Marcelo e o problema da bolha


A bolha de Marcelo é um problema. A bolha de Pinto da Costa levou-o a uma desastrosa saída de cena. A bolha em que vivem muitos protagonistas da vida política leva-nos ao desgaste do compromisso democrático e à emergência de derivas negativas.


Num mundo com o maior número de interligações que a civilização alguma vez acolheu, pelo menos, do que é conhecido, viver numa bolha constitui um problema de desfasamento com as circunstâncias e realidade. É falhar na forma e na substância, indiferente a tudo e a todos, num quadro de degradação e impunidade. É o registo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que, para além das questões pessoais, tem relevância institucional, logo num dos momentos em que o país mais precisa de quem cimente, em vez de induzir mais crispação e desestabilização. Depois de um primeiro mandato a agregar, sintonizado com as soluções de governo e no goto popular, o que lhe granjeou o apoio político da liderança de António Costa para a recandidatura, Marcelo erradia polémica, divisão e total falta de senso, como se depois do bloqueio da maioria absoluta, houvesse um chorrilho de disparates que estiveram acumulados.

O homem não está bem, por causa dos traços de personalidade, os que sempre existiram com maior ou menor expressão, mitigados ou contidos por mínimos de senso, mas sobretudo porque sempre viveu numa bolha.

É da bolha do berço, no conforto do Estado Novo e dos ajustes ao funcionamento democrático, achar-se ungido pela superioridade da Capital e da Linha para rotular terceiros perante estrangeiros de “rural”, “urbano-rural” ou “oriental”. 50 anos depois implantação da Democracia o país ainda não conseguiu superar a altivez e alegada superioridade de um conjunto de cidadãos mais próximo do Rei Sol do que de um Estado de direito democrático, que em função da origem e da proximidade aos corredores do poder, dos interesses vigentes e das posições consolidadas, acham que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.

É da bolha da irresponsabilidade achar que se pode polemizar em torno de temas, que mexem com feridas da sociedade portuguesa de forma inconsequente quando o país está pejado de problemas e desafios para os quais não têm recursos e ainda estamos num quadro de existência de fundos comunitários, como aconteceu com a necessidade de ajustes de contas com a história de Portugal, sempre à luz dos olhos e dos valores de hoje.

É da bolha da sonsice, pelo seu perfil de personalidade, querer fazer-nos acreditar que o exercício da cunha pelo filho no caso das gémeas não foi validado por um quadro de referência e uma prática do pai, com certeza com diversas projeções nos vários ministérios e instâncias da sociedade portuguesa desde que chegou a Belém. A enunciada rutura mais não é do que uma desumana e sonsa tentativa de contenção de danos, através de uma imposição de uma cerca sanitária de sanção a um comportamento que Marcelo também exercitou em barda ao longo do mandato. Basta considerar o seu comportamento, o que ele verbaliza em público e agora o nível do que verbaliza em alegado privado, como no jantar de correspondentes estrangeiros em Portugal.

A bolha é um problema nacional. Viver na bolha é uma opção, pode até durar décadas e suscitar êxitos, mas, em democracia, há sempre um momento em que surge um clique de mudança, de sintonia com a realidade ou de preservação de mínimos de senso, de compromisso e de respeito pelo acervo de direitos, liberdades e garantias. A bolha de Marcelo é um problema. A bolha de Pinto da Costa levou-o a uma desastrosa saída de cena. A bolha em que vivem muitos protagonistas da vida política, reconfortados pelo que o exercício de funções lhes permite, mesmo que afastados das necessidades das pessoas e do país como um todo, leva-nos ao desgaste do compromisso democrático e à emergência de derivas negativas, do populismo ao insulto gratuito, da falta de observância de regras mínimas de vida em comunidade à disseminação do medo, da mentira e do boato. A bolha pode-se resolver pelo voto, mas numa sociedade com dinâmicas tão intensas, tem de haver forma de os excessos de vivência na bolha serem escrutinados, avaliados e superados quando estiverem reunidos os pressupostos do exagero, do chocante desfasamento, do dano ao interesse geral e do cansaço.

