Surf. ‘‘Sempre acreditei que ia ser campeã do mundo’’, diz Francisca Veselko

Surf. ‘‘Sempre acreditei que ia ser campeã do mundo’’, diz Francisca Veselko


Francisca Veselko apaixonou-se pelo mar ainda criança, o mar retribui esse sentimento com o título mundial de juniores. Determinada e com um enorme talento para rasgar ondas, só descansa quando conquistar um lugar no circuito mundial de surf.


Nasceu na Califórnia, nos Estados Unidos, mas tem nacionalidade portuguesa e, aos 20 anos, é já uma referência do surf nacional. O facto de os seus pais praticarem surf e terem participado em competições despertou na jovem Kika o interesse pelo surf. A mãe, Filipa Leandro, venceu etapas do circuito nacional, e o pai, Joe Veselko, foi internacional norte-americano. Aliás, estamos a falar de uma família de surfistas, já que os dois irmãos também se converteram ao desporto das ondas. «Cresci na praia, a ver os meus pais a surfar», começou por dizer com um leve sorriso, deixando escapar o que lhe vai na alma: «Desde muito pequenina que me apaixonei pelo mar. Sempre gostei de brincar dentro de água». O facto de viver em Carcavelos e poder desbravar algumas das melhores praias de Portugal também ajudou.

Aos três anos esteve pela primeira vez em cima de uma prancha, mas a aventura não correu bem. «Foi uma brincadeira de amigos… empurraram-me, a prancha virou e fiquei debaixo de água completamente assustada. Na altura não quis mais nada com o surf», recordou. Apesar do susto, ficou o bichinho. «Passado algum tempo senti vontade de experimentar e, desde então, não parei». Começou a surfar aos fins de semana, quando tinha sete anos, e aos 8 foi para uma escola de surf, onde conheceu Joaquim Chaves. Podemos dizer que tiveram uma boa escola, já que ambos foram campeões nacionais.

Aos 9 anos participou pela primeira vez numa competição e a partir daí não parou. «Tenho 20 anos e continuo a competir, é o que mais gosto de fazer», disse com natural satisfação. Ainda antes de dar o salto para os seniores foi campeã de Sub-18. 

O surf feminino tem conquistado cada vez mais reconhecimento internacional, com atletas talentosas que têm deixado a sua marca nas ondas por onde passam. Essa evolução é algo que agrada a Francisca Veselko. «Quando comecei não havia muitas mulheres dentro de água e as competições tinham poucas surfistas. Hoje em dia há imensas raparigas e o nível é bom», reconheceu Francisca, que adiantou com convicção: «O surf feminino evoluiu bastante em Portugal. Temos boas surfistas e a nova geração tem grande atitude e muita qualidade».

Campeã mundial aos 19 anos

Francisca Veselko fica na história do surf nacional pela conquista inédita do título mundial júnior em 2023, em Solana Beach, na Califórnia (EUA). A surfista portuguesa recebeu um wildcard da World Surf League (WSL), foi eliminando as grandes referências do surf feminino e concluiu a prova de forma brilhante com 0.13 pontos de vantagem. Após uma renhida disputa com a norte-americana Sawyer Lindblad, apanhou a onda perfeita no final da bateria e virou a pontuação a seu favor. «Fiquei naturalmente muito contente por representar da melhor maneira o nosso país. Foi um evento com as 24 melhores surfistas mundiais juniores e não era fácil vencer», fez questão de frisar. Vale a pena ver no Youtube a onda que lhe deu o título mundial.

Antes da bateria decisiva disse que tinha a certeza que ia ganhar, agora contou-nos o porquê. «Foram surgindo vários sinais ao longo do evento. Nos primeiros heats [bateria de competição] tive alguma sorte, apanhava as melhores ondas quando tinha a prioridade. Além disso, o mar estava com ondas grandes como eu gosto. Nesse local havia uma roda com anéis e pulseiras, disse que ia rodar para ganhar um anel e ganhei. No dia seguinte aconteceu o mesmo. O meu treinador, Rodrigo Sousa, também estava a sentir que as coisas corriam bem e a minha família estava muito confiante», relembrou. 

Foi um ano inesquecível para Francisca Veselko, já que a seguir ao título mundial, seguiu-se o segundo título nacional absoluto. A conquista do título mundial foi um feito inédito no surf feminino em Portugal, mas não teve o impacto que a atleta esperava a nível de apoios. «Foi muito bom para a minha carreira, deu-me mais confiança, mas em termos de novos patrocínios podia ter sido melhor», disse resignada.

