Segurança económica e energia em Portugal


Advoga-se o destaque da gestão técnica global do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG) da REN, que engloba as funções estratégicas de Gestão.


GEOPOLÍTICA E EUROPA. Ao multilateralismo na pós-guerra fria, emerge agora a consolidação rápida de 2 blocos antagónicos: o do Ocidente Alargado e o da China-Rússia-Irão. A ordem internacional, baseada em regras e que nos proporcionou uma relativa paz e prosperidade, está seriamente abalada. O nosso mundo está em mudança rápida e convulsiva, impactando na segurança física, económica e social das sociedades.

A Europa, com 2 guerras à sua porta (Ucrânia e Israel/Palestina) e sem defesa autónoma, uma economia sem competitividade e com crescimento incipiente, está estupefacta, mas a tentar reagir. Em 25Abr na Sorbonne 2, o presidente francês Emmanuel Macron apresentou um vasto programa para evitar o “declínio” e a “morte” da Europa.

COMPETITIVIDADE E ENERGIA NA EUROPA. Anteriormente, em 16Abr24 e em Bruxelas, também Mario Draghi tinha feito uma intervenção importante na Conferência sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, chamando a atenção para as debilidades estratégicas da competitividade europeia:

“… outras regiões já não cumprem as regras e estão a elaborar activamente políticas para melhorar a sua posição competitiva. …

A China, por exemplo, pretende capturar e internalizar todas as partes da cadeia de abastecimento em tecnologias verdes e avançadas e está a garantir o acesso aos recursos necessários.

Os EUA, por seu lado, estão a utilizar uma política industrial em grande escala para atrair capacidade de produção nacional de elevado valor para dentro das suas fronteiras ao mesmo tempo que utilizam o protecionismo para excluir concorrentes … reorientar e proteger redes de fornecimento.

… Hoje investimos menos em tecnologias digitais e avançadas do que os EUA e a China, incluindo na defesa, e temos apenas quatro intervenientes tecnológicos europeus globais entre os 50 maiores a nível mundial.

Falta-nos uma estratégia para proteger as nossas indústrias tradicionais de condições de concorrência globais desiguais causadas por assimetrias nas regulamentações, subsídios e políticas comerciais. As indústrias com uso intensivo de energia são um exemplo disso.”

Em 18Abr24, no Conselho Europeu Extraordinário de Bruxelas, também Ursula von der Leyen destacou quatro grandes áreas de ação para aprofundar ainda mais o Mercado Único:

“Melhorar o acesso ao capital para as empresas europeias, reduzir o custo da energia, melhorar as competências da nossa força de trabalho, fortalecer o comércio com o resto do mundo e, por último, … a necessidade de uma … base industrial de defesa da UE…

Para melhorar a competitividade das empresas da UE, precisamos também de reduzir ainda mais o custo da energia. Apesar de atingirem níveis de preços semelhantes aos anteriores à agressão da Rússia à Ucrânia, continuam a ser estruturalmente demasiado elevados. Com a disponibilização de novos projetos de GNL a partir do próximo ano e o reforço das capacidades para produzir energia limpa na UE, os preços deverão cair estruturalmente.”

O custo da energia voltou à primeira página. As metas da descarbonização estão cada vez mais aspiracionais.

PORTUGAL. ENERGIA E RACIONALIDADE ECONÓMICA. Em termos energéticos, Portugal mantém uma grande dependência dos hidrocarbonetos nos transportes apesar dos esforços na electrificação do sector. Existe sobrecapacidade instalada de produção eléctrica com um mix desequilibrado que não assegura os critérios de segurança de abastecimento. Em 2023, 60% da produção renovável (32,6% do consumo eléctrico) continua a beneficiar de uma remuneração garantida de 102 €/MWh. Não há planeamento, nem prospectivo nem operacional, no sector. As grandes apostas no hidrogénio, nas eólicas offshore e na armazenagem subterrânea do gás, permanecem em gestação.

Na tomada de posse do novo Governo, o primeiro-ministro Luís Montenegro foi lapidar ao referir-se à energia: “É possível e necessário fazer mais e melhor pelo combate às alterações climáticas, pela transição energética e pela valorização dos ecossistemas. Contudo, é preciso fazê-lo com racionalidade económica, protegendo os nossos consumidores e a competitividade das nossas empresas”. A ministra do Ambiente e da Energia e a sua equipa parecem conhecedores e competentes dos mercados energéticos e dos minerais críticos e garantes de uma boa articulação com a EU.

