Afinal porque é que tivemos eleições?


É preciso criar condições para que haja entidades judiciárias responsabilizáveis.


Nota prévia: Voltámos às sondagens, mas ainda ninguém se lembrou de fazer uma para saber se os portugueses estão satisfeitos com o “molho de brócolos” político que arranjaram. Mesmo assim, 40% acharam bem ter havido eleições e 36% pensam que não, a avaliar pelo estudo encomendado pela TSF/DN. Feita antes de o suposto caso das gémeas ter voltado à atualidade, a sondagem indica que 32% dos inquiridos voltam a dar nota positiva ao Presidente, enquanto 58% concordam com a nomeação de Montenegro, mesmo com um Governo minoritário. Já 60% desejam que o Presidente seja mais interventivo. É, porém, baixa a probabilidade de Marcelo voltar aos comentários “à la minuta”. Por um lado, há temas incómodos para ele; por outro, fez um bom discurso de Estado na posse a que se seguiu outro no Dia do Combatente. Havendo em breve eleições na Madeira e para o Parlamento Europeu, o recato discursivo presidencial é altamente desejável. Além disso, aproximam-se os 50 anos do 25 Abril. Aí espera-se que o Chefe de Estado surpreenda com um discurso de enquadramento histórico, dos que só ele é capaz, fugindo da banal análise conjuntural. Veremos!

1. Durante seis meses o país esteve parado (mas curiosamente em crescimento económico) devido a legislativas que se revelaram pouco esclarecedoras. Tudo por causa do célebre parágrafo de um comunicado da procuradora-geral da República, lançando tamanha suspeição sobre António Costa que, obviamente, se demitiu. Por muito que se especule sobre a mão que escreveu aquelas linhas, a verdade é que é apenas Lucília Gago que elas responsabilizam. A isso se soma a circunstância bizarra da PGR não ter de responder pelo que afirma, se se verificar que houve erro ou falta de fundamento. Até ver, do processo e das suspeitas nada se sabe. António Costa é mais um cidadão com a vida suspensa. É coisa que pode tocar a todos. António Costa foi fragilizado também por ter sido encontrado muito dinheiro no escritório do seu chefe de gabinete. Nada, porém, indicia ligação cúmplice entre ambos. Face a este silêncio da PGR, é de admitir que estejamos perante uma intromissão destemperada da Justiça de investigação. António Costa quer agora forçar a aceleração do processo para organizar a vida, pretendendo ser ouvido pelo Ministério Público (MP). Nada o garante, antes pelo contrário, dada a estranha forma de investigação do MP. Também nada garante que a cena de Costa não se repita amanhã com outro titular de órgão de soberania. Ainda mais do que ouvir Costa, a Justiça tem a estrita obrigação de explicar aos portugueses os motivos que levaram à queda do Governo e à ida às urnas. Com o novo Governo e uma nova ministra da Justiça é tempo de se proceder a um ajustamento que responsabilize os investigadores, estabelecendo regras, prazos e consequências. A bem do regular funcionamento da Democracia, um regime no qual não pode haver intocáveis.

2. Temos novo Governo, com novas caras, outras circunstâncias e uma diferente abordagem dos problemas. A equipa de ministros e secretários de Estado ficou acima do expectável. Tem uma massa grande de académicos e independentes com bons currículos. Os políticos escolhidos para ministros e secretários de Estado são experientes e já deram provas. O parlamento vai ser o centro da política. Ciente disso, Montenegro apostou forte na equipa que vai negociar e confrontar as diversas oposições de uma Assembleia fracionada. Pedro Duarte, como ministro dos Assuntos Parlamentares, Abreu Amorim, como seu secretário de Estado, e Hugo Soares na liderança da bancada do PSD, são um grupo competente, capaz de negociar, de dar réplica política e de enquadrar os menos experientes. O Governo Montenegro apresenta-se ao jeito do “devagar que tenho pressa” e não teve (até ver) nenhum verdadeiro caso. Houve duas notas de reparo explicáveis. Nos bastidores reina uma certa curiosidade sobre quem foi o nome que o Presidente terá desaconselhado fortemente, o que atrasou o processo umas horas. Fala-se numa criatura que inclusivamente se terá despedido, horas antes, dos seus próximos. Há sempre estórias que apimentam a epopeia da formação do Governo.