Cada surfista tem naturalmente o seu estilo em cima da prancha. A bicampeã nacional não tem dúvidas em afirmar que o seu estilo é «mais o power surfing», e explicou: «são manobras mais fortes». Com a experiência internacional já acumulada, referiu que o modo como se está a surfar também mudou nos últimos anos. «O surf cresceu muito nas manobras aéreas, essas manobras já existiam há alguns anos, mas agora são mais espetaculares. Depois, temos as piscinas de ondas que criam uma ondulação sempre igual e permitem trabalhar manobras novas. Tentamos, erramos, analisamos e voltamos a tentar até aperfeiçoarmos a técnica», justificou a surfista de Carcavelos. Além do Mundial júnior, participou no Challenge Series da WSL e foi em algumas das mais famosas ondas do mundo que mostrou o seu talento. 

Entre a elite

Já este ano recebeu um wildcard para participar, pela primeira vez, na prova do Championship Tour, que se realizou neste mês de março, em Peniche. Foi a segunda surfista portuguesa a competir entre as melhores do mundo. Surfar ao lado de algumas das melhores surfistas do mundo na praia de Supertubos, em Peniche, foi o concretizar de um sonho. «É o melhor que existe, e é onde eu quero chegar. O Championship Tour está high level, esta temporada tem sido um show incrível e isso inspirou-me a entrar nos supertubos, que têm sido fantásticos. Antes de saber que ia participar na prova do CT já andava a preparar-me para os tubos, é algo que está a faltar no meu surf», afirmou, reconhecendo que «os tubos e as manobras aéreas são pontos em que tenho de melhorar».

Apesar de se ter preparado para a prova portuguesa do circuito mundial, Francisca Veselko foi eliminada na ronda de repescagens. «Sabia que não havia heats fáceis e que era preciso muita consistência. Foi um grande desafio e uma excelente oportunidade para perceber o que é estar na elite do surf mundial. Sem dúvida que fiquei um pouco frustrada, tinha mais para dar, estava com vontade de dar mais de mim, infelizmente não me encontrei muito com as condições, mas agora é trabalhar mais, pois é aqui que quero estar», confessou.

Depois desta experiência, Kika Veselko já está a pensar no futuro: estar junto da elite no Championship Tour. «É o meu sonho desde os 9 anos. Cada pessoa escolhe o que quer fazer na vida, eu escolhi o surf. Acredito que vou conseguir. Não vou ficar descansada enquanto não chegar ao circuito mundial» afirmou convicta. 

Para chegar ao topo é necessário muita determinação, trabalho e confiança, e isso não lhe falta. «É para isso que me esforço todos os dias, mesmo com más condições, às vezes não apetece ir para o mar, mas tenho de ir. A oportunidade que tive de participar numa prova do CT é o resultado do trabalho que tenho vindo a fazer e tenho de manter esse foco». Além de aperfeiçoar a parte técnica faz também treino físico e trabalha com um psicólogo desportivo. Francisca reconhece a importância de levar o surf a sério. «Treino quatro horas diárias e aos fins de semana faço free surf. É a passar muitas horas dentro de água que se consegue evoluir para tentar ser melhor todos os dias». 

Trabalha com Rodrigo Sousa há vários anos e o papel do treinador no surf é muito importante em vários aspetos, como explicou: «Ajuda-me a tomar decisões. Todas as sessões de treino são filmadas, depois vemos essas imagens e ele corrige a parte técnica; é dessa forma que percebo o que tenho de melhorar. Antes de um heat, se tiver na dúvida sobre que prancha usar, ele aconselha-me e dá-me a confiança necessária para fazer uma boa prova».

Como qualquer surfista, Kika tem um local ideal. «Gostava de surfar em Mentawai, uma ilha na Indonésia. Tem ondas inacreditáveis que dão para fazer grandes manobras e tubos, é um destino bastante completo, além disso a água é quente».

Antes de terminarmos a conversa fez questão de salientar que a parte boa do surf é «ser um desafio». «Jogamos com a mãe natureza e sempre com condições muito diferentes, talvez por isso nunca nos cansamos desta modalidade. Cada dia é uma incógnita. O mar é também muito relaxante é aí que consigo libertar as minhas emoções», garantiu. «Surfar de manhã cedo, com a lua cheia, ou ver o sunset na água são momentos incríveis», rematou a jovem surfista.