Por agora, para além da evidente espiral de degradação pessoal e institucional, num momento importante do país em era bom que assim não fosse, temos um problema constitucional. Pouco mais nos resta do que monitorizar os sinais, tentar combater os dislates com mínimos de cimento social que não agravem mais as tensões e ajudá-lo a acabar o mandato com mínimos de dignidade. No mínimo, tento na língua. É triste, mas é o que temos.

NOTAS FINAIS

FOI BONITA A FESTA. O compromisso popular reafirmado com Abril precisa que se superem as meras proclamações despojadas de ações na resolução dos problemas estruturais e de circunstância. É preciso integrar o 25 de Abril e o 25 de novembro como fez Mário Soares, que muitos mencionam, mas poucos incorporam.

SIM, PORTO É LIÇÃO. Tal como a agigantada expressão do populismo nas últimas legislativas, a onda de mudança no FCP é um pujante exercício democrático de rutura com a degradação do funcionamento das instituições, o arbítrio e a falta de senso nos calendários do exercício de funções. Saber sair é uma arte. Saber exercer também o é.

A TELEVISÃO, ESSA GRANDE DESEDUCADORA DE MASSAS. Depois de um Presidente da República, de um Líder partidário, de vários candidatos autárquicos e de um protocandidato presidencial, a televisão acaba de elevar um comentador a protagonista político. Continuemos com níveis de filtro cívico abaixo dos mínimos, que alguém faz a triagem por nós. A notoriedade será a medida de todas as coisas, quais valores e ética, quais carapuças. E depois queixam-se das transumâncias que o Chega protagoniza…

UM ANO SEM TI, MÃE. Passa hoje um ano. Um vazio, sem que a memória preencha mínimos da ausência da presença física. Um ano depois, a IGAS arquivou o processo do IPO de Lisboa, em que a tutela e instituições relevantes do setor nos tinham dado razão em relação às falhas. A razão de nada serve, agora, quando já não é precisa. Saudade, sempre. A tentar honrar o legado.


Marcelo e o problema da bolha


A bolha de Marcelo é um problema. A bolha de Pinto da Costa levou-o a uma desastrosa saída de cena. A bolha em que vivem muitos protagonistas da vida política leva-nos ao desgaste do compromisso democrático e à emergência de derivas negativas.


Num mundo com o maior número de interligações que a civilização alguma vez acolheu, pelo menos, do que é conhecido, viver numa bolha constitui um problema de desfasamento com as circunstâncias e realidade. É falhar na forma e na substância, indiferente a tudo e a todos, num quadro de degradação e impunidade. É o registo do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que, para além das questões pessoais, tem relevância institucional, logo num dos momentos em que o país mais precisa de quem cimente, em vez de induzir mais crispação e desestabilização. Depois de um primeiro mandato a agregar, sintonizado com as soluções de governo e no goto popular, o que lhe granjeou o apoio político da liderança de António Costa para a recandidatura, Marcelo erradia polémica, divisão e total falta de senso, como se depois do bloqueio da maioria absoluta, houvesse um chorrilho de disparates que estiveram acumulados.

O homem não está bem, por causa dos traços de personalidade, os que sempre existiram com maior ou menor expressão, mitigados ou contidos por mínimos de senso, mas sobretudo porque sempre viveu numa bolha.

É da bolha do berço, no conforto do Estado Novo e dos ajustes ao funcionamento democrático, achar-se ungido pela superioridade da Capital e da Linha para rotular terceiros perante estrangeiros de “rural”, “urbano-rural” ou “oriental”. 50 anos depois implantação da Democracia o país ainda não conseguiu superar a altivez e alegada superioridade de um conjunto de cidadãos mais próximo do Rei Sol do que de um Estado de direito democrático, que em função da origem e da proximidade aos corredores do poder, dos interesses vigentes e das posições consolidadas, acham que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem.

