçar fronteiras. O atual presidente do Parlamento tem uma tolerância alargada. Contrasta com as interpretações “ayatolianas” de Ferro Rodrigues e Santos Silva que alimentaram o Chega. Aguiar-Branco não incentiva a chicana. Dirige os trabalhos seriamente. Não ajuda o Chega na política de incidentes para Tiktok. Os seus limites situam-se no quadro da Constituição, em que a única ideologia proibida é a fascista, na forma de propaganda ou organizada. Foi tolerante perante uma afirmação lamentável de André Ventura sobre o povo turco, mas em que até denegria comparativamente os portugueses. Interpelado, Aguiar-Branco admitiu que a sua malha é mais larga. Favoreceu, circunstancialmente, a direita. Procedeu como os seus antecessores faziam quando comunistas e bloquistas acusavam americanos e europeus das democracias liberais de apoiar o suposto regime nazi da Ucrânia, achando que a invasão pela Rússia é legitimada por um cerco do Ocidente bélico. É hoje certo que Aguiar-Branco saberá distinguir o que merece ou não a sua intervenção, dentro de pressupostos democráticos. Além disso, no Parlamento, quem discorda pode recorrer a mecanismos de interpelação à mesa, votos de protesto e defesa da honra, entre outras coisas. Já a intervenção direta da Justiça é mais duvidosa, dada a liberdade de opinião de que em princípio dispõem plenamente os deputados. Não estávamos habituados a isso e a uma condução dos trabalhos tolerante, equidistante e civilizada. Por mais que incomode alguns, é democrático ouvir o que pensam todos e não sempre os mesmos.

2. Já há muito que não se discutiam as grandes infraestruturas de que precisamos. Anunciavam-se aeroportos avulso, com o primeiro-ministro fora e sem contacto telemóvel, por estar numa reunião de alta segurança. Percebia-se que nada daquilo seria concreto. Até porque não havia dinheiro, nem tínhamos o consenso interno indispensável. Quase todos os projetos de que usufruímos hoje foram lançados por Cavaco Silva e executados até aos princípios deste século. Depois pouco ou nada foi feito. É óbvio que Luís Montenegro se inspirou em Cavaco, que lhe prestou conselho. As empreitadas têm, finalmente, um planeamento articulado. Há um potencial de relançamento da economia de construção que deverá tornar-se um alicerce económico de crescimento. Num país de “expertos”, poucos ou nenhuns têm a mínima ideia do que é um aeroporto para a riqueza de um país. Foi pena ter-se perdido um quarto deste século. É verdade que não havia grandes hipóteses, depois do monumental estoiro socrático. Seguiram-se tratamentos, cuidados intensivos e reposições, aí já com a geringonça que precisava legitimamente de animar a malta, protelando investimentos. O problema do PS de Costa não foram os seus dois primeiros anos. Foram os restantes, em que se habituou a números de prestidigitação. Remeteu-nos assim para um crescimento anémico e para a cauda da Europa da União. Cabe a Montenegro compensar e concretizar cinco coisas: estabilidade política, evitar erros de conceção, garantir prazos, financiamento ininterrupto e crescimento verdadeiro. O alargamento provisório da Portela, o novo aeroporto (com a óbvia concordância da Vinci), a alta velocidade para o Porto e para Espanha são investimentos monumentais. Ninguém acredita que se façam sem dinheiros públicos diretos ou indiretos. O mais importante é que o país esteja a mexer. Simultaneamente, há que ter muito cuidado para não voltarem casos de esbulho dos dinheiros disponibilizados. Portugal tem-se degradado nesse ponto. Também aí o governo de Montenegro tem de ser diferente.