“A SEGURANÇA ECONÓMICA PORTUGUESA. O CASO DO INVESTIMENTO CHINÊS NO SECTOR ELÉCTRICO”. É o título da tese de doutoramento de Doutor Tiago Luís Carvalho. A obra irá ser lançada em livro no próximo dia 10Mai, tendo tido a honra de ser convidado para a prefaciar. Eis um pequeno resumo.

“A tese é útil e oportuna. Útil, na estabilização do conceito de Segurança Económica e na estruturação de um modelo de avaliação do impacto de determinado investimento na segurança económica do país recetor e sua aplicação ao caso destas privatizações. Oportuna, quer atendendo ao contexto de confronto e realinhamento geopolítico atual, quer à grande pressão a que os mercados energéticos estão sujeitos com a descarbonização.

Nas Considerações Finais, o autor percorre na avaliação do caso as dimensões do modelo – Contexto, Motivações, Consequências e Medidas – com o resumo das principais conclusões. Relativamente às Medidas de Ajuste, “tendo em atenção tratar‑se, de modo geral, de um trade‑off entre benefícios económicos de curto prazo e segurança”, afirma:

• “cumpre ao decisor político definir uma estratégia nacional de longa duração para otimizar as relações económicas e políticas com a China, preferencialmente enquadrada nas estratégias europeias para a China e para a segurança económica.”

• “Identificou‑se a pertinência de avaliar a recuperação estatal das funções estratégicas da REN, de modo a minimizar, com reduzido custo relativo, as preocupações securitárias associadas ao IDE chinês no setor elétrico português.”

Excelente síntese!”

A REN NO CONTEXTO EUROPEU. No conjunto dos 34 países europeus membros do CEER- Conselho dos Reguladores Europeus de Energia, Portugal é o único país que concentra numa única holding de capitais totalmente privados as concessões de transporte de gás e eletricidade, assim como as do terminal de GNL de Sines e da armazenagem subterrânea no Carriço e que, para além disto, mantém, integradas nessas concessões, as funções de gestão global dos sistemas com as de operadora das redes de transporte.

Estas singularidades são, só por si, motivo de reflexão e ajuste, merecendo uma reanálise e reversão de molde que o Estado passe a recuperar o controlo sobre os organismos que emanam as decisões estratégicas para o País, fundamentais para a sua soberania.

A IMPORTÂNCIA CRíTICA DO GESTOR GLOBAL DO SISTEMA. No passado, a gestão do sistema (despacho) centrava-se na vertente operacional. Com o aumento das renováveis intermitentes, as funções expandiram-se, passando a incluir aspetos como a gestão dos mercados de serviços de sistema e de capacidade, o curtailment da produção, planeamento das redes, análises prospetivas de segurança de abastecimento e das necessidades de reserva e o planeamento energético integrado. À medida que evoluirmos na descarbonização e na integração das redes energéticas europeias, essa complexidade vai aumentar até pela aleatoriedade implícita na utilização de fontes renováveis como a eólica e o solar.

A REN e a EDP têm o Estado Chinês como acionista comum com elevada participação em ambas as empresas (29,5% na REN, através da SGCC, com 25%, e da Fosun Group, que detém 85% dos 5,3% da Fidelidade; e 20,86% na EDP, através da CTG), o que constituiu um risco considerável de interferência na obrigação de independência da REN relativamente a todos os agentes do setor da geração.

A certificação da REN como “full ownership unbundling” não constitui salvaguarda, uma vez que traduz apenas o cumprimento de requisitos legais europeus que, desde logo, não lograram prevenir a situação em causa e acaba por constituir um relaxante legal da ação de fiscalização do Regulador.

A RECUPERAÇÃO ESTATAL DAS FUNÇÕES ESTRATÉGICAS DA REN. Nesta conformidade, advoga-se o destaque da gestão técnica global do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG) da REN, que engloba as funções estratégicas de Gestão (dos sistemas elétrico e de gás em tempo real, dos mercados de serviços de sistema e de capacidade) e de Planeamento (das infraestruturas de transporte e interligações, da segurança do abastecimento e do mix otimizado de recursos energéticos),

Se esta separação já era justificada no momento e contexto especial da privatização da REN, a dinâmica e complexidade dos sistemas energéticos induzidos pela descarbonização, torna-a premente e indispensável, com benefícios claros para a transparência e eficácia do sistema energético e para os seus stakeholders.

Simultaneamente, focará a REN na exploração das redes e nos investimentos induzidos pela descarbonização reduzindo-lhe em muito, os custos de transação com o Estado e terceiros.

Concluindo:

Ajustar competências e potenciar capacidades, é uma necessidade para consolidar a segurança económica do país e uma manifestação de maturidade que só aprofundará e consolidará a confiança e estabilidade das relações entre a China e Portugal.