3. Enquanto se aguarda a apresentação e discussão do programa do Governo, olha-se para outros lugares políticos (sem esquecer as centenas de empresas estatais e os múltiplos institutos). Na primeira linha estão os candidatos ao parlamento europeu e o apetecível posto de comissário. Pedro Passos Coelho anda calado e aparentemente desinteressado, mas poderia ser uma hipótese, se a sua imagem fosse retocada positivamente. E assim ficava longe, representava bem e não era um empecilho para ninguém no retângulo. Entretanto, foi bonito e democrático ouvir Paulo Rangel abrir portas ao eventual apoio a uma candidatura de António Costa a um alto cargo europeu.

4. De entre os muitos problemas prioritários deixados para trás pelo PS, há que reconhecer que a situação remuneratória das forças de segurança tem de ser resolvida urgentemente, conforme prometido. Há uma primeira abordagem a fazer que passa pelos subsídios dos homens da PSP e da GNR, que são o pilar da defesa ativa do cidadão. Mas isso é apenas um passo num caminho que impõe uma revisão completa da forma como tudo está organizado, com enorme duplicação de meios e acréscimo de custos nas forças de segurança. Seria desastroso deixar tudo como está. A equipa do MAI é de qualidade. Não pode falhar no diálogo e na procura de soluções concertadas com os representantes legítimos das forças da ordem, se quiser evitar o regresso dos “inorgânicos”.

5. No PS passam-se coisas. Depois de andar a gabar-se de ter criado uma fabulosa situação financeira, Fernando Medina deu uma de circunspecto, ciente da governação de cativação que fez, deixando serviços essenciais num estado miserável. Vir com alertas depois da gabarolice dos cofres cheios é cinismo. Medina procura capital político para o futuro. Alexandra Leitão será a nova líder parlamentar. É mais um sinal do inequívoco posicionamento à esquerda do PS de PNS. Outro foi a dupla ausência do líder socialista às tomadas de posse dos governantes. Não foi à dos ministros porque “não pude e ponto final” e à dos secretários de Estado eventualmente por serem só ajudantes. Fez mal, sobretudo depois do Presidente Marcelo o ter entronizado formalmente como líder da oposição, o que é inédito em 50 anos. PNS procedeu como Mariana Mortágua que leva a efeito uma “OPA” ideológica sobre a esquerda, salvo o PCP que tem uma agenda tão própria quanto retrógrada e que passa apenas pelas empresas do Estado e a administração pública, estando até em perda no ensino. Da maneira como as coisas andam, só falta à esquerda apresentar uma moção de censura ainda antes de o Governo estar legitimado pelo Parlamento.

6. Ainda no PS, a estrela em ascensão é Marina Gonçalves. Dois dias depois de ter saído do Governo, onde não fez rigorosamente nada na Habitação, estava na SIC-Notícias e na Rádio Observador a fazer oposição. Um absurdo! Tendo sido a ministra mais nova de sempre, Marina Gonçalves foi também fulgurante na ascensão. Em menos de dois anos passou de adjunta a chefe de gabinete, depois a secretária Estado e de seguida a ministra. Casas é que poucas ou nenhuma. No IHRU detetaram-se situações tragicamente hilariantes, como casos em que entregaram chaves de casas que não estavam habitáveis. É gozar com quem precisa, diria Araújo Pereira.

7. Como não há fome que não dê em fartura, verifica-se que em praticamente tudo o que é debate e programa político passou a estar presente um elemento do Chega. Muitas vezes o seu líder parlamentar, Pedro Pinto, que não é meigo no diálogo. Curiosamente, e numa óbvia tentativa de avivar o debate à direita, reapareceu o CDS em força, com prejuízo do PSD. Já o Bloco perdeu espaço mediático. A pulverização da esquerda tem custos.

8. Há pesadas heranças de que se fala pouco. No tempo do Governo Costa, Portugal perdeu o Masters de Golf para a Andaluzia. Não agarrou a oportunidade de manter por cá a Fórmula 1, que recebemos durante a covid. Agora está fortemente em causa a manutenção do Open de Ténis do Estoril no grupo ATP. Os grandes eventos, desportivos ou não, são estratégicos. Constituem uma promoção e uma receita essencial do país num segmento de elite. O Governo tem de inverter a curva descendente em que entrámos e que nos desprestigia.