3. A propósito da necessidade de fazer diferente, reconheça-se que era possível proceder de forma mais atenta a certas escolhas governamentais. Há substituições que não convencem. Aceita-se que a ministra Palma Ramalho tenha demitido por inação a Provedora da SCML, Ana Jorge, e a sua administração. Admitia-se a necessidade de o novo líder ser um financeiro. Mas será que tinha de ser uma pessoa que, embora com uma base na Caixa Geral de Depósitos, andou a tratar de coisas tão díspares como a Cruz Vermelha, um banco em Moçambique cuja atividade lhe deu problemas judiciais, o escandaloso caso de Vale de Lobo, no Algarve, e um consórcio criado entre o IHRU (Instituto da Habitação) e a Caixa Geral que não se sabe o que fez? Paulo Alexandre Sousa tem o direito à cadeira de sonho que é Provedoria da Santa Casa. Mas dentro do perfil gestor, tinha mesmo de ser ele? Quem o aconselhou à ministra e a Montenegro? E será que se arranja uma Mesa de jeito? Não seria melhor procurar um pacto à volta de uma figura mais consensual, que atuasse como chairman? O desenho atual tem mais para correr mal do que bem. Se falhar, quem salta é a ministra. Desde há meses que aqui se defende uma comissão parlamentar de inquérito à SCML. Não a fazer, é agravar o problema.

4. Faltam ainda alguns dias para as nossas Eleições Europeias. Como o ritmo da política anda a mil, nada se pode concluir. Seja como for, os últimos dias confirmaram algumas tendências, aqui descritas anteriormente. Uma é que o Tânger do Chega é uma nódoa que sujeita o partido a uma humilhação, mesmo que Ventura se meta à estrada. Outra é que Marta Temido mete dó, embora o PS vá bem, segundo as sondagens. Há um efeito positivo de um Pedro Nuno Santos que está a melhorar a imagem. Sebastião Bugalho estabeleceu-se, provando que sempre foi político e não jornalista, até pela forma como perseguiu certas pessoas. Cotrim de Figueiredo está uns furos abaixo do esperado, mas pode recuperar. Foi ao programa do bobo da democracia debater com João Oliveira do PCP. Foi infeliz e até rasca quando insinuou um certo tipo de utilidade para o jornal Avante! que lhe foi oferecido. O candidato comunista é um dinossauro jovem com sentido de humor. Só lhe falta propor o rublo para substituir o euro. Catarina Martins tem mostrado a utilidade do Bloco como agente da mensagem pacifista que convém a Moscovo, com um discurso beato enquanto os ucranianos são massacrados. A criatura do PAN só tem a vantagem de não ser um “casseteiro” como a líder do partido. Paupério, do Livre, saiu melhor que a encomenda. Surpreendeu num primeiro momento e depois foi-se esvaziando. As europeias devem decidir-se entre PS e PSD. Não é pior. Repunha-se a nossa tradição democrática e retiraria parcialmente de cena as tendências extremistas e vocais, da esquerda e da direita.

5. É uma evidência que a Rússia está a ganhar algum terreno à Ucrânia na guerra de ocupação ou, pelo menos, a delimitar mais claramente o território ocupado. E também é evidente que, em geral, a Europa está com medo de Moscovo e sem vontade de se pôr ao alto. Faz mal. Se Kiev cair, o mesmo poderá acontecer com parte da Moldávia, com a Geórgia e com a Bósnia e Herzegovina. Já a independência dos Bálticos não deve colocar-se, uma vez que integram a NATO. A Europa da União tem ainda de evitar uma segunda Hungria, rejeitando a integração da Sérvia no seu espaço. Integrá-la seria pôr dentro um Cavalo de Troia. Estranhamente, os europeus parecem mais preocupados com o Médio Oriente do que com o seu território. É óbvio que a carnificina israelita tem de acabar. Mas também é certo que ninguém quer os palestinianos no seu território e que estes querem um Estado sem reconhecer Israel, forçando o impasse. Israel é uma democracia, coisa que não existe em rigorosamente nenhum país muçulmano do Médio Oriente. É notável como um povo que tem 2% da população muçulmana árabe consegue resistir, combater, construir e viver em padrões ocidentais. Há muita gente manipulada que funciona por ódio a Israel, negando esta evidência. Faz barulho, mas é uma minoria. Viu-se na votação do público no festival da Eurovisão. E não venham com teorias da conspiração judia, ao jeito de Tânger Correia.

Aguiar-Branco, uma nova tolerancia


O presidente do Parlamento não tem a visão “ayatoliana” dos seus antecessores que alimentaram o Chega.