Segurança económica e energia em Portugal


Advoga-se o destaque da gestão técnica global do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG) da REN, que engloba as funções estratégicas de Gestão.


GEOPOLÍTICA E EUROPA. Ao multilateralismo na pós-guerra fria, emerge agora a consolidação rápida de 2 blocos antagónicos: o do Ocidente Alargado e o da China-Rússia-Irão. A ordem internacional, baseada em regras e que nos proporcionou uma relativa paz e prosperidade, está seriamente abalada. O nosso mundo está em mudança rápida e convulsiva, impactando na segurança física, económica e social das sociedades.

A Europa, com 2 guerras à sua porta (Ucrânia e Israel/Palestina) e sem defesa autónoma, uma economia sem competitividade e com crescimento incipiente, está estupefacta, mas a tentar reagir. Em 25Abr na Sorbonne 2, o presidente francês Emmanuel Macron apresentou um vasto programa para evitar o “declínio” e a “morte” da Europa.

COMPETITIVIDADE E ENERGIA NA EUROPA. Anteriormente, em 16Abr24 e em Bruxelas, também Mario Draghi tinha feito uma intervenção importante na Conferência sobre o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, chamando a atenção para as debilidades estratégicas da competitividade europeia:

“… outras regiões já não cumprem as regras e estão a elaborar activamente políticas para melhorar a sua posição competitiva. …

A China, por exemplo, pretende capturar e internalizar todas as partes da cadeia de abastecimento em tecnologias verdes e avançadas e está a garantir o acesso aos recursos necessários.

Os EUA, por seu lado, estão a utilizar uma política industrial em grande escala para atrair capacidade de produção nacional de elevado valor para dentro das suas fronteiras ao mesmo tempo que utilizam o protecionismo para excluir concorrentes … reorientar e proteger redes de fornecimento.

… Hoje investimos menos em tecnologias digitais e avançadas do que os EUA e a China, incluindo na defesa, e temos apenas quatro intervenientes tecnológicos europeus globais entre os 50 maiores a nível mundial.

Falta-nos uma estratégia para proteger as nossas indústrias tradicionais de condições de concorrência globais desiguais causadas por assimetrias nas regulamentações, subsídios e políticas comerciais. As indústrias com uso intensivo de energia são um exemplo disso.”

Em 18Abr24, no Conselho Europeu Extraordinário de Bruxelas, também Ursula von der Leyen destacou quatro grandes áreas de ação para aprofundar ainda mais o Mercado Único:

“Melhorar o acesso ao capital para as empresas europeias, reduzir o custo da energia, melhorar as competências da nossa força de trabalho, fortalecer o comércio com o resto do mundo e, por último, … a necessidade de uma … base industrial de defesa da UE…

Para melhorar a competitividade das empresas da UE, precisamos também de reduzir ainda mais o custo da energia. Apesar de atingirem níveis de preços semelhantes aos anteriores à agressão da Rússia à Ucrânia, continuam a ser estruturalmente demasiado elevados. Com a disponibilização de novos projetos de GNL a partir do próximo ano e o reforço das capacidades para produzir energia limpa na UE, os preços deverão cair estruturalmente.”

O custo da energia voltou à primeira página. As metas da descarbonização estão cada vez mais aspiracionais.

PORTUGAL. ENERGIA E RACIONALIDADE ECONÓMICA. Em termos energéticos, Portugal mantém uma grande dependência dos hidrocarbonetos nos transportes apesar dos esforços na electrificação do sector. Existe sobrecapacidade instalada de produção eléctrica com um mix desequilibrado que não assegura os critérios de segurança de abastecimento. Em 2023, 60% da produção renovável (32,6% do consumo eléctrico) continua a beneficiar de uma remuneração garantida de 102 €/MWh. Não há planeamento, nem prospectivo nem operacional, no sector. As grandes apostas no hidrogénio, nas eólicas offshore e na armazenagem subterrânea do gás, permanecem em gestação.

Na tomada de posse do novo Governo, o primeiro-ministro Luís Montenegro foi lapidar ao referir-se à energia: “É possível e necessário fazer mais e melhor pelo combate às alterações climáticas, pela transição energética e pela valorização dos ecossistemas. Contudo, é preciso fazê-lo com racionalidade económica, protegendo os nossos consumidores e a competitividade das nossas empresas”. A ministra do Ambiente e da Energia e a sua equipa parecem conhecedores e competentes dos mercados energéticos e dos minerais críticos e garantes de uma boa articulação com a EU.