É da bolha da irresponsabilidade achar que se pode polemizar em torno de temas, que mexem com feridas da sociedade portuguesa de forma inconsequente quando o país está pejado de problemas e desafios para os quais não têm recursos e ainda estamos num quadro de existência de fundos comunitários, como aconteceu com a necessidade de ajustes de contas com a história de Portugal, sempre à luz dos olhos e dos valores de hoje.

É da bolha da sonsice, pelo seu perfil de personalidade, querer fazer-nos acreditar que o exercício da cunha pelo filho no caso das gémeas não foi validado por um quadro de referência e uma prática do pai, com certeza com diversas projeções nos vários ministérios e instâncias da sociedade portuguesa desde que chegou a Belém. A enunciada rutura mais não é do que uma desumana e sonsa tentativa de contenção de danos, através de uma imposição de uma cerca sanitária de sanção a um comportamento que Marcelo também exercitou em barda ao longo do mandato. Basta considerar o seu comportamento, o que ele verbaliza em público e agora o nível do que verbaliza em alegado privado, como no jantar de correspondentes estrangeiros em Portugal.

A bolha é um problema nacional. Viver na bolha é uma opção, pode até durar décadas e suscitar êxitos, mas, em democracia, há sempre um momento em que surge um clique de mudança, de sintonia com a realidade ou de preservação de mínimos de senso, de compromisso e de respeito pelo acervo de direitos, liberdades e garantias. A bolha de Marcelo é um problema. A bolha de Pinto da Costa levou-o a uma desastrosa saída de cena. A bolha em que vivem muitos protagonistas da vida política, reconfortados pelo que o exercício de funções lhes permite, mesmo que afastados das necessidades das pessoas e do país como um todo, leva-nos ao desgaste do compromisso democrático e à emergência de derivas negativas, do populismo ao insulto gratuito, da falta de observância de regras mínimas de vida em comunidade à disseminação do medo, da mentira e do boato. A bolha pode-se resolver pelo voto, mas numa sociedade com dinâmicas tão intensas, tem de haver forma de os excessos de vivência na bolha serem escrutinados, avaliados e superados quando estiverem reunidos os pressupostos do exagero, do chocante desfasamento, do dano ao interesse geral e do cansaço.

Por agora, para além da evidente espiral de degradação pessoal e institucional, num momento importante do país em era bom que assim não fosse, temos um problema constitucional. Pouco mais nos resta do que monitorizar os sinais, tentar combater os dislates com mínimos de cimento social que não agravem mais as tensões e ajudá-lo a acabar o mandato com mínimos de dignidade. No mínimo, tento na língua. É triste, mas é o que temos.

NOTAS FINAIS

FOI BONITA A FESTA. O compromisso popular reafirmado com Abril precisa que se superem as meras proclamações despojadas de ações na resolução dos problemas estruturais e de circunstância. É preciso integrar o 25 de Abril e o 25 de novembro como fez Mário Soares, que muitos mencionam, mas poucos incorporam.

SIM, PORTO É LIÇÃO. Tal como a agigantada expressão do populismo nas últimas legislativas, a onda de mudança no FCP é um pujante exercício democrático de rutura com a degradação do funcionamento das instituições, o arbítrio e a falta de senso nos calendários do exercício de funções. Saber sair é uma arte. Saber exercer também o é.

A TELEVISÃO, ESSA GRANDE DESEDUCADORA DE MASSAS. Depois de um Presidente da República, de um Líder partidário, de vários candidatos autárquicos e de um protocandidato presidencial, a televisão acaba de elevar um comentador a protagonista político. Continuemos com níveis de filtro cívico abaixo dos mínimos, que alguém faz a triagem por nós. A notoriedade será a medida de todas as coisas, quais valores e ética, quais carapuças. E depois queixam-se das transumâncias que o Chega protagoniza…

UM ANO SEM TI, MÃE. Passa hoje um ano. Um vazio, sem que a memória preencha mínimos da ausência da presença física. Um ano depois, a IGAS arquivou o processo do IPO de Lisboa, em que a tutela e instituições relevantes do setor nos tinham dado razão em relação às falhas. A razão de nada serve, agora, quando já não é precisa. Saudade, sempre. A tentar honrar o legado.