1. Os debates parlamentares devem revestir-se de uma contenção educada, sem extravasar para o racismo e a xenofobia. Não é fácil traçar fronteiras. O atual presidente do Parlamento tem uma tolerância alargada. Contrasta com as interpretações “ayatolianas” de Ferro Rodrigues e Santos Silva que alimentaram o Chega. Aguiar-Branco não incentiva a chicana. Dirige os trabalhos seriamente. Não ajuda o Chega na política de incidentes para Tiktok. Os seus limites situam-se no quadro da Constituição, em que a única ideologia proibida é a fascista, na forma de propaganda ou organizada. Foi tolerante perante uma afirmação lamentável de André Ventura sobre o povo turco, mas em que até denegria comparativamente os portugueses. Interpelado, Aguiar-Branco admitiu que a sua malha é mais larga. Favoreceu, circunstancialmente, a direita. Procedeu como os seus antecessores faziam quando comunistas e bloquistas acusavam americanos e europeus das democracias liberais de apoiar o suposto regime nazi da Ucrânia, achando que a invasão pela Rússia é legitimada por um cerco do Ocidente bélico. É hoje certo que Aguiar-Branco saberá distinguir o que merece ou não a sua intervenção, dentro de pressupostos democráticos. Além disso, no Parlamento, quem discorda pode recorrer a mecanismos de interpelação à mesa, votos de protesto e defesa da honra, entre outras coisas. Já a intervenção direta da Justiça é mais duvidosa, dada a liberdade de opinião de que em princípio dispõem plenamente os deputados. Não estávamos habituados a isso e a uma condução dos trabalhos tolerante, equidistante e civilizada. Por mais que incomode alguns, é democrático ouvir o que pensam todos e não sempre os mesmos.

2. Já há muito que não se discutiam as grandes infraestruturas de que precisamos. Anunciavam-se aeroportos avulso, com o primeiro-ministro fora e sem contacto telemóvel, por estar numa reunião de alta segurança. Percebia-se que nada daquilo seria concreto. Até porque não havia dinheiro, nem tínhamos o consenso interno indispensável. Quase todos os projetos de que usufruímos hoje foram lançados por Cavaco Silva e executados até aos princípios deste século. Depois pouco ou nada foi feito. É óbvio que Luís Montenegro se inspirou em Cavaco, que lhe prestou conselho. As empreitadas têm, finalmente, um planeamento articulado. Há um potencial de relançamento da economia de construção que deverá tornar-se um alicerce económico de crescimento. Num país de “expertos”, poucos ou nenhuns têm a mínima ideia do que é um aeroporto para a riqueza de um país. Foi pena ter-se perdido um quarto deste século. É verdade que não havia grandes hipóteses, depois do monumental estoiro socrático. Seguiram-se tratamentos, cuidados intensivos e reposições, aí já com a geringonça que precisava legitimamente de animar a malta, protelando investimentos. O problema do PS de Costa não foram os seus dois primeiros anos. Foram os restantes, em que se habituou a números de prestidigitação. Remeteu-nos assim para um crescimento anémico e para a cauda da Europa da União. Cabe a Montenegro compensar e concretizar cinco coisas: estabilidade política, evitar erros de conceção, garantir prazos, financiamento ininterrupto e crescimento verdadeiro. O alargamento provisório da Portela, o novo aeroporto (com a óbvia concordância da Vinci), a alta velocidade para o Porto e para Espanha são investimentos monumentais. Ninguém acredita que se façam sem dinheiros públicos diretos ou indiretos. O mais importante é que o país esteja a mexer. Simultaneamente, há que ter muito cuidado para não voltarem casos de esbulho dos dinheiros disponibilizados. Portugal tem-se degradado nesse ponto. Também aí o governo de Montenegro tem de ser diferente.