“A SEGURANÇA ECONÓMICA PORTUGUESA. O CASO DO INVESTIMENTO CHINÊS NO SECTOR ELÉCTRICO”. É o título da tese de doutoramento de Doutor Tiago Luís Carvalho. A obra irá ser lançada em livro no próximo dia 10Mai, tendo tido a honra de ser convidado para a prefaciar. Eis um pequeno resumo.

“A tese é útil e oportuna. Útil, na estabilização do conceito de Segurança Económica e na estruturação de um modelo de avaliação do impacto de determinado investimento na segurança económica do país recetor e sua aplicação ao caso destas privatizações. Oportuna, quer atendendo ao contexto de confronto e realinhamento geopolítico atual, quer à grande pressão a que os mercados energéticos estão sujeitos com a descarbonização.

Nas Considerações Finais, o autor percorre na avaliação do caso as dimensões do modelo – Contexto, Motivações, Consequências e Medidas – com o resumo das principais conclusões. Relativamente às Medidas de Ajuste, “tendo em atenção tratar‑se, de modo geral, de um trade‑off entre benefícios económicos de curto prazo e segurança”, afirma:

• “cumpre ao decisor político definir uma estratégia nacional de longa duração para otimizar as relações económicas e políticas com a China, preferencialmente enquadrada nas estratégias europeias para a China e para a segurança económica.”

• “Identificou‑se a pertinência de avaliar a recuperação estatal das funções estratégicas da REN, de modo a minimizar, com reduzido custo relativo, as preocupações securitárias associadas ao IDE chinês no setor elétrico português.”

Excelente síntese!”

A REN NO CONTEXTO EUROPEU. No conjunto dos 34 países europeus membros do CEER- Conselho dos Reguladores Europeus de Energia, Portugal é o único país que concentra numa única holding de capitais totalmente privados as concessões de transporte de gás e eletricidade, assim como as do terminal de GNL de Sines e da armazenagem subterrânea no Carriço e que, para além disto, mantém, integradas nessas concessões, as funções de gestão global dos sistemas com as de operadora das redes de transporte.

Estas singularidades são, só por si, motivo de reflexão e ajuste, merecendo uma reanálise e reversão de molde que o Estado passe a recuperar o controlo sobre os organismos que emanam as decisões estratégicas para o País, fundamentais para a sua soberania.

A IMPORTÂNCIA CRíTICA DO GESTOR GLOBAL DO SISTEMA. No passado, a gestão do sistema (despacho) centrava-se na vertente operacional. Com o aumento das renováveis intermitentes, as funções expandiram-se, passando a incluir aspetos como a gestão dos mercados de serviços de sistema e de capacidade, o curtailment da produção, planeamento das redes, análises prospetivas de segurança de abastecimento e das necessidades de reserva e o planeamento energético integrado. À medida que evoluirmos na descarbonização e na integração das redes energéticas europeias, essa complexidade vai aumentar até pela aleatoriedade implícita na utilização de fontes renováveis como a eólica e o solar.

A REN e a EDP têm o Estado Chinês como acionista comum com elevada participação em ambas as empresas (29,5% na REN, através da SGCC, com 25%, e da Fosun Group, que detém 85% dos 5,3% da Fidelidade; e 20,86% na EDP, através da CTG), o que constituiu um risco considerável de interferência na obrigação de independência da REN relativamente a todos os agentes do setor da geração.

A certificação da REN como “full ownership unbundling” não constitui salvaguarda, uma vez que traduz apenas o cumprimento de requisitos legais europeus que, desde logo, não lograram prevenir a situação em causa e acaba por constituir um relaxante legal da ação de fiscalização do Regulador.

A RECUPERAÇÃO ESTATAL DAS FUNÇÕES ESTRATÉGICAS DA REN. Nesta conformidade, advoga-se o destaque da gestão técnica global do Sistema Elétrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG) da REN, que engloba as funções estratégicas de Gestão (dos sistemas elétrico e de gás em tempo real, dos mercados de serviços de sistema e de capacidade) e de Planeamento (das infraestruturas de transporte e interligações, da segurança do abastecimento e do mix otimizado de recursos energéticos),

Se esta separação já era justificada no momento e contexto especial da privatização da REN, a dinâmica e complexidade dos sistemas energéticos induzidos pela descarbonização, torna-a premente e indispensável, com benefícios claros para a transparência e eficácia do sistema energético e para os seus stakeholders.

Simultaneamente, focará a REN na exploração das redes e nos investimentos induzidos pela descarbonização reduzindo-lhe em muito, os custos de transação com o Estado e terceiros.

Concluindo:

Ajustar competências e potenciar capacidades, é uma necessidade para consolidar a segurança económica do país e uma manifestação de maturidade que só aprofundará e consolidará a confiança e estabilidade das relações entre a China e Portugal.