Afinal porque é que tivemos eleições?


É preciso criar condições para que haja entidades judiciárias responsabilizáveis.


Nota prévia: Voltámos às sondagens, mas ainda ninguém se lembrou de fazer uma para saber se os portugueses estão satisfeitos com o “molho de brócolos” político que arranjaram. Mesmo assim, 40% acharam bem ter havido eleições e 36% pensam que não, a avaliar pelo estudo encomendado pela TSF/DN. Feita antes de o suposto caso das gémeas ter voltado à atualidade, a sondagem indica que 32% dos inquiridos voltam a dar nota positiva ao Presidente, enquanto 58% concordam com a nomeação de Montenegro, mesmo com um Governo minoritário. Já 60% desejam que o Presidente seja mais interventivo. É, porém, baixa a probabilidade de Marcelo voltar aos comentários “à la minuta”. Por um lado, há temas incómodos para ele; por outro, fez um bom discurso de Estado na posse a que se seguiu outro no Dia do Combatente. Havendo em breve eleições na Madeira e para o Parlamento Europeu, o recato discursivo presidencial é altamente desejável. Além disso, aproximam-se os 50 anos do 25 Abril. Aí espera-se que o Chefe de Estado surpreenda com um discurso de enquadramento histórico, dos que só ele é capaz, fugindo da banal análise conjuntural. Veremos!

1. Durante seis meses o país esteve parado (mas curiosamente em crescimento económico) devido a legislativas que se revelaram pouco esclarecedoras. Tudo por causa do célebre parágrafo de um comunicado da procuradora-geral da República, lançando tamanha suspeição sobre António Costa que, obviamente, se demitiu. Por muito que se especule sobre a mão que escreveu aquelas linhas, a verdade é que é apenas Lucília Gago que elas responsabilizam. A isso se soma a circunstância bizarra da PGR não ter de responder pelo que afirma, se se verificar que houve erro ou falta de fundamento. Até ver, do processo e das suspeitas nada se sabe. António Costa é mais um cidadão com a vida suspensa. É coisa que pode tocar a todos. António Costa foi fragilizado também por ter sido encontrado muito dinheiro no escritório do seu chefe de gabinete. Nada, porém, indicia ligação cúmplice entre ambos. Face a este silêncio da PGR, é de admitir que estejamos perante uma intromissão destemperada da Justiça de investigação. António Costa quer agora forçar a aceleração do processo para organizar a vida, pretendendo ser ouvido pelo Ministério Público (MP). Nada o garante, antes pelo contrário, dada a estranha forma de investigação do MP. Também nada garante que a cena de Costa não se repita amanhã com outro titular de órgão de soberania. Ainda mais do que ouvir Costa, a Justiça tem a estrita obrigação de explicar aos portugueses os motivos que levaram à queda do Governo e à ida às urnas. Com o novo Governo e uma nova ministra da Justiça é tempo de se proceder a um ajustamento que responsabilize os investigadores, estabelecendo regras, prazos e consequências. A bem do regular funcionamento da Democracia, um regime no qual não pode haver intocáveis.

2. Temos novo Governo, com novas caras, outras circunstâncias e uma diferente abordagem dos problemas. A equipa de ministros e secretários de Estado ficou acima do expectável. Tem uma massa grande de académicos e independentes com bons currículos. Os políticos escolhidos para ministros e secretários de Estado são experientes e já deram provas. O parlamento vai ser o centro da política. Ciente disso, Montenegro apostou forte na equipa que vai negociar e confrontar as diversas oposições de uma Assembleia fracionada. Pedro Duarte, como ministro dos Assuntos Parlamentares, Abreu Amorim, como seu secretário de Estado, e Hugo Soares na liderança da bancada do PSD, são um grupo competente, capaz de negociar, de dar réplica política e de enquadrar os menos experientes. O Governo Montenegro apresenta-se ao jeito do “devagar que tenho pressa” e não teve (até ver) nenhum verdadeiro caso. Houve duas notas de reparo explicáveis. Nos bastidores reina uma certa curiosidade sobre quem foi o nome que o Presidente terá desaconselhado fortemente, o que atrasou o processo umas horas. Fala-se numa criatura que inclusivamente se terá despedido, horas antes, dos seus próximos. Há sempre estórias que apimentam a epopeia da formação do Governo.

3. Enquanto se aguarda a apresentação e discussão do programa do Governo, olha-se para outros lugares políticos (sem esquecer as centenas de empresas estatais e os múltiplos institutos). Na primeira linha estão os candidatos ao parlamento europeu e o apetecível posto de comissário. Pedro Passos Coelho anda calado e aparentemente desinteressado, mas poderia ser uma hipótese, se a sua imagem fosse retocada positivamente. E assim ficava longe, representava bem e não era um empecilho para ninguém no retângulo. Entretanto, foi bonito e democrático ouvir Paulo Rangel abrir portas ao eventual apoio a uma candidatura de António Costa a um alto cargo europeu.

4. De entre os muitos problemas prioritários deixados para trás pelo PS, há que reconhecer que a situação remuneratória das forças de segurança tem de ser resolvida urgentemente, conforme prometido. Há uma primeira abordagem a fazer que passa pelos subsídios dos homens da PSP e da GNR, que são o pilar da defesa ativa do cidadão. Mas isso é apenas um passo num caminho que impõe uma revisão completa da forma como tudo está organizado, com enorme duplicação de meios e acréscimo de custos nas forças de segurança. Seria desastroso deixar tudo como está. A equipa do MAI é de qualidade. Não pode falhar no diálogo e na procura de soluções concertadas com os representantes legítimos das forças da ordem, se quiser evitar o regresso dos “inorgânicos”.

5. No PS passam-se coisas. Depois de andar a gabar-se de ter criado uma fabulosa situação financeira, Fernando Medina deu uma de circunspecto, ciente da governação de cativação que fez, deixando serviços essenciais num estado miserável. Vir com alertas depois da gabarolice dos cofres cheios é cinismo. Medina procura capital político para o futuro. Alexandra Leitão será a nova líder parlamentar. É mais um sinal do inequívoco posicionamento à esquerda do PS de PNS. Outro foi a dupla ausência do líder socialista às tomadas de posse dos governantes. Não foi à dos ministros porque “não pude e ponto final” e à dos secretários de Estado eventualmente por serem só ajudantes. Fez mal, sobretudo depois do Presidente Marcelo o ter entronizado formalmente como líder da oposição, o que é inédito em 50 anos. PNS procedeu como Mariana Mortágua que leva a efeito uma “OPA” ideológica sobre a esquerda, salvo o PCP que tem uma agenda tão própria quanto retrógrada e que passa apenas pelas empresas do Estado e a administração pública, estando até em perda no ensino. Da maneira como as coisas andam, só falta à esquerda apresentar uma moção de censura ainda antes de o Governo estar legitimado pelo Parlamento.

6. Ainda no PS, a estrela em ascensão é Marina Gonçalves. Dois dias depois de ter saído do Governo, onde não fez rigorosamente nada na Habitação, estava na SIC-Notícias e na Rádio Observador a fazer oposição. Um absurdo! Tendo sido a ministra mais nova de sempre, Marina Gonçalves foi também fulgurante na ascensão. Em menos de dois anos passou de adjunta a chefe de gabinete, depois a secretária Estado e de seguida a ministra. Casas é que poucas ou nenhuma. No IHRU detetaram-se situações tragicamente hilariantes, como casos em que entregaram chaves de casas que não estavam habitáveis. É gozar com quem precisa, diria Araújo Pereira.

7. Como não há fome que não dê em fartura, verifica-se que em praticamente tudo o que é debate e programa político passou a estar presente um elemento do Chega. Muitas vezes o seu líder parlamentar, Pedro Pinto, que não é meigo no diálogo. Curiosamente, e numa óbvia tentativa de avivar o debate à direita, reapareceu o CDS em força, com prejuízo do PSD. Já o Bloco perdeu espaço mediático. A pulverização da esquerda tem custos.

8. Há pesadas heranças de que se fala pouco. No tempo do Governo Costa, Portugal perdeu o Masters de Golf para a Andaluzia. Não agarrou a oportunidade de manter por cá a Fórmula 1, que recebemos durante a covid. Agora está fortemente em causa a manutenção do Open de Ténis do Estoril no grupo ATP. Os grandes eventos, desportivos ou não, são estratégicos. Constituem uma promoção e uma receita essencial do país num segmento de elite. O Governo tem de inverter a curva descendente em que entrámos e que nos desprestigia.