3. A propósito da necessidade de fazer diferente, reconheça-se que era possível proceder de forma mais atenta a certas escolhas governamentais. Há substituições que não convencem. Aceita-se que a ministra Palma Ramalho tenha demitido por inação a Provedora da SCML, Ana Jorge, e a sua administração. Admitia-se a necessidade de o novo líder ser um financeiro. Mas será que tinha de ser uma pessoa que, embora com uma base na Caixa Geral de Depósitos, andou a tratar de coisas tão díspares como a Cruz Vermelha, um banco em Moçambique cuja atividade lhe deu problemas judiciais, o escandaloso caso de Vale de Lobo, no Algarve, e um consórcio criado entre o IHRU (Instituto da Habitação) e a Caixa Geral que não se sabe o que fez? Paulo Alexandre Sousa tem o direito à cadeira de sonho que é Provedoria da Santa Casa. Mas dentro do perfil gestor, tinha mesmo de ser ele? Quem o aconselhou à ministra e a Montenegro? E será que se arranja uma Mesa de jeito? Não seria melhor procurar um pacto à volta de uma figura mais consensual, que atuasse como chairman? O desenho atual tem mais para correr mal do que bem. Se falhar, quem salta é a ministra. Desde há meses que aqui se defende uma comissão parlamentar de inquérito à SCML. Não a fazer, é agravar o problema.

4. Faltam ainda alguns dias para as nossas Eleições Europeias. Como o ritmo da política anda a mil, nada se pode concluir. Seja como for, os últimos dias confirmaram algumas tendências, aqui descritas anteriormente. Uma é que o Tânger do Chega é uma nódoa que sujeita o partido a uma humilhação, mesmo que Ventura se meta à estrada. Outra é que Marta Temido mete dó, embora o PS vá bem, segundo as sondagens. Há um efeito positivo de um Pedro Nuno Santos que está a melhorar a imagem. Sebastião Bugalho estabeleceu-se, provando que sempre foi político e não jornalista, até pela forma como perseguiu certas pessoas. Cotrim de Figueiredo está uns furos abaixo do esperado, mas pode recuperar. Foi ao programa do bobo da democracia debater com João Oliveira do PCP. Foi infeliz e até rasca quando insinuou um certo tipo de utilidade para o jornal Avante! que lhe foi oferecido. O candidato comunista é um dinossauro jovem com sentido de humor. Só lhe falta propor o rublo para substituir o euro. Catarina Martins tem mostrado a utilidade do Bloco como agente da mensagem pacifista que convém a Moscovo, com um discurso beato enquanto os ucranianos são massacrados. A criatura do PAN só tem a vantagem de não ser um “casseteiro” como a líder do partido. Paupério, do Livre, saiu melhor que a encomenda. Surpreendeu num primeiro momento e depois foi-se esvaziando. As europeias devem decidir-se entre PS e PSD. Não é pior. Repunha-se a nossa tradição democrática e retiraria parcialmente de cena as tendências extremistas e vocais, da esquerda e da direita.

5. É uma evidência que a Rússia está a ganhar algum terreno à Ucrânia na guerra de ocupação ou, pelo menos, a delimitar mais claramente o território ocupado. E também é evidente que, em geral, a Europa está com medo de Moscovo e sem vontade de se pôr ao alto. Faz mal. Se Kiev cair, o mesmo poderá acontecer com parte da Moldávia, com a Geórgia e com a Bósnia e Herzegovina. Já a independência dos Bálticos não deve colocar-se, uma vez que integram a NATO. A Europa da União tem ainda de evitar uma segunda Hungria, rejeitando a integração da Sérvia no seu espaço. Integrá-la seria pôr dentro um Cavalo de Troia. Estranhamente, os europeus parecem mais preocupados com o Médio Oriente do que com o seu território. É óbvio que a carnificina israelita tem de acabar. Mas também é certo que ninguém quer os palestinianos no seu território e que estes querem um Estado sem reconhecer Israel, forçando o impasse. Israel é uma democracia, coisa que não existe em rigorosamente nenhum país muçulmano do Médio Oriente. É notável como um povo que tem 2% da população muçulmana árabe consegue resistir, combater, construir e viver em padrões ocidentais. Há muita gente manipulada que funciona por ódio a Israel, negando esta evidência. Faz barulho, mas é uma minoria. Viu-se na votação do público no festival da Eurovisão. E não venham com teorias da conspiração judia, ao jeito de Tânger